A avaliação de potencial nas camadas jovens dos clubes de futebol está centrada no desenvolvimento biológico dos jogadores, deixando de fora possíveis talentos que estão atrasados no crescimento, conclui um estudo da Universidade de Coimbra.

“O desempenho de um jovem futebolista, até um determinado momento, está fundamentalmente ligado com o desenvolvimento biológico do atleta”, deixando para trás jovens atletas que estão mais atrasados no crescimento, afirmou à agência Lusa António Figueiredo, autor principal de um artigo que reúne investigadores da Universidade de Coimbra e da Universidade Federal de Ouro Preto, no Brasil.

Nesse artigo, os investigadores concluem que os resultados sugerem que o futebol continua a promover estratégias, nas camadas de formação, que recaem sobretudo no desenvolvimento biológico do jovem atleta.

Numa equipa de iniciados, se se traçar uma linha que passe pela cabeça de todos os jogadores, vai parecer “uma montanha russa”, com jogadores em diferentes estados de desenvolvimento e crescimento, notou António Figueiredo, salientando que é possível, em situações extremas, encontrar dois jovens que pertencem ao escalão de iniciados, mas terem uma discrepância de dez anos de idade biológica.

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Ou seja, dois jogadores com a mesma idade podem apresentar idades biológicas – estado de desenvolvimento – completamente distintas.

O problema, vinca o investigador, é que o paradigma do futebol jovem “está unicamente orientado para a idade cronológica”.

“Um jovem que nasceu no ano X pertence ao escalão Y. Mas se, por um lado, a organização do futebol jovem está baseada na idade cronológica, o desempenho está baseado na idade biológica”, referiu o também ex-diretor da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra.

Nesse sentido, António Figueiredo considera que é fundamental que, quando é avaliado um jovem futebolista, o treinador tenha a capacidade de “olhar para a frente e não pensar apenas no desempenho atual”, que pode ser falacioso.

“Um jogador pode ser biologicamente desenvolvido, mas aquilo que mostra pode ser apenas fruto de maior maturação biológica em relação aos seus pares. A partir dos 16 ou 17 anos, essa diferença estará esbatida e o que se passa é que aquele atleta que viveu a sua carreira de preparação desportiva baseada no facto de ser mais avançado biologicamente não lhe permitiu conseguir ter competências que são depois determinantes a jusante do processo”, salientou.

Já um jogador que tenha um atraso no crescimento, para sobreviver nesse ambiente, “tem que desenvolver características quase de sobrevivência para colmatar a falta de corpulência, nomeadamente o ‘game intelligence'”, notou.

Quando esse jovem dá o salto e apanha os outros tem algo a mais que os outros não têm, porque o indivíduo grande, mais desenvolvido, acaba por se esconder atrás das características físicas”, vincou António Figueiredo.

Segundo o investigador, o viés identifica-se mais no escalão de iniciados, que coincide com a altura do maior salto no crescimento de um jovem.

Para António Figueiredo, as formações de treinadores deveriam ter atenção a este viés, por forma a garantir uma diminuição de abandono de jovens futebolistas, alguns deles preteridos face ao seu estágio de desenvolvimento biológico.

“O treinador tem que perceber estas questões e tem de ter capacidade de explicar aos atletas porque não são tanto uma opção e mantê-los motivados”, explicou, recordando o próprio percurso do jogador de futebol brasileiro Zico, que era muito franzino enquanto jovem, mas o Flamengo “teve paciência, acreditou nele e esperou que estoirasse”.

“É preciso paciência, mas há pouca paciência nos clubes”, salientou.