O Festival Internacional de Cinema DocLisboa, que começa na quinta-feira, tem um perfil “muito definido naquilo que é o seu lugar político”, na defesa de um “cinema livre”, afirmou à agência Lusa a diretora, Cíntia Gil.

O DocLisboa cumprirá a 17.ª edição, que será a última sob a direção de Cíntia Gil e de David Oberto. Gil assumirá em novembro a direção do festival Sheffield Doc/Fest (Inglaterra) e Oberto vai dedicar-se em exclusivo à produção do Festival de Cinema de Turim (Itália).

[Jocelyne Saab mostrou um mundo viciado em conflitos. O DocLisboa abre essa e outras janelas:]

Nas vésperas do DocLisboa, Cíntia Gil contou à Lusa que a próxima direção, anunciada no dia 27, ficará com “um festival muito aberto a ideias e à experimentação”. “Eu diria que constrangimentos há poucos do ponto de vista artístico. Fica um festival muito definido naquilo que é o seu lugar político. É um festival que defende o cinema livre, que defende os realizadores e os produtores, que acredita que não há filmes que não possam ser mostrados às pessoas, contra qualquer tipo de censura”, afirmou. Há vários exemplos disso este ano, nomeadamente sobre o Brasil, com “uma programação urgente que permitirá debater, pensar e ‘contar armas’ para uma resistência ativa contra o desmantelamento da democracia” neste país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Serão exibidos, entre outros, “A nossa bandeira jamais será vermelha”, de Pablo López Guelli, e “Chico: Artista brasileiro”, de Miguel Faria Jr.

O DocLisboa abrirá na quinta-feira com “Longa noite”, filme do realizador galego Eloy Enciso sobre “os alicerces sociopolíticos do fascismo” a partir da história do franquismo, em Espanha. Este ano o programa conta com 303 filmes, mas as competições oficiais estão mais reduzidas. A competição internacional é feita com 14 documentários que são “graciosas reviravoltas sobre si próprios”, como afirmou Cíntia Gil na apresentação oficial. Entre eles está a curta-metragem-manifesto “Eu não sou Pilatus”, do ator e realizador luso-guineense Welket Bungué.

Cíntia Gil recorda que o DocLisboa “procura sempre criar contextos para os filmes que mostra, sejam eles mais difíceis, problemáticos ou polémicos. É um festival de carácter artístico”. Um dos destaques da programação é a retrospetiva dedicada ao cinema da Alemanha de Leste, numa altura em que se assinalam os 30 anos da queda do Muro de Berlim.

A Cinemateca será parceira na exibição desta retrospetiva, com o diretor, José Manuel Costa, a descrevê-la como um “evento histórico em si mesmo”, por “cobrir uma lacuna de conhecimento histórico” e por apresentar “retratos insubstituíveis do pós-guerra”.

Outra das retrospetivas será sobre a obra de Jocelyne Saab, jornalista e realizadora libanesa que morreu em janeiro passado. Entre os filmes escolhidos está “Palestinian Women”, de 1974, censurado e nunca exibido. Passará em Lisboa numa cópia produzida pela Cinemateca Portuguesa para o festival.

Em matéria de cinema português, o Doclisboa apresenta 44 filmes, dos quais 11 integram a competição nacional. Nesta competição estão filmes que já passaram por festivais estrangeiros, como “Prazer, Camaradas!”, de José Filipe Costa, “Três perdidos fazem um encontro”, de Atsushi Kuwayama, e “Raposa”, de Leonor Noivo, ao lado de outros como “História sem maiúsculas”, de Saguenail, “Diários de guerra”, de Luís Brás, e “Cerro dos pios”, de Miguel de Jesus.

No programa “Heat Beat”, com documentário sobre música e arte, estarão, entre outros, “Zé Pedro Rock n’Roll”, de Diogo Varela Silva, “Sophia, na primeira pessoa”, de Manuel Mozos, “Don’t look back”, de D. A. Pennebaker, “The projectionist”, de Abel Ferrara, e “Retrospective”, de Jerôme Bel, que estará em Lisboa.

“Gostamos de um documentário em que o jogo entre a realidade e quem faz o filme é um jogo de ida e vinda, não é uma imposição formal sobre a realidade”, sustentou Cíntia Gil, que dirigiu oito edições do DocLisboa.

Nesta edição há ainda duas novidades: O Nebulae, um espaço dedicado a profissionais com um seminário de realização, encontros temáticos sobre modelos de financiamento e produção, e a criação dos prémios Fernando Lopes para o melhor primeiro filme português, e Pedro Fortes, na secção “Verdes Anos”, em homenagem a Pedro Fortes, um dos elementos da equipa do DocLisboa, que morreu este ano.

Organizado pela Apordoc – Associação pelo Documentário, o DocLisboa encerrará no dia 27, embora o filme de encerramento, “Technoboss”, de João Nicolau, passe na véspera.

Sobre o Sheffield Doc/Fest, Cíntia Gil refere que o festival “tem imenso potencial, tem um mercado enorme”. “Eu vou com o desafio de pensar tudo, tudo pode mudar, tudo ser outra coisa. […] Tem outros desafios e tem um ‘Brexit’, um momento superinteressante para quem programa cinema. Acho superinteressante estar lá neste momento, neste turbilhão”, disse.