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O que aprendi em 20 anos a jogar "The Sims"

Este artigo tem mais de 4 anos

Combateram estigmas de género e mudaram vidas reais e virtuais. Contudo, também receberam críticas por apelarem ao consumo desenfreado. Rosebud, motherlode !;!;!;; Parabéns, os Sims fazem 20 anos.

O primeiro jogo de The Sims, atualmente um dos franchises de videojogos mais vendidos de sempre, foi lançado a 4 de fevereiro de 2000. Atualmente, já há três sequelas e vários spin-offs
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O primeiro jogo de The Sims, atualmente um dos franchises de videojogos mais vendidos de sempre, foi lançado a 4 de fevereiro de 2000. Atualmente, já há três sequelas e vários spin-offs

O primeiro jogo de The Sims, atualmente um dos franchises de videojogos mais vendidos de sempre, foi lançado a 4 de fevereiro de 2000. Atualmente, já há três sequelas e vários spin-offs

Se calhar, nunca ouviram falar ou sabem apenas que os Sims são “aquele jogo em que se faz casas e controla pessoas”. Ou até já ouviram frases como: “Depois, a casa pegou fogo, fiquei sem o cão, o tapete caro e o filho, mas tinha tudo gravado, por isso não há problema”. Assumo, nas últimas duas décadas (o jogo fez 20 anos na terça-feira), utilizei este tipo de frases mais do que uma vez. Como outros jogadores — vá, fãs — de “The Sims” (o franchise de videojogos que permite simular a vida de pessoas e construir as casas onde vivem), ajudei famílias a crescer, a desmoronarem-se, a fazerem coisas banais como irem de férias ou à casa-de-banho, e fi-los passar pelas maiores atrocidades — como ficarem com a casa a arder.

[A música do genérico do primeiro “The Sims”]

O primeiro jogo de “The Sims” — atualmente um dos franchises mais vendidos de sempre — foi lançado a 4 de fevereiro de 2000. O criador, Will Wright, foi responsável por outros jogos que marcaram a indústria dos videojogos, como o simulador de cidades SimCity. Contudo, a “casa de bonecas”, o nome de código dado ao primeiro “The Sims”, quando ainda estava na Maxis (que depois foi comprada pela Electronic Arts), elevou o conceito de simulação para outro nível. Tinha 7 ou 8 anos quando joguei o primeiro jogo — já lá vão 20 anos, não me lembro do mês –, agora tenho 27 e continuo a jogar (muito, muito menos, assumo, porque não tenho tempo). Nestas duas décadas, o jogo para simular vidas deixou-me várias lições — e demasiadas horas e expansões em frente ao computador. Ficam aqui as principais.

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Há pessoas que são mais de construir casas e pessoas que são mais de controlar vidas

Nos “Sims” pode construir-se de raiz a casa das personagens que criámos e, depois, jogar com elas. Obviamente que há quem goste das duas opções dentro do jogo, mas para quem joga Sims não é raro ouvir: “Eu só fazia as casas”. Quando construir uma casa é algo que pode demorar várias horas — a sério, até no primeiro jogo, há 20 anos, o tempo voava a jogar essa fase — dizer que o jogo também deixa controlar vidas é dizer que há horas suficientes num dia para experimentar tudo. E nunca há.

O "The Sims" 1 teve sete expansões, como o "Hot Date" ou o "Makin Magic".

No fundo, saber quem gosta mais de construir casas ou quem gosta mais de controlar os “Sims”, pode dizer quase nada (ou muito) sobre uma pessoa. Desde pelo menos 2003 que estudos sobre a filosofia por detrás do jogo. No final, a maneira como se joga este jogo que, tecnicamente, nunca tem um fim — só acaba quando o jogador quiser e é ele que define os seus objetivos — é a mesma lógica quando que se brinca com uma casa de bonecas.

Um jogo sem preconceitos faz muito pela integração

E se os jogos do “The Sims” não permitissem, por exemplo, que dois Sims do mesmo sexo pudessem apaixonar-se? Se a resposta fosse “não” seria completamente descabido. Em 2000, apesar de também ser descabido, houve esta dúvida — atualmente, o jogo está banido em sete países por causa desta temática. Como explicava a New Yorker, em 2014, no final do último milénio bastou um beijinho na boca entre dois Sims do mesmo sexo num trailer para este jogo “mudar os videojogos” e pôr os “Sims” no mapa.

[A música do génerico do “The Sims 2”]

A equipa que fez os “Sims” discutiu se restringir a orientação sexual devia ou não existir no jogo. Contudo, existir um jogo que quer simular a vida humana e este não conter uma das principais características dos humanos não se pode considerar uma simulação. Imaginem que uma pessoa está a jogar o jogo e, ao construir as histórias dos “Sims” como quer, encontra impedimentos. Perde-se a noção de simulação.

Apesar de os “Sims” sempre terem tido algumas limitações ao refletirem a sociedade atual (há coisas que o jogo não permite, como, por exemplo, uniões poligâmicas), a questão não é o que deve ou não ser feito, é permitir que aquilo que o jogador deseja (mesmo no jogo, um Sim pode gostar mais do que uma personagem ao mesmo tempo) possa ser simulado.

A partir dos Sims 3 o jogo passou a focar-se muito menos em satisfazer as necessidades dos Sims e mais a satisfazer os constantes desejos (uma funcionalidade que apareceu no "The Sims 2").

Atualmente, o jogo permite que um Sim se identifique com outro género (que não o do sexo), se o jogador assim o desejar. Este tipo de simulações tem vindo a permitir que os jogadores abordem alguns temas, como por exemplo, a homossexualidade. E sim, com sete ou oito anos, quis ver o que acontecia se “aquela Sim desse um beijinho à outra Sim”. Resultado: “Ah, Ok. É possível. Como é que as caso agora?”. Acreditem, para muitos jogadores isto foi e é muito mais importante do que pode parecer.

“Klapaucius, rosebud, !;!;!;!;!;!;;”, Motherlode. O dinheiro traz a felicidade? Pode ajudar, mas também estraga

Quem jogou “The Sims” sem códigos não experimentou o jogo ao máximo, mas quem nunca sem jogou sem códigos não o aproveitou também. Para comprar mais coisas ou ter uma casa maior o jogo utiliza os Simoleões, a moeda dos Sims. Supostamente, o objetivo é pôr os Sims a trabalhar — podem escolher entre várias carreiras para irem progredindo — para conseguirem mais dinheiro (há outras maneiras mais criativas). Com o dinheiro, compram-se mais coisas — como na vida real.

Desde o início que, carregando num conjunto de teclas específico — *cof* *cof* ctrl+shift+c –, foi possível adicionar de forma mágica dinheiro à conta dos Sims. Para quem só gosta de construir casas, escrever “klapaucius”, “rosebud” ou “motherlode” (depende das versões) e ver os Simoleões a aumentar é, digamos, libertador. Contudo, podendo comprar-se tudo, há pouco incentivo para pôr os Sims a trabalhar. Não trabalham, não conhecem outros Sims tão facilmente. No final, há pouco a sensação de recompensa. Já perceberam o cenário, não é? Claro que conseguir pagar as contas aos Sims a cada semana é mais fácil, mas depois deste código, ou depois de construir uma mansão demasiado grande para os Sims, não tem a mesma graça que jogá-lo seguindo as regras do jogo.

Às vezes, para se fazer o que é preciso, é preciso ir além das regras

O “The Sims” é um simulador de vida, mas não deixa de ser um videojogo. Por isso, tem limitações. Os códigos, por causa disso, são uma necessidade por vezes para se jogar. “Move_objects on” ou “constrainfloorelevation false/true” são alguns dos truques para conseguir pôr objetos ou num local que o jogo não está a deixar ou resolver um bug (erro informático). No fundo, para jogar plenamente e fazer coisas criativas é preciso ir além das regras. Ironicamente, como na vida real.

[A música do genérico do “The Sims 3”]

Mais caro não significa sempre melhor. Contudo, estes Sims são consumistas

Na vida real, sabemos que lá por algo ser mais caro não significa que é melhor. Os Sims também têm defeitos e um deles é apelarem — bastante — ao consumo desenfreado. Se um objeto é mais caro satisfaz, por norma, mais as necessidades dos Sims. E isso não devia ser assim.

Não é preciso ganhar ou perder para irmos fazendo as nossas histórias

Os Sims não têm fim. Podem morrer, mas, no geral, quem decide os objetivos do jogo e das personagens que cria é o jogador. Este princípio era mais presente na primeira versão mas, mesmo nas atuais, o jogador é que decide e vê as consequências das suas decisões. Ganha-se por se fazer o Sim chegar ao topo da carreira (podemos criar personagens que podem ser super-heróis, astronautas ou ladrões e políticos)? Se fosse esse o objetivo do jogador, sim. Se não fosse, não é bem uma vitória. O que se ganha é as histórias que se vai simulando.

Os jogos são tanto para raparigas como são para rapazes

“Os videojogos são coisas de rapazes”, contudo, “os Sims são para raparigas”. Mas, se os “The Sims” são um videojogo, em que é que se fica? Isso mesmo, os videojogos são para toda a gente, não importa o género. Este tipo de distinção nunca faz sentido.

Expansões pelos vistos são desculpa para não se lançar jogos completos

O “The Sims 1” tem sete expansões (jogos que se compram à parte que exigem que o jogo tenha o jogo base para adicionar conteúdos a este mudando o jogo). O “The Sims 2” tem oito expansões mais 10 packs de objetos (estes são mais baratos do que as expansões porque adicionam apenas objetos). E o “The Sims 3” tem 11 expansões e nove packs de objetos. O “The Sims 4” tem, até agora, oito expansões, 15 packs de objetos e oito packs de jogos (um misto entre a expansão e o pack de jogo que adiciona objetos e também algumas mudanças ao jogo). Suficiente?

No "The Sims 4" passaram a existir funcionalidades de construção mais simples para os jogadores poderem focar-se nas interações entre Sims. Contudo, o jogo recebeu críticas por falta de conteúdo em relação às versões anteriores.

Acima, deixei de fora todas as versões para consolas, os jogos com temas próprios — como o Sims Stories ou o MySims ou as versões para smartphones. Em suma, no final, a resposta para esta catrefada de jogos é aquilo que faz o mundo girar: dinheiro. Só para pôr as coisas em perspetiva: atualmente, para se jogar o “Sims 4” completo, ou seja, com todos os extras que foram saindo, é preciso gastar-se cerca de 435 euros. Sim, e o computador não está incluído.

Enquanto que, no primeiro “Sims”, há 20 anos, sempre que saía uma expansão havia um complemento ou melhoria a um videojogo que inicialmente saiu completo, rapidamente — a partir dos “The Sims 2” — os jogos foram para o mercado a contar que vão ser lançados complementos para os fãs comprarem posteriormente. É uma boa tática de negócio? Poderá ser, mas ainda hei-de conhecer o fã que não diga que é por isso que deixou de jogar.

A Electronic Arts (EA), empresa que detém o franchise, recebe várias críticas por esta tática de negócio, sendo considerada pelos fãs “uma das piores empresas de sempre”. A sério, até ganhou prémios por isso. Pior, quem quer jogar as versões antigas, não o pode fazer porque a EA deixou de as vender ou manter atualizadas para os computadores modernos.

Animais é uma boa adição, mas um mundo sem magia ou plantas vacas é monótono

Os “The Sims” têm N expansões. Umas simples, como permitir que as personagens que se cria tenham animais de estimação, que também são customizáveis, e umas mais fora da caixa, como ver futuros utópicos e distópicos. Mesmo sendo uma simulação, com os Sims é possível sair da caixa do que é a vida, mesmo que isso passe por ter uma planta vaca que come Sims.

[A sério, a planta Vaca é uma das coisas que as expansões adicionam ao jogo. E é incrível]

Os jogos podem mostrar o pior e o melhor de nós

“Depois, percebi que afinal o filho era feio, então fechei-o em quatro paredes com uma lareira”. Já tive esta conversa e no final até disse: “Compreendo, era pior ter de voltar tudo atrás e perder aquele objeto especial que se ganha com a carreira”. Atenção, não sou o único: é uma coisa do jogo. Se os Sims afinal não forem compostos apenas por códigos binários e tiverem algo que se assemelhe a uma alma, qual episódio de “Black Mirror”, o inferno é capaz de ser o que espera a quem jogou.

De mortes por fome, afogamento, eletrocussão, incêndio, sempre foi possível fazer os Sims bastante infelizes. Pegar no amor da vida de um Sim e pô-lo a traí-lo mesmo à frente deste “só para ver o que acontece”? Pois, isso é possível. E sim, ver lágrimas digitais pode criar remorsos na vida real até ao momento a seguir em que se diz: “E se o filho deles também estiver a ver a traição, o que é que acontece?”. Já perceberam a ideia. Mas calma, também dá para ver os Sims a morrer de velhice depois de os termos ajudado a viver vidas felizes. Quando se tem o poder de simular uma vida, porque não testar tudo? (Nota: É aqui que começam as questões filosóficas sobre os Sims: será que um deus está a jogar connosco?).

A vida real, no fim, acaba por ter sempre mais opções

Os Sims vão em quatro versões mais N jogos extra ao longo de 20 anos. Ainda hoje, duas coisas continuam a ser verdade sobre jogar. Primeiro, quando se joga, fica-se durante horas, que se prolongam por dias (mais do que aqueles que se admite em público) a ver as personagens a crescer. Segundo, a certa altura, há também pausas das vidas virtuais. E não só é porque a realidade chama. Mesmo com magia ou plantas vacas, um escape como os Sims pode ser bom para descontrair ou aproveitar a imaginação, mas isto tudo está a acontecer na vida real.

[A música do génerico do “The Sims 4”]

Extra: atenção quando se entra numa piscina sem escadas

Isto é só para quem joga há vários anos porque, nas últimas versões dos Sims, este problema já não existe. Nas primeiras, se uma piscina não tivesse escada, o Sim não podia sair. Limitações do jogo, sim. Mas uma ótima ferramenta para fazer desaparecer vizinhos incómodos no jogo.

[As limitações da simulação do Sims foram criando algumas paródias virais ao longo do anos na Internet, como a abaixo]

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