Walt Disney deve ter dado três mortais encarpados quando, em 2014, o estúdio que fundou e a que deu o nome pegou na história da sua animação “A Bela Adormecida”, deu-lhe uma valente volta e desconstruiu a personagem de Maléfica, a fada má da fita, que lança a maldição sobre a princesa Aurora e faz com que ela se pique no fuso amaldiçoado e caia num sono profundo. Em “Maléfica” a fada dos chifres, interpretada por Angelina Jolie com uma maquilhagem especial concebida pelo mestre Rick Baker, é a verdadeira heroína da fita e não mais a vilã, embora tenha o seu feitiozinho. O seu coração é amolecido pela bebé Aurora, que cria como se fosse sua filha, e como escreveu um crítico americano, a Disney até podia ser processada por propaganda enganadora, tão boazinha Maléfica se revela. De tal forma, que o filme devia ter-se chamado “Benévola”.

[Veja o “trailer” de “Maléfica: Mestre do Mal”:]

Neste segundo filme, realizado pelo norueguês Joachim Ronning, a Disney acrescenta “Mestre do Mal” ao “Maléfica”, o que só se justifica se o título se referir à verdadeira vilã da história, a maquiavélica rainha Ingrith, interpretada com um certo ar de enfado por Michelle Pfeiffer. É que a Maléfica de Angelina Jolie (que está assustadoramente magra) continua boa, apesar de conservar o tal feitiozinho e ter as suas fúrias ocasionais (mas plenamente justificadas pelo enredo). Como a cartada revisionista já foi jogada no filme original, os argumentistas de “Maléfica: Mestre do Mal” (que em português se devia chamar “Mestra” ou “Senhora do Mal”), apostam agora na revelação das origens da personagem, que descobre fazer parte da tribo das Fadas Sombrias, que é obrigatoriamente multiétnica e tem vindo a ser marginalizada pelos humanos.

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[Veja uma entrevista com Angelina Jolie:]

Em “Maléfica: Mestre do Mal”, o casamento de Aurora (Elle Fanning, que tem muito pouco para fazer) com o príncipe Philip (o sensaborão Harris Dickinson) vai marcar a reconciliação e uma nova era de convívio entre o reino das fadas e o dos humanos. Mas o feliz evento é aproveitado pela dissimulada e cruel rainha Ingrith para dar um golpe palaciano, pôr a dormir o seu marido, o bondoso e pacífico rei John (Robert Lindsay), assumir o poder e provocar uma guerra entre os dois reinos, já que dispõe do equivalente mágico de uma arma NBQ para exterminar as criaturas do mundo vizinho (o enredo recorda bastante aqueles “westerns” em que colonos e índios são atirados uns contra os outros por indivíduos inescrupulosos que só têm a lucrar com a guerra).

[Veja uma entrevista com Elle Fanning:]

Quase metade da fita é preenchida com uma grande batalha que equivale, neste mundo de “dark fantasy”, aos combates dos filmes passados nos tempos medievais, com o extra de uma forte componente aérea, já que os Feiticeiros Sombrios atacam o castelo real como se fossem a Luftwaffe em missão de bombardeamento na II Guerra Mundial. E o filme, que até aí não tinha mostrado particularmente entusiasmante, acaba por se consumir nesta longa e enfadonha refrega movida a efeitos digitais, subaproveitando mesmo a Maléfica de Angelina Jolie, cujo momento alto na história, uma transfiguração em criatura mitológica, acaba por depender também dos computadores.

Ainda por cima, agora com a cara também tratada digitalmente, Jolie parece mais plastificada, mais sintética e artificial do que no primeiro filme. “Maléfica: Mestre do Mal” tem um grande investimento em “software” mas é deficitário em magia cinematográfica.