A criação da Premier League foi o primeiro passo para a principal competição de Inglaterra tornar-se também a mais mediática na Europa mas a construção dos degraus até à consolidação desse estatuto envolveu outras apostas às vezes secundarizadas mas que tiveram uma natural importância. Exemplo paradigmático disso mesmo? A rede de olheiros que os principais clubes britânicos construíram sobretudo no sul da Europa e que confirmavam, ou não, as indicações que chegavam dos jogos das seleções mais jovens. Foi dessa forma que, sem sucesso, chegaram ao Chelsea dois jogadores juvenis do Sporting, Fábio Ferreira e Ricardo Fernandes. Foi dessa forma que, com sucesso, chegou ao Arsenal Cesc Fàbregas e ao Manchester United Gerard Piqué, ambos do Barcelona.
O Brexit terá o seu período de transição mas, a partir de 1 de janeiro de 2021, Fàbregas não iria com 16 anos para o Arsenal como fez em 2003 nem Piqué iria com 17 anos para o Manchester United em 2004. Essa é, para já, uma das poucas certezas que se conseguem ver numa Premier League com mais dúvidas do que certezas.
Em paralelo, a probabilidade de um Jadon Sancho rumar com 17 anos do Manchester City para o B. Dortmund será menor. Mas aí dependerá mais de uma decisão que sairá do próprio futebol do que do governo – a não ser que os acordos falhem e também essa questão vá parar ao número 10 de Downing Street.
Olhando para a regulamentação da FIFA a nível de transferências internacionais, há um artigo que pesará no futuro da Premier League: o 19.º, número 2, alínea b), uma exceção à regra que permite qualquer transferência de jogadores com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos se esta se efetuar dentro do território da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu. Com Brexit, cai a exceção. E pode prejudicar a prova por regra: se à partida falamos apenas de dois anos de diferença, no futebol esse gap multiplica-se beneficiando países e clubes de maior poder económico como Espanha, Alemanha, Itália ou França, entre outros.
É aqui que entram casos como o de Fàbregas ou Piqué. Que não são os únicos, acrescente-se – Paul Pogba, que saiu do Le Havre para o Manchester United com 16 anos antes de assinar depois a custo zero com a Juventus e voltar a Old Trafford por 105 milhões de euros, ou teria ficado em França ou rumaria a outras paragens com essa idade. E ainda há Héctor Bellerín, que saiu apenas por empréstimo e voltou ao Arsenal.
Em relação ao Campeonato, o resultado das várias negociações que serão mantidas com a União Europeia irão ditar grande parte das respostas mas enquanto as mesmas não chegam nem têm conclusões, existe uma outra guerra que está a ser travada dentro do próprio futebol inglês entre Football Association e Premier League. E a questão de jogadores portugueses, por exemplo, serem ou não comunitários até está a passar um pouco ao lado.
No contexto do Brexit, a Football Association tentou avançar para um modelo mais protecionista com os jogadores ingleses e propôs que o atual número de 17 atletas não formados localmente baixasse para quase 50% (13). Em contrapartida, as regras da competição poderiam mudar para facilitar a entrada de elementos não ingleses na competição. Já a Premier League considerou a proposta não só especulativa como radical, considerando que faz ainda menos sentido tendo em conta que, face aos maiores constrangimentos para contratar jovens talentos, em nada irá beneficiar o Campeonato, a competitividade nas provas europeias e o próprio desenvolvimento de jovens talentos ingleses, mostrando mesmo números que revelam um crescendo na utilização de produtos da formação.
Os pontos de convergência, esses, poderão chegar do número 10 de Downing Street. Por um lado, do resultado que sairá das reuniões com a União Europeia, tendo em vista o estatuto que os europeus terão em relação ao Reino Unido. Por outro, das reuniões marcadas com elementos da Football Association e da Premier League, que irão procurar soluções de consenso que mantenham a competitividade da principal competição inglesa (e que é de longe aquela que mais receitas gera no panorama europeu) sem descurar a valorização dos jogadores formados no país. Uma coisa é certa: a possibilidade de não haver equipas inglesas na Liga dos Campeões ou na Liga Europa não está sequer em equação. E basta recordar as finais do último ano para se perceber a importância disso mesmo.