“What if americans love black people as they love black culture?”

[E se os americanos gostassem dos negros como gostam da cultura negra?]

A pergunta solta-se de um dos muitos fragmentos do obra cinematográfica “Love is the message. The message is death”, em que dezenas de clips de vídeo desalinhados no tempo, na forma e no conteúdo, com “Ultralight Beam” de KanyeWest como fundo, costuram uma imagem central: a do negro americano no papel que a sociedade lhe impõe.

Afinal, tem sido esse o cerne do trabalho de Arthur Jafa, agora de visita a Portugal para o mostrar pela primeira vez, depois de uma primeiro encontro com os portugueses no ano passado, também no Porto, por altura do Fórum do Futuro. O artista confessa querer fazer “coisas singulares, únicas, complexas, que se imponham e tenham uma presença mas não necessariamente uma mensagem”.

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A obra que nos traz divide-se em duas com os jardins da Fundação de Serralves como ponte. De um lado, o filme “Love is the message. The message is death” como parte da “maior mostra de cinema afro-americano que alguma vez se apresentou em Portugal”, garante António Preto. O diretor da Casa de Cinema Manoel de Oliveira propõe-se a mostrar a série “The Dark Matter of Black Cinema” em 22 sessões já a partir do início de março, mas adianta ser este filme de Java “uma ‘Guernica’ da contemporaneidade”.

Do outro lado, no Museu de Serralves, a exposição “A Series of Utterly Improbable, Yet Extraordinary Renditions” [Uma série de prestações absolutamente improváveis, porém extraordinárias], em que Arthur Jafa desafia e monta uma obra visual que reflete sobre toda a massificação de imagens amorfas colecionadas durante as últimas duas décadas que circulam e invadem os meios digitais e, ao mesmo tempo povoam o nosso imaginário, sobre o que é ser negro na América.

“Monster” é um autoretrato de Arthur Jafa, de 1988, presente na exposição.

Uma fotografia de 1899 a ocupar uma parede mostra um conjunto de crianças negras numa escola primária da Virgínia a ostentar a bandeira norteamericana, numa altura em que apenas tinham acesso à educação por via de escolas criadas para negros.

Ao lado, várias figuras negras vestidas de mantos brancos, produzidas a partir de colagens pela artista visual negra Frida Orupabo, norueguesa criada numa família de brancos, com a fotógrafa Ming Smith, foi convidada por Jafa para produzir obra para a exposição.

O artista também colaborou com cineastas como Spike Lee e Stanley Kubrick e incorporou na mostra materiais de Missylanyus disponibilizados no YouTube para criar uma experiência audiovisual que é ao mesmo tempo uma reflexão política e uma perspetiva visionária.

Na mesma sala também se destaca um relevo baseado numa imagem das costas fustigadas por chicotes do ex-escravo Gordon, que em 1863 fugiu das plantações do Louisiana, tendo andado 64 quilómetros descalço, durante dez dias, até encontrar refúgio.

Detalhe da exposição em Serralves (foto: Joana Ascenção)

Ao mesmo tempo que vídeos reproduzem com som ao fundo, há pela sala ícones populares e grandes figuras negras da história, como Barack Obama, assim como momentos estagnados tornados virais nas redes sociais e retratos mediatizados numa altura em que o corpo do negro era associado a um papel “pouco privilegiado, apenas digno do plano de trás da fotografia”, discute Amira Gad, curadora da exposição.

“O que Arthur Jafa tenta fazer é recriar uma narrativa por forma a dar-nos as ferramentas para entendermos a vida dos negros. Quando olhamos para estas imagens, a intenção é não esquecermos o passado da comunidade negra nos Estados Unidos, mas também emancipar a forma como falamos deste passado”, Amira Gad, curadora da exposição “A Series of Utterly Improbable, Yet Extraordinary Renditions”, inaugurada a 21 de fevereiro.

“O racismo é racismo. Está aqui. É como tempo, não vai a lado nenhum”

Trazer Arthur Jafa a Portugal, numa colaboração entre a Casa de Cinema Manoel de Oliveira e o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, “é também um exercício de literacia visual”, para Philippe Vergne, diretor do Museu de Arta Contemporânea de Serralves e “embora o trabalho parta da cultura norte-americana, trazer aqui esta exposição é também refletir sobre a universalidade das imagens”.

A essa dúvida Arthur Jafa responde: “O racismo é racismo. Está aqui. É como tempo, não vai a lado nenhum”.

Embora o trabalho de Jafa leve o público a viajar por temas como etnia, preconceito, escravatura, violência policial e discriminação, o artista nascido em 1960 no Mississipi, Estados Unidos da América, frisou não saber se acredita “que a arte pode combater as injustiças sociais”.

A coincidência de se ter cruzado no tempo e no espaço com um caso que trouxe o racismo para a discussão mediática, o do jogador Marega, e apesar de se considerar um “otimista” moderado, fê-lo intensificar a visão de que o problema, seja em que continente for, não irá acabar.

“Tenho a certeza de que ele nunca jogou um jogo na vida sem ser insultado. Por isso, parece-me que o único ponto divergente na história é ele ter saído do relvado. Mas toda a gente parece estar incrédula por pensar que afinal há coisas racistas a serem ditas. Para mim, isso é pensamento de branco. No mundo real, estas coisas são recorrentes e persistentes”, comentou com os jornalistas.

Por isso — e porque diz não caber aos artistas tentarem mudar o mundo –, sublinha que a visão que tem dele em nada alterou depois apresentado este trabalho, desde 2017, um pouco por todo o mundo. Mas admite este como o seu projeto mais “universalmente aclamado”, com sabor a uma espécie de “Purple Rain”.