[Artigo atualizado a 13 de julho com a deliberação da Assembleia Municipal do Porto]

A antiga linha ferroviária que liga a estação de Campanhã à Alfândega foi desativada em 1989, sendo um trajeto com quatro quilómetros de extensão pela encosta do rio Douro, composto por um túnel. No final do ano passado, a Câmara Municipal do Porto revelou interesse na sua reativação e em cima da mesa tinha dois projetos possíveis. Por um lado, uma ciclovia “para fruição dos cidadãos”, por outro, uma ligação rápida com um veículo urbano “com capacidade para mais de 20 mil passageiros por ano”.

O primeiro projeto, explica a proposta do vereador do urbanismo, Pedro Baganha, “consiste na criação de um novo percurso pedonal e ciclável, aproveitando os troços em túnel e a céu aberto, bem como na requalificação ambiental e paisagística da sua envolvente, nomeadamente através da criação de um parque urbano em socalcos, em toda a área adjacente ao canal ferroviário”. Este plano prevê ainda “o reforço da relação entre a cota baixa, junto ao rio, e a cota alta, da cidade consolidada, estando previstas diversas ligações, algumas das quais a dotar de meios mecânicos”.

A segunda hipótese a consiste na utilização do Ramal da Alfândega para “uma ligação rápida entre Campanhã e a Alfândega, através de um transporte pendular, confortável e elétrico, operado por veículos modernos que prestarão um serviço de mobilidade inédito entre estes dois polos de elevada atração urbana, tendo como principal objetivo a redução do número de veículos motorizados que entram diariamente na cidade”.

Na época, Rui Moreira, presidente da autarquia, sublinhou que os dois cenários iriam “ser alvo de um debate alargado com todas as forças políticas”, mas a 22 de junho foi aprovada por unanimidade, em reunião de executivo, uma transferência de propriedade daquele ramal, pertencente à IP Património – Administração e Gestão Imobiliária, para a Câmara do Porto, num contrato de subconcessão dos bens. Uma decisão que foi aprovada na Assembleia Municipal do dia 13 de julho, com a abstenção do PSD e da CDU.

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Ora, enquanto se decide a utilização definitiva a ser dada ao canal, o município do Porto tornou pública a intenção de avançar já com a construção de uma ecopista, uma obra que custará quase um milhão de euros, considerando ser “uma solução simplificada que permite a abertura deste percurso à população”. Pedro Baganha, vereador do urbanismo, esclarece que a execução desta ecopista não compromete a opção definitiva de aproveitamento do Ramal que se vier a adotar, pois permitirá que a população use este percurso, “conheça este território e dessa forma participe de forma mais informada na discussão pública que se promoverá”. Segundo Baganha, seja qual for a empreitada escolhida, esta só poderá estar concluída “daqui a três ou quatro anos”, justificando, assim, que se adote “solução transitória”.

Para o vice-presidente da autarquia, Filipe Araújo, esta é uma “solução tática”. “Estamos perante um espaço que precisava de resgate há cerca de 30 anos. Já tínhamos expressado que havia várias hipóteses para aquele espaço, mas o tempo não nos permite que esperemos por tudo para acontecer.”

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Mais de 300 cidadãos defendem a ferrovia e exigem um debate público alargado

Fundado em 2005, o Grupo de Ação para a Reabilitação do Ramal da Alfândega (GARRA) é contra a solução temporária apresentada pela autarquia. Jorge Mayer, engenheiro do ambiente e um dos fundadores do GARRA, recorda que o objetivo primordial do coletivo era “colocar o ramal na agenda política durante a campanha para as eleições autárquicas, fazendo com que todos os partidos se pronunciassem sobre a reativação daquele trajeto”. A missão não foi totalmente conseguida, mas a intenção mantém-se: “aproveitar o ramal para o transporte de passageiros e integrá-lo na rede de mobilidade da cidade”.

Quinze anos depois, o GARRA foi reativado para relançar o debate público sobre o futuro daquele local, considerando que percurso em causa “é um ativo enorme da cidade e está ainda por aproveitar” e  que a opção de o transformar numa ciclovia é “um erro e enorme desperdício”. “Estamos preocupados em construir linhas novas quando temos ramais de mercadorias que poderiam servir para transportar pessoas”, defende Jorge Mayer em entrevista ao Observador. O responsável assegura que “o assunto está a ser pouco discutido” e admite diferentes soluções como metro, comboio ou até mesmo um autocarro elétrico.

No fim do mês de junho, o grupo também encabeçado por Nuno Quental e Pedro Pardinhas lançou uma petição pública, que já conta com mais de 300 assinaturas, e enviou uma carta aberta à Câmara do Porto, onde afirma que a ecopista temporária “é uma solução algo bizarra visto que quase metade do seu percurso decorre num túnel de 1,3 km de extensão” e com 63 metros de declive. “Pior que isso, trata-se de construir uma ecopista num canal que, se usado para transporte ferroviário de passageiros, se pode revestir de uma importância estratégica para a cidade.”

O GARRA teme que o projeto se torne mesmo definitivo. “Receamos que uma solução temporária nos condene a ficar com ela em definitivo, e que, não obstante as boas intenções do executivo, acabe por ser uma forma de tomar uma decisão sem ter que a assumir e sujeitar a discussão.”

Na mesma carta, os três subscritores sublinham que a ecopista temporária custará quase um milhão de euros ao executivo de Rui Moreira, “dos quais pelo menos um terço não teria aproveitamento numa eventual solução definitiva de ferrovia”, concluindo que esta opção “corresponderia a uma visão pouco ambiciosa e inclusiva para o Porto”. Por outro lado, revelam que a ferrovia potenciará a renovação da Ponte D. Maria Pia, atrairá todo o tipo de público e unirá o Centro de Congressos da Alfândega do Porto ao aeroporto Francisco Sá Carneiro em menos de 60 minutos.

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Pedro Pardinhas, outro elemento do GARRA, reconhece o “espírito voluntarista” com que o processo está a ser pensado, mas admite que poderá estar perante “uma oportunidade perdida”. “É importante para o executivo mostrar obra? Compreendo. É melhor fazer alguma coisa do que não fazer nada? Também compreendo, mas achamos que isto vai acabar por ser uma maneira para que suavemente se imponha a decisão da ciclovia sem a discutir cabalmente”, afirma em entrevista ao Observador, acrescentando que a solução deveria ser “mais impactante”, ainda que possa “não ser consensual”.

O também responsável pela Porto Bridge Climb, empresa que organiza visitas ao arco da Ponte da Arrábida, acredita que “por muito pintado de branco e iluminado que o ramal fique não vai deixar de ser um buraco, um sítio potencialmente inseguro e, por isso, pouco adequado para a utilização de peões e ciclistas”.

Envolto em polémica e com muitas dúvidas associadas, o futuro do Ramal da Alfândega continua em aberto. Depois da petição pública e da carta aberta, o grupo de cidadãos revela ao Observador estar em contacto com especialistas em transportes, geógrafos e arquitetos, de forma a poder recolher informação e, assim, apresentar propostas alternativas. Antes da Assembleia Municipal, agenda para a próxima segunda-feira, onde o tema integra a ordem de trabalhados, o GARRA adianta que irá reunir-se individualmente com vários partidos e tem já encontro marcado com a vereadora dos transportes da Câmara Municipal do Porto, Cristina Pimentel, no dia 23 de julho.