A dúvida que fica cada vez que nos surge um destes exercícios de nostalgia como “Streets of Rage 4” é a quem está destinado tudo isto. A tendência natural será dizer que a capacidade de desfrutar este jogo estará diretamente ligada a ter nascido por volta da década de 80, que está aqui uma carta de amor às tardes com amigos de volta da Mega Drive em que este género de beat ‘em up assumiu o expoente máximo da arte algo desaparecida do multiplayer de sofá. Em inglês o termo é gatekeeping: a vontade de decidir quem tem o direito ou não a apreciar uma particular avenida da vida. Ou seja, “tinhas de ter lá estado para entender”, “és demasiado novo” e “já não se fazem jogos assim”. E com a reverência que esta sequela tem pelos antecessores, parece ser o meio ideal para este tipo de conversa.

E depois pegamos em “Streets of Rage 4” e é só um jogo incrivelmente divertido, que mantém a intensidade dos originais num pacote mais apelativo às plataformas atuais e a importância desta conversa desvanece assim que esbofeteamos o primeiro de vários inimigos. Cada rufia tem um nome próprio que, de forma algo surpreendente, conseguimos sempre ligar à personagem. E o Dylan, com a insistência no ar de jagunço que nunca tira as mãos dos bolsos, ganha o prémio altamente contestado de criatura mais esmurrável neste jogo. Com mais ou menos mortes pelo meio, as cerca de três horas que demora a terminar a campanha principal passam a correr e só aí já contamos isso como tempo bem passado.

[o trailer da versão Nintendo Switch de “Streets of Rage 4”:]

A fórmula é simples: andamos da esquerda para a direita a combater vagas dos mauzões pitorescos que acabámos de referir. Inicialmente temos cinco personagens à escolha para o fazer: Axel, Blaze, Cherry, Floyd e Adam Hunter, cada um com qualidades distintas no combate e movimentos especiais, que quando usados nos custam energia preciosa, portanto têm de ser usados com relativo conservadorismo. Podemos usar as armas que os inimigos largam e partir elementos nos ambientes para obter items de saúde, como maçãs ou o sempre ambicionado frango, que repõe a barra de vida a valores máximos. Uma novidade muito bem-vinda é o sistema de recuperação de energia que vem com algumas das combinações que podemos fazer, incentiva uma estratégia de jogo mais ofensiva e, inesperadamente, faz lembrar “Bloodborne”, um dos clássicos desta geração de consolas.

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Como estamos a falar de uma sequela que surge 26 anos depois da última entrada neste universo, é natural que as maiores atualizações aconteçam nos gráficos. Ainda que de muitos títulos modernos no desenvolvimento de jogos, especialmente no mundo dos estúdios independentes, aproveitem muito bem a estética 8-bit dos bons velhos tempos, “Streets of Rage 4” acaba por ir por outros caminhos. A direção artística enverga por um estilo mais cartoon, cuja qualidade é algo subjetiva, mas acaba por complementar bem a maior fluidez que há no combate relativamente aos títulos anteriores. No entanto, esta fluidez sofre de forma algo frustrante de algumas limitações presentes nos originais, especialmente quando se trata de distinguir onde está a linha em que é possível ou não atingir um adversário. De resto, a dificuldade da campanha principal está nos nos momentos em que o jogo nos atira todos os inimigos do mundo para cima enquanto algum elemento dos ambientes, como uma explosão radioativa, nos atira pelo ecrã tipo bola de pinball, mas nunca se tornam cansativos ao ponto de não se querer tentar outra vez com uma estratégia mais avisada.

Pode ir até duas pessoas no multiplayer online e quatro no local. Infelizmente será difícil para alguns testá-lo em tempos de quarentena

Mas falando em dificuldade, os “Streets of Rage” dos tempos idos sempre primaram por ser algo implacáveis. Os originais podem ser jogados na ótima coleção SEGA Mega Drive Classics, e mesmo com um segundo jogador, são tramados para terminar. Aqui a dificuldade é mais opcional. Os jogadores mais hardcore podem fazer isto à antiga, no modo arcade, ou como se chamava dantes, Streets of Rage, e tentar completar tudo só com um crédito sem continues. Há também um modo boss-rush, em que podemos enfrentar todos os bosses de seguida, que configuram algumas das partes mais divertidas do jogo. As personagens desbloqueáveis nas suas versões originais também conferem uma duração maior a quem quiser levar tudo isto avante durante mais tempo. Claro que esta oferta pode sempre ser enriquecida por jogar em companhia, que pode ir até duas pessoas no multiplayer online e quatro no local. Infelizmente será difícil para alguns testá-lo em tempos de quarentena.

Na banda sonora é onde podemos cair mais uma vez nas esparrelas que a nostalgia tem para nós. Yuzo Koshiro, que criou as bandas sonoras cheias de adrenalina eletrónica dos três primeiros jogos, regressa e as coisas correm bastante bem. Mas, um pouco à semelhança do recente remake de “Final Fantasy VII”, alguns dos encantos destas bandas sonoras de jogos dos noventas parecem intrinsecamente ligadas às próprias limitações do software, que acabavam por nos fornecer eletrónicas mais mínimas, mas ao mesmo tempo plenas em aventura e exploração. Mas, só por si, “Streets of Rage 4” volta a ter uma banda sonora forte, embora à luz de jogos como “Hotline Miami”, que anda pelos mesmos registos da adrenalina sintetizada, talvez sofra um pouco em comparação.

Os golpes especiais e combos continuam a fazer parte do menu particular de cada personagem

No fim do dia, este era um jogo a quem se pedia a tarefa pouco invejável de respeitar o passado enquanto trazia algo de novo ao género algo moribundo dos beat ‘em ups que já nos deu obras primas como os seus antecessores, “Golden Axe”, “Final Fight”, “Teenage Mutante Ninja Turtle: Turtles In Time” e por aí fora. Talvez não cumpra a segunda proposta, mas há aqui uma aposta clara na simplicidade de um jogo que, especialmente numa plataforma como a Switch (na qual fizemos este teste), é estupidamente fácil de pegar para dar umas peras bem dadas, o que é sempre uma necessidade bem cumprida.

“Streets of Rage 4” (Dotemu, Lizardcube, Guard Crush Games) está disponível para Windows, Nintendo Switch, Playstation 4 e Xbox One