Paula Rego foi uma das primeiras artistas a expor na Fundação de Serralves, que agora celebra 30 anos de existência. Em 2004 ocupou o Museu com uma mostra focada no trabalho produzido a partir de 1997 e este mês invade a Casa numa autêntica viagem no tempo pela sua obra e pelo seu imaginário.
A exposição tem como ponto de partida as obras da pintora portuguesa de 84 anos que integram a Coleção de Serralves, onde cabe praticamente tudo, das gravuras e desenhos dos anos 60 e 70 às grandes telas em acrílico dos anos 80 e 90.
“Temos vindo a desenvolver apresentações monográficas de alguns autores a partir da nossa coleção e esta exposição segue a linha de programação iniciada no ano passado com a obra de Ana Vieira. Num ano em que o Museu comemora duas décadas, não poderíamos deixar de fora Paula Rego”, começa por explicar Marta Almeida, curadora da exposição, em entrevista ao Observador.
“Paula Rego. O Grito da Imaginação” integra cerca de 36 trabalhos realizados entre 1975 e 2004, dos quais apenas duas séries de gravuras — “Pendle Witches” (1996) e “Shakespeare’s” (2006) – pertencem ao espólio da Casa das Histórias Paula Rego. “Da nossa coleção, apenas a peça “A Cela” (1997) ficou de fora, pois está neste momento numa mostra itinerante no Reino Unido”, acrescenta a curadora, Marta Almeida.
Apesar de não ser se tratar de uma retrospetiva, nem uma exposição tão completa e exaustiva como a que aconteceu em 2004, o itinerário “representa bem o seu percurso artístico”, sendo capaz de testemunhar a sua própria evolução até à pintura figurativa.
A mostra não está organizada cronologicamente, no piso térreo da Casa de Serralves estão as peças mais recentes, dos anos 1990 e da primeira década do século XXI, e também algumas pinturas, entre elas “A Grande Seca” (1976). Já em todo o andar superior constam trabalhos dos anos 1980, como é o caso da pintura “Quatro meninas a brincar com o cão” (1987).
“Possession”, obra constituída por sete painéis com um metro de largura por um metro e meio de altura, pintados em pastel de óleo sobre papel, foi criada para exposição no Museu de Serralves em 2004 e adquirida pela instituição nesse mesmo ano. “É a peça que merece maior destaque, pelo seu tamanho e também pela importância e relevância que tem na própria coleção”, revela a curadora, Marta Almeida, ao Observador.
Irreverente, multifacetada e emergente, Paula Rego “definiu um novo paradigma da pintura contemporânea portuguesa”. A curadora realça “a necessidade e a urgência” que a pintora sente em exprimir-se através da arte, da forma “tão vigorosa” como o faz, deixando o público “apaixonado”.
“É gritante o modo como ela tem necessidade de comunicar com o mundo e, de certa forma, com o seu próprio país, uma vez que vive há muitos anos fora de Portugal”, afirma Marta Almeida, destacando o facto da artista “se conseguir impor e cumprir amplamente” através da sua criatividade, imaginação e dinamismo “efervescentes”.
O papel e a condição mulher na sociedade contemporânea, bem como todos os universos que a rodeiam, continua a ser um dos elementos centrais do seu trabalho. Em pinturas realistas e intencionalmente provocadoras, Rego exalta sem pudor uma mulher sexual, feroz, poderosa e autêntica, desafiando a possibilidade da arte ser capaz de questionar o quotidiano.
“Os temas que aborda são sempre atuais. Além do papel da mulher, Paula Rego explora os domínios da literatura, trazendo essas narrativas para a sua obra, dos contos de fadas aos contos populares”, esclarece a curadora, enaltecendo a capacidade que a artista tem em reinventar e desconstruir.
A série de pinturas “The Vivian Girls on the Farm” (1984), inspirada no livro “The Realms of the Unreal”, de Henry Darger, é um exemplo disso. Ainda que baseada nos contos sobre sete princesas, filhas de Robert Vivian, escravizadas e torturadas por soldados trata-se, como já é habitual na artista, de uma reinterpretação e não de uma ilustração da própria história.
Durante o processo de seleção e montagem da exposição, a curadora confessa não ter tido qualquer contacto com a artista, a viver em Londres desde a década de 1960, tendo presente “a forma bastante privada que ela tem de trabalhar”. Marta Almeida avança ao Observador que a 15 de janeiro o filho da pintora, Nick Willing, apresentará em Serralves o documentário “Paula Rego, Histórias & Segredos”, que realizou em 2017, estando, no próximo ano, também previstas conversas com Catarina Alfaro, diretora artística da Casa das Histórias Paula Rego, e Cécile Debray, diretora do Museu de l’Orangerie, em Paris.
A exposição “Paula Rego. O Grito da Imaginação” permanecerá na Casa de Serralves até 8 de março de 2020.