A vivenda, com jardim, tem a porta aberta e está situada mesmo ao lado do Centro de Acolhimento do Beato, onde todos os dias os que não têm um teto, ou estão temporariamente deslocados, procuram uma cama. Podem ser sem-abrigo, toxicodependentes, trabalhadores do sexo, migrantes ou refugiados. Alguns nunca tiveram um emprego na vida, outros não arranjam trabalho porque lhes falta uma morada ou um número de telemóvel. É para eles, os mais vulneráveis da sociedade, a quem ninguém estende a mão, que nasceu a “Porta Aberta”, uma agência de empregabilidade, criada em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa, com o objetivo de prestar apoio a todas as pessoas que precisam de ajuda para “reconstruirem a sua autonomia e independência económica”, frisa Américo Nave, responsável pela associação crescer.org e que se vê agora a braços com a missão de “cruzar o know-how dos técnicos que trabalham na área social com os da empregabilidade”, como explicou na apresentação, esta quinta-feira, do projeto-piloto.
Na casa, que ainda cheira a tinta fresca, pretende-se ensinar o que na escola não se aprende: a procurar trabalho, a fazer um currículo, a utilizar a linguagem mais apropriada para a uma entrevista ou até a trabalhar em grupo. Para que tudo isto funcione, e da teoria se passe à ação, não pode faltar uma rede de empregadores disponível para abraçar esta causa, como a SEA – Agência de Empreendedores Sociais,  a Renovar a Mouraria, o GAT (Grupo de Ativistas em Tratamento) e a Obra Social das Irmãs Oblatas.
“O mais importante é acreditar nas pessoas”, resume Manuel Grilo, o vereador da Câmara Municipal de Lisboa responsável pelo pelouro dos Direitos Sociais e Educação, em visita às instalações desta nova parceira da autarquia com um financiamento assegurado de 150 mil euros. A mensagem que a CML quer passar é clara: “dar respostas mais inovadoras a problemas complexos”. “As políticas públicas para combater as desigualdades têm de ir mais longe”, reconheceu ainda Manuel Grilo. As perguntas certas têm de ser feitas para se obterem respostas concretas. Como as propostas que vai disponibilizar a “Porta Aberta” – que apesar do nome, por enquanto vai funcionar só por marcação, “até termos um staff autónomo”, salienta Américo Nave. Nessa altura, quem assim o pretender, é ali entrar e encontrar um caminho alternativo.
Um novo projeto de vida que pode ser feito através da integração direta no mercado de trabalho, uma solução para pessoas que podem estar numa situação temporária de sem-abrigo, mas que ainda “mantêm competências profissionais e sociais para passarem imediatamente para o mercado de trabalho”, referiu Manuel Grilo. Outra opção é a dos estágios de integração profissional, para pessoas com autonomia e competências próximas das exigências atuais do mercado de trabalho. Já a colocação em mercado de trabalho em funções desenhadas à medida é outra das respostas previstas e destina-se “a quem tem níveis de autoestima reduzidos e não se enquadra no funcionamento atual do mercado de trabalho, mas não perdeu a efetiva capacidade de trabalho”. Por último, existirá a criação do autoemprego, uma opção que, segundo Manuel Grilo, tem funcionado bem com a população migrante e refugiada, e que pode ser comprovado com a abertura de restaurantes sírios e de outras nacionalidades.

Atento às palavras do vereador está João Santa Maria. Nunca gostou da escola mas, em 2005, chegou a ter uma empresa de construção com mais de 30 empregados. A responsabilidade esmagou-o e empurrou-o de volta para o vício das drogas. “Já estava sem consumir há mais de cinco anos. Devido à crise económica que se fez sentir no setor, e a alguma falta de apoio, tive uma recaída”, conta, sem guardar rancor ao passado. Sem trabalho, a sua vida tornou-se um caos. “Dei um trambolhão”. Mas levantou-se. Hoje é coordenador no GAT (Grupo de Ativistas em Tratamento), na Mouraria, e presta apoio a quem precisa na área da saúde. Mas a sua especialidade é ouvir as histórias de vida. E por dia, passam pelo GAT entre 60 a 80 pessoas. “Não estou ali para julgar ninguém. Também cometi muitos erros”, diz. Fé nas pessoas não perdeu. Nem nas instituições que dão a mão a quem nada tem. E sabe que um trabalho, por mais insignificante que seja, pode significar uma mudança na vida das pessoas mais vulneráveis. “Pode tirá-las da rua e torná-las contribuintes. Sem esta ajuda, nunca conseguiriam ter oportunidades normais”, conclui.

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