Há quem diga que a virtude dos mais audazes está em ver para lá do óbvio. Em olhar para uma imagem global, para um plano aberto, e reparar nos pormenores que escapam aos restantes por estarem demasiado ocupados com o que é imediatamente percetível. Nesta teoria, se aplicada ao futebol, o Liverpool é o audaz que tem a virtude de ver para lá do óbvio — e de normalmente beneficiar muito com isso.
Desde o início da fase de grupos da Liga dos Campeões, o futebol europeu acordou para Erling Braut Haaland, o avançado de 19 anos que marcou em cinco dos seis jogos do RB Salzburgo na competição europeia. O norueguês cativou rapidamente o interesse e a atenção dos principais “tubarões” europeus, com o Manchester United a colocar-se aparentemente numa posição destacada na corrida pela contratação do jogador, graças aos oito golos que marcou na Champions e que só ficaram atrás dos dez de Lewandowski na lista dos melhores marcadores da fase de grupos. Ainda assim, Haaland falhou um recorde. E falhou um recorde num jogo que acabou por ser decisivo: mas para um colega de equipa.
Na semana passada, na última jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões, o RB Salzburgo recebeu o Liverpool — que ainda nem estava apurado mas só precisava de um empate para seguir em frente e de uma vitória para ficar no primeiro lugar do grupo. Um dos grandes destaques do jogo era então a possibilidade de Haaland, de apenas 19 anos, se poder tornar somente o segundo jogador da história a marcar em todos os seis jogos da fase de grupos da Champions: algo que só Cristiano Ronaldo conseguiu, ainda ao serviço do Real Madrid, em 2017/18. No final do jogo, o Liverpool venceu, Haaland não marcou e a história da visita dos ingleses aos austríacos pareceu ficar algo esvaziada. Mas para Takumi Minamino a história estava só a começar.
O médio japonês de 24 anos foi o melhor jogador do RB Salzburgo durante uma primeira parte em que a equipa austríaca assustou várias vezes o Liverpool e chegou a ficar perto de marcar, numa demonstração de qualidade que o Eintracht Frankfurt vai agora enfrentar nos 16 avos de final da Liga Europa. Ora, e foi precisamente nesse jogo e nessa primeira parte que o Liverpool acabou por ver mais além: numa equipa onde Haaland tem estado em destaque e é desde já cobiçado por vários clubes europeus, os reds preferiram interessar-se pelo mais discreto Minamino, abordar o jogador quase sem concorrência e contar com ele já a partir do dia 1 de janeiro.
We can confirm an agreement has been reached with @redbullsalzburg for the transfer of Takumi Minamino ????
リヴァプールフットボールクラブは南野拓実選手の移籍についてレッドブル・ザルツブルクと合意に達したことを発表する pic.twitter.com/2yH2N0v3Y1
— Liverpool FC (@LFC) December 19, 2019
Minamino, que está no RB Salzburgo desde 2015, tem no brasileiro Ronaldo a principal inspiração e realizou toda a formação no Cerezo Osaka, o clube japonês de onde também saíram Kagawa (atualmente no Saragoça depois de cinco temporadas no Borussia Dortmund e três no Manchester United), Inui (agora no Eibar depois de passar pelo Eintracht e pelo Betis) e Kiyotake (de regresso ao Osaka depois de vários anos no Nuremberga e no Sevilha). Leva cinco golos e seis assistências na liga austríaca esta temporada e é 22 vezes internacional pelo Japão. A troco de 8,5 milhões — muito longe dos 30 que Haaland vai provavelmente custar ao Manchester United –, o Liverpool tem um reforço que pode não causar impacto de forma imediata na equipa mas que é um ativo importante e interessante para ter no banco de suplentes. E voltou a tirar um coelho da cartola que é o mercado de inverno, depois de em 2018 ter resgatado ao Southampton o central Van Dijk quando metade do futebol europeu ainda não sabia quem era o holandês.
Na véspera da final do Mundial do Clubes, onde o Liverpool vai tentar vingar a derrota de 1981 e vencer o Flamengo para conquistar mais um título, a equipa de Jürgen Klopp volta a mostrar que é uma das melhores do mundo não só dentro do relvado como fora dele. E que são as decisões estratégicas — que se prendem com a virtude de ser audaz ao ver para lá do óbvio — que acabam por fazer toda a diferença no final da história.