“The Jimi Hendrix Experience is over”

Foi assim que a cadeia de televisão ABC anunciou, a 18 de setembro de 1970, faz precisamente 50 anos, a morte de um dos maiores guitarristas da história do rock. Jimi Hendrix tinha 27 anos quando morreu, tal como Brian Johnson antes dele e muitos outros depois, de Janis Joplin e Jim Morrison a Kurt Cobain e Amy Winehouse. E, tal como em muitos casos do que se convencionou apelidar de Clube dos 27, as circunstâncias do desaparecimento do músico de Seattle ainda hoje, meio século depois, animam os teóricos da conspiração.

Um novo livro, Wild Thing: The Short, Spellbinding Life of Jimi Hendrix, escrito por Philip  Norman — cujo currículo inclui as aclamadas biografias dos Beatles, Rolling Stones, Elton John ou Buddy Holly — recorda a vida do músico de Seattle e dá conta dessas mesmas inconsistências que rodearam a morte de Hendrix, embora não consiga colocar uma pedra definitiva sobre o que aconteceu num hotel de Londres a 17 e 18 de setembro de 1970.

Segundo conta Philip Norman, as principais testemunhas dos acontecimentos daquela noite foram a companheira de Hendrix, Monika Dannemann, e o músico britânico Eric Burdon, com quem Hendrix tocou duas noites antes no mítico clube Ronnie Scott’s. Dannemann, uma patinadora (e mais tarde pintora) alemã que viria depois a casar com Uli John Roth, guitarrista dos Scorpions, contou à Scotland Yard histórias no mínimo incongruentes sobre o que aconteceu.

Tendo encontrado Hendrix sem inconsciente no seu quarto de hotel, morto ou perto da morte, alegou que ligou para o 999, equivalente britânico do 112, entre as 9h e 11h. Mais tarde, insistiu que Hendrix estava vivo quando foi colocado na ambulância. Esta versão dos acontecimentos está, porém, em desacordo com as recordações de Eric Burdon. O músico inglês, líder de bandas como os The Animals e os War, afirma que, após um telefonema frenético de Monika, chegou ao hotel ao amanhecer, bem a tempo de ver a ambulância a desaparecer na rua.

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A cpa de “Wild Thing”, a biografia de Jimi Hendrix por Philip Norman (Hachette)

No quarto do hotel, Burdon encontrou um poema escrito por Hendrix com o título The Story of Life e, presumindo que se tratava de uma nota de suicídio, disse a todos os que o quiseram ouvir que Hendrix teve uma overdose intencionalmente. Como Philip Norman escreve em Wild Things, há inconsistências significativas nos relatos, nomeadamente quanto à hora de chamada da ambulância ao Samarkand Hotel, em Notting Hill, que é contrariada pelos registos oficiais.

Desde então, as teorias conspiratórias não pararam de circular, a começar por outra namorada de Hendrix, Kathy Etchingham, que, em 1992, pediu que fosse reaberta a investigação à morte do músico norte-americano. Após um curto inquérito, a Scotland Yard decidiu não prosseguir a investigação. Entre as teorias mais mirabolantes conta-se a do assassinato organizado pelo manager Mike Jeffery para ficar com um suposto seguro de dois milhões de dólares para pagar uma dívida à máfia.

A realidade,  verificada pelos factos até hoje conhecidos, é que Jimi Hendrix morreu sufocado pelo próprio vómito depois de ter ingerido uma dose excessiva de barbitúricos. Se a morte do guitarrista foi acidental ou suicídio, provavelmente nunca saberemos. Mas a verdade é que, nos seus últimos meses de vida, Hendrix viveu acossado por uma série de problemas pessoais e de saúde.

Nas semana anteriores à sua morte, Hendrix estava a braços com dois processos judiciais, um deles um caso de paternidade e outro referente a um contrato com um produtor. As relações com o manager Mike Jeffery também já tinham visto melhores dias e, ao mesmo tempo, os problemas de saúde não paravam de acumular-se: exaustão, dificuldade em dormir, tudo bem regado com álcool e drogas. A desilusão com a indústria musical e a sua insegurança em relação ao futuro ajudaram a aumentar a frustração de Hendrix que, na sua derradeira entrevista, a 11 de setembro, ao New Musical Express, dá conta das suas dúvidas em relação ao caminho que a sua música devia seguir depois do mítico concerto na Ilha de Wight, pouco menos de dois meses antes.

[“Diesel Wild Angel”:]

“Jimi queria tirar algum tempo para pensar no fazer a seguir, talvez um ano ou dois”, conta o percussionista Juma Sultan, que tocou com Hendrix em Woodstock. “Ele tinha verdadeiras sinfonias na cabeça e não conseguia pô-las cá fora porque o mantinham preso a ‘Hey Joe’ ou ‘Foxy Lady’”.

Um desse “carcereiros” criativos seria precisamente o manager Mike Jeffery, para muitos apenas interessado no dinheiro que podia espremer do talento de Jimi Hendrix e que chegou a sabotar uma presença na televisão com a banda que o guitarrista juntara para tocar em Woodstock.

Os problemas de Hendrix não terminaram com seu empresário. Um antigo contrato de gestão que assinou em 1965 com o produtor Ed Chalpin forçou-o a entregar um novo álbum gravado ao vivo à Capitol Records, para o qual juntou o velho amigo do exército Billy Cox no baixo e o ex-baterista dos Electric Flag, Buddy Miles, trio a que Hendrix chamou de Band of Gypsys. Nos concertos no Filmore East, Hendrix apresentou um novo tema, “Machine Gun”, que dedicou “aos soldados que lutam em Chicago, em Milwaukee, em Nova Iorque, aos soldados que lutam no Vietname.”

[“Machine Gune”:]

Contra a vontade de Hendrix, Jeffery marcou uma série de concertos em salas de espectáculos e festivais que contribuíram ainda mais o cansaço e frustração do músico, que confessou a alguns amigos a vontade em rescindir o contrato com o manager. O desejo não era de concretização fácil, até porque Jeffery era sócio do estúdio de gravação que Hendrix construiu em Nova Iorque, o Electric Lady.

A frustração de Hendrix aumentou durante uma série de concertos na Suécia, apenas algumas semanas antes da sua trágica morte em Londres. Na tarde antes do primeiro espectáculo, tomou uma mão-cheia de comprimidos para dormir. Quase incapaz de andar, subiu ao palco, tocou duas músicas e saiu a cambalear de volta ao hotel, não antes de fazer uma declaração premonitória a um jornalista: ““Não tenho certeza se vou chegar aos 28 anos. No momento em que sentir que não tenho mais nada para dar musicalmente, não estou a fazer nada no planeta, a menos que tenha mulher e filhos. Caso contrário, não tenho nada por que valha a pena viver.”

As circunstâncias que levaram à morte de Hendrix há 50 anos são, naturalmente, apenas uma parte de Wild Thing: The Short, Spellbinding Life of Jimi Hendrix. Philip Norman revisita — e celebra — a vida do homem que revolucionou a forma de tocar guitarra elétrica e que inspirou várias gerações de músicos. Da infância e juventude em Seattle, onde nasceu e cresceu à fuga para a “swinging” Londres dos anos 1960, o autor coloca em destaque as inúmeras contradições entre a vida pública e privada de Hendrix, do “guitar hero“ cujo som, mesmo que tecnicamente imperfeito, não deixava ninguém indiferente (como dizia na série televisiva homónima o Dr. House, se a técnica fosse tudo o que importasse, Yngwie Malmsteen seria o melhor guitarrista do mundo…) ao homem triste e autodestrutivo que nunca conseguiu realmente lidar com a fama. “Vou morrer antes dos 30”, assim nomeia Norman um dos capítulos do livro.

[o trailer de um novo documentário sobre Jimi Hendrix:]

Numa altura em que vai ser também lançado um novo documentário, “Music, Money, Madness… Jimi Hendrix In Maui”, sobre um caótico filme-concerto de 1970 que levou o título de “Rainbow Bridge”, ficamos com as palavras de Philip Norman em Wild Thing:

“‘Talvez o maior instrumentista na história da música rock’, reza a citação no Rock & Roll Hall of Fame. Mas entre a raça de super-heróis da guitarra que cresceu nos anos 1960 – Eric Clapton, Jeff Beck, Keith Richards, George Harrison, Jimmy Page, David Gilmour, Peter Green, Robbie Robertson, Duane Allman e Jerry Garcia – nunca houve discussão. Cada um deles teve de ouvir Jimi apenas uma vez para metaforicamente deitar fora a sua palheta e erguer as mãos em submissão.”