Os interrogatórios no âmbito da instrução do processo Éter, sobre alegada viciação de procedimentos de contratação pública no Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), foram agendados para o mês de junho, disse esta sexta-feira fonte judicial.
Em despacho datado de terça-feira e esta sexta-feira consultado pela agência Lusa, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto determinou que os interrogatórios decorram em instalações do tribunal de Matosinhos – onde existe a maior sala de audiências da comarca do Porto.
Os arguidos a interrogar, acompanhados dos seus mandatários, serão ouvidos em ocasiões distintas e devem comparecer “munidos de máscara protetora e luvas”, tendo em conta os riscos associados à pandemia do novo coronavírus.
Os restantes arguidos e os seus advogados poderão participar na diligência “através de meios de comunicação à distância”, afirma o despacho.
O primeiro arguido a ser ouvido – no dia 2 de junho, às 10h – é Augusto Rego, sócio-gerente da Regocib – Construções e Imobiliária, Lda., que está acusado por um crime de falsificação de documentos, num contrato de móveis.
A instrução é uma espécie de pré-julgamento – uma fase processual em que os arguidos tentam evitar a ida a julgamento, pedindo que a acusação seja reavaliada por um juiz de instrução criminal.
O processo Éter, que esteve na origem de uma megaoperação realizada pela Polícia Judiciária em outubro de 2018, levou o Ministério Público a imputar centena e meia de crimes a 29 arguidos (21 singulares e oito coletivos), incluindo o ex-presidente do TPNP, Melchior Moreira.
As diligências da fase instrutória, requeridas por 19 dois arguidos e agora reagendadas, chegaram a ser marcadas para 22 de abril, após um juiz de instrução criminal (JIC) as considerar como urgentes.
Acabaram suspensas na sequência de protestos da Ordem dos Advogados que recusou a “atribuição de caráter urgente à instrução (…) sem qualquer fundamentação ou justificação” e em plena crise pandémica.
Nessa altura, o JIC já tinha ordenado o julgamento de Melchior Moreira em separado, mas, em maio, o Tribunal da Relação do Porto anulou a decisão, reintegrando as acusações contra o ex-presidente do TPNP no processo principal.
Do acórdão do tribunal de recurso resultou o que o JIC pretendia evitar com a autonomização do processo: a libertação de Melchior Moreira por excesso de prisão preventiva. O ex-presidente do TPNP encontrava-se privado de liberdade desde 25 de outubro de 2018, sendo libertado em 6 de maio de 2020.
A matéria constante da acusação a filtrar em sede da instrução reporta-se a procedimentos de contratação de pessoal e de aquisição de bens, a utilização de meios da entidade para fins pessoais e o apoio prestado a clubes de futebol – a um como contrapartida de favores pessoais ao presidente da referida entidade estatal e a outro como meio de autopromoção pessoal deste no meio futebolístico.
O recebimento indevido de ajudas de custo e o recebimento de ofertas provenientes de operadores económicos são outras matérias do processo a levar à instrução.
No caso concreto do ex-presidente do TPNP Melchior Moreira, que não integra o grupo de arguidos que pediram a instrução do processo, está em causa a alegada prática com 12 crimes de participação económica em negócio, três de peculato de uso, três de peculato, nove de abuso de poder, um de corrupção passiva, sete de falsificação de documento e três de recebimento indevido de vantagem.
O antigo presidente do Turismo do Porto e Norte é acusado de contratar amigos para aquela entidade sem cumprir os formalismos legais e falseando os resultados dos concursos.
Entre os factos descritos na acusação está a contratação de um motorista, apenas porque os filhos de ambos jogavam futebol na mesma equipa.
O Ministério Público (MP) diz que a contratação do motorista a tempo inteiro era “desnecessária e desproporcional” às necessidades da TPNP, sublinhando que tinha um salário de 1.750 euros, quase o triplo do salário base auferido por um profissional desta área.
Ainda de acordo com a acusação, o motorista tinha ao seu dispor uma viatura que o mesmo usou a pedido de Melchior Moreira para levar o seu filho para os treinos e para os locais onde aquele clube jogava, tendo também transportado a esposa do ex-presidente do TPNP para fins particulares.
O MP refere também que Melchior Moreira contratou um amigo como jornalista, apesar de saber que este não tinha a licenciatura ou experiência profissional em jornalismo, e o filho de Américo Pereira, então presidente da Câmara de Vinhais e seu amigo, para promotor turístico, valorando as candidaturas de forma a ficarem classificados em primeiro lugar nas ofertas públicas de emprego.
Em investigação estão outras ramificações da Operação Éter: uma visando autarcas e ex-autarcas de 47 municípios, sobre lojas interativas de turismo; outra sobre a alegada utilização de verbas destinadas a publicitar o rali de Portugal em publicidade de cariz diferente e eventuais crimes de prevaricação.