“Tendo nascido numa revolução (em 1974), assisti também a outra revolução, a digital. Hoje, 25% das empresas do índice S&P 500 são tecnológicas. E isto criou muito valor e empregos, mas não criou valor e empregos para toda a gente.” As palavras são de José Neves, na apresentação da fundação que lançou em nome próprio nesta quinta-feira em Lisboa. A premissa ficou assim lançada: doando dois terços de tudo o que tem, o milionário português quer “ajudar a colocar Portugal na liderança do desenvolvimento humano nos próximos 20 anos”. Como? Através de programas orientados para a educação. “Somos uma fundação de ação”, disse.

Temos algo único: virar a nossa consciência para o interior e para nos conhecermos melhor a nós próprios. Esta capacidade do conhecimento interno é muito humano. Uma sociedade baseada apenas no conhecimento intelectual esquecendo-se do desenvolvimento moral e ético entra no desequilíbrio”, disse José Neves.

Carlos Oliveira — ex-secretário de Estado de Empreendedorismo, fundador da MobiComp (vendida à Microsoft em 2008) e atual membro do Conselho Europeu de Inovação — acrescentou que “o mundo está em constante evolução”, sendo que “há várias funções que vão desaparecer” e outras profissões que vão nascer e que colocam vários desafios à educação. E é nesse sentido que a fundação quer atuar.

O primeiro projeto a ser apresentado foi o programa ISA FJN, baseado no modelo de income share agreement, ou seja, a fundação dá uma bolsa a cada aluno para que ele possa pagar as suas propinas. Esta bolsa é reembolsável, porque esta propina é devolvida mais tarde à fundação, quando o aluno estiver empregado e a receber um salário acima de um determinado valor. Este retorno é depois reinvestido para ajudar mais estudantes a aceder ao programa. E se as coisas não correrem bem com os alunos que participaram no programa? A fundação acarreta o risco e o estudante não tem de pagar o que resta.

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O que vai acontecer? Vai haver estudantes que não vão pagar nada, outros vão pagar parte e outros vão pagar tudo, sempre numa lógica de retorno à sociedade”, explicou Carlos Oliveira.

Serão abrangidos 1.500 estudantes (é a média estimada, mas pode exceder este valor) nos primeiros dois anos e o programa terá um investimento de cinco milhões de euros, que abrangem 100 cursos e formações (exclui licenciaturas) em 22 instituições portuguesas. As candidaturas estão abertas a partir desta quinta-feira, por via digital. “Acreditamos que o país tem de desenvolver muito a formação de curta duração”, explicou Carlos Oliveira. “Cada euro é um euro e tem de criar o máximo impacto possível”, disse também José Neves.

Vamos ter de prestar contas a nós próprios, mas também aos portugueses, sobre o impacto que estamos a ter na vida das pessoas. Isto é uma formação geracional, vamos criar impacto a curto, a médio e a longo prazo”, afirmou.

O programa ISA FJN conta com uma garantia concedida pelo Fundo Europeu de Investimento e é auditado pela Ernst & Young. O valor do salário a partir do qual cada estudante começa a pagar a bolsa depende do contrato individual que for feito, é avaliado caso a caso. Carlos Oliveira diz que depende do curso, das potenciais saídas, dos níveis de empregabilidade e dos salários que se pratica. “O modelo não é fixo”, disse, admitindo que cada contrato pode ter uma duração de até 12 anos e que mesmo que a bolsa não seja paga, o contrato não se estende.

O segundo programa da fundação é o Brighter Future, uma plataforma de visualização que vai ajudar os portugueses a tomarem as melhores decisões baseadas em dados: são mais de 200 gráficos de análises diferentes, 400 indicadores sobre emprego, educação e competências e mais de 200 milhões de registos e 2.500 ficheiros de fontes. A plataforma fica disponível a 22 de setembro e quer ajudar os portugueses a tomar decisões baseadas em dados.

Vai permitir, por um lado, identificar grandes tendências de emprego, educação e competências, bem como as profissões mais representativas no mercado de trabalho; as mais procuradas; as competências mais valorizadas entre outras. O valor de investimento que esta plataforma teve não foi revelado.

Sobre o financiamento da fundação, foi claro: “É uma iniciativa pessoal minha, as alocações vêm do meu património pessoal durante a minha vida e no momento da minha morte e, portanto, não temos outro meio de financiamento”, respondeu aos jornalistas.

José Neves apresentou a fundação que lançou em nome próprio nesta quinta-feira, no Hotel Myriad, no Parque das Nações, em Lisboa. A Fundação José Neves é presidida por Carlos Oliveira e conta com o investidor em capital de risco António Murta (diretor-geral da Pathena) como administrador não executivo.

Fundação à qual José Neves “vai doar dois terços de tudo o que tem” apresentada a 17 de setembro

Em junho de 2019, José Neves explicava ao Observador que queria que esta fundação ajudasse Portugal “a abraçar esta nova economia digital, formar mais quadros”.  “Lancei uma fundação em Portugal à qual me comprometi em doar dois terços de tudo o que tenho, no decorrer da minha vida”, dizia aquando do evento de encerramento de uma das edições da Dream Assembly, o programa de aceleração de startups da Farfetch, em Londres.

É um dos empresários mais ricos de Portugal (o quarto) segundo as contas da Forbes em 2019, e só no dia do IPO (admissão de uma empresa em bolsa) da Farfetch, conseguiu encaixar uma fortuna superior a mil milhões de dólares. Em julho de 2019, a sua fortuna estava avaliada em 1.010 milhões de euros.

Prejuízos na Farfetch? “Seremos lucrativos quando quisermos. Não estou nada preocupado”

O programa do evento de lançamento da Fundação José Neves vai decorrer a 22 de setembro, no Porto, e vai contar com a participação do banqueiro António Horta Osório, do músico Will.i.am, de Naomi Campbell (modelo, empreendedora e fundadora da organização Fashion For Relief), de Niklas Zennström (fundador do Skype e da capital de risco Atomico) e de Jean-Philippe Courtois (vice-presidente executivo e presidente para a área de Global Sales, Marketing and Operations da Microsoft).