Meio século volvido sobre a nomeação da primeira mulher para o Governo de Portugal, a participação política das mulheres ainda esbarra em obstáculos, constatam duas especialistas ouvidas pela Lusa.
A “dimensão do abandono feminino é muito visível em setores masculinizados como é o caso da política. O sistema é muito adverso à permanência” das mulheres, ressalva a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade.
A propósito da escolha, ainda em ditadura, de Maria Teresa Lobo para subsecretária de Estado da Saúde e Assistência, Rosa Monteiro traçou a evolução da igualdade na política: A mulher ainda está sujeita a “um maior escrutínio, na forma como se apresenta, no que se exige dela, no seu desempenho” e a comunicação social não faz “tanto eco” da sua “ação e opinião”, mas mais do facto de ser mulher. “A única via são as políticas de ação positiva para derrubar estas representações. Isto é um problema de jogo de poder”, sustenta.
Alexandra Silva, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), concorda que “persiste uma sobre representação masculina”, que seria pior caso não tivesse sido aprovada uma Lei da Paridade em 2006. “A participação das mulheres era francamente baixa até 2006, andava, nos melhores tempos de governos, perto dos 10 por cento. Atualmente, este é o Governo com maior paridade, com 38,6 por cento de mulheres, enquanto ministras e secretárias de Estado”, nota, em declarações à Lusa.
Em 2019, a PpDM fez uma análise sobre a participação das mulheres desde 1974 e concluiu que dos 1.970 governantes, 1.776 eram homens e 194 eram mulheres (9,8 por cento). Se se mantiver um aumento idêntico ao que se assistiu entre o primeiro e o segundo governos de António Costa (subida de quatro pontos percentuais), “daqui a três governos conseguiremos alcançar os 50 por cento”, realça, não acreditando, porém, que tal aconteça.
Os maiores desafios no espetro político são os poderes presidencial – nunca uma mulher foi Presidente – e local, “não porque não existam mulheres nos vários locais, porque elas existem, mas porque existe alguma dificuldade de as mulheres integrarem as listas”, destaca Alexandra Silva, frisando que “o número de mulheres é importante, mas igualmente importante é que a igualdade esteja na sua agenda política”.
Rosa Monteiro corrobora, recordando as “grandes resistências de senhores” a alteração à Lei da Paridade, em 2018, que passou a não permitir que se pagasse “para infringir a lei”, ou seja, que uma coima pudesse substituir uma mulher numa lista. “Nas autarquias isto vai ser impossível, porque não há mulheres”, ouviu ela dizer, qualificando essa retórica do poder local como “enganadora”. “São as mulheres que levam aquelas comunidades para a frente”, contrapõe.
“Os partidos têm de se abrir para não tratarem as mulheres como epifenómenos, que não chegam a pertencer à rede, que reage mal a quem vem de fora, porque (…) funciona numa lógica de competitividade por lugares e por acesso ao poder”, frisa.
No que toca à paridade, “o poder local é o que está pior”, assim como é o setor empresarial local o que menos evoluiu na representação de ambos os sexos na economia. “As redes de poder e de influência são aí ainda mais fechadas. E é ai que tudo começa”, recorda Rosa Monteiro, dando o seu próprio exemplo: “Eu, que fui vereadora, sei bem o que é ter de tratar, e querer tratar, certos temas e ser muitas vezes olhada (…) como a feminista, a defensora dos ciganos, a defensora desta causas que ‘não são os grandes temas’ da gestão autárquica.”
O poder local está também “menos sob escrutínio”, assinala, recordando “expedientes” como o dos presidentes de câmara que atingiam o limite de mandatos, faziam concorrer as esposas e depois elas resignavam e eles voltavam ao cargo.
É preciso “repensar as estruturas autárquicas, as reuniões, o horário das reuniões, o tempo das reuniões”, enumera Alexandra Silva, lembrando que no poder local é frequente os cargos serem desempenhados em paralelo com as profissões, o que “é particularmente difícil para as mulheres”, que já têm de conciliar o trabalho com a vida familiar.
Rosa Monteiro reconhece que a revisão da Lei da Paridade, em 2018, “foi uma grande frustração”, porque a Assembleia da República rejeitou um mecanismo proposto pelo Governo “que garantia um aumento efetivo de mulheres”: A paridade nos dois primeiros lugares das listas.
Alexandra Silva lamenta que Portugal não tenha respondido às recomendações internacionais que defendem o aumento do limiar de paridade para 50/50. “Ficámos nos 40, ficamos sempre um bocadinho aquém”, lamenta. Faltou ainda que a lei impusesse que, “quando uma pessoa deixasse de estar no lugar, fosse substituída por outra do mesmo sexo”, o que a PpDM defendeu.
Em 22 de agosto passam 50 anos desde a entrada de Maria Teresa Lobo no Governo de Portugal, era presidente do Conselho Marcello Caetano. No vídeo da tomada de posse, disponível nos arquivos da RTP, Maria Teresa Lobo refere “o facto de ser a primeira mulher no Governo português”, considerando “desnecessário” apontar “a transcendência de tal acontecimento”.
Enquadrada na ideologia do Estado Novo, Maria Teresa Lobo, que ocupou o cargo entre 1970 e 1973, descartava pretensões a uma “igualdade libertária”, vincando que “a Mulher, fundamentalmente, se realiza (…) na autenticidade da sua vocação familiar”.
Meio século volvido, e aparte as diferenças de discurso e abordagem, ainda não se pode dizer que há uma igualdade de oportunidades para mulheres e homens na política.