André Ventura teve de sofrer para conseguir a eleição da nova direção. Sofreu duas derrotas na convenção que seria da sua entronização como líder, em Évora e só à terceira conseguiu eleger a nova direção. Depois de a primeira lista que apresentou para a direção nacional do partido ter sido chumbada por falhar (por 69 votos) a maioria de dois terços exigida, a segunda teve o mesmo desfecho (por 8 votos). Só quando estavam menos 105 votantes na sala do que na primeira votação (passou de 378 votantes para 273) é que André Ventura conseguiu fazer passar a nova direção. Acabou de joelhos, no meio do palco.

O líder do Chega conseguiu só aí uma grande maioria, com 247 votos a favor da sua direção num universo de 273 votantes (houve 25 contra e um voto branco), o que representa cerca de 90% dos votos. Depois desta vitória expressiva, André Ventura avisou que nunca cederá a “jogos de bastidores”. Num dos discursos mais breves que já fez como líder, o presidente do Chega referiu que “nos outros partidos já estavam a abrir o champanhe“, mas avisou-os que “podem desenganar-se” porque no partido que lidera há “democracia interna” e o Chega “sai daqui mais forte do que nunca”.

Há inimigos fora, mas também dentro

Falando na terceira pessoa, o líder do Chega acrescentou ainda que “aqueles dos outros partidos que hoje ao longo da tarde comentaram que podia ser o último dia do Ventura à frente do Chega, esqueceram se que não somos esses partidos.” E enumerou quem eram “esses” que ficariam contentes com a sua saída: “António Costa, Rui Rio, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa”. Aqui soaram apupos entre os delegados que nesta altura já não estavam sentados das cadeiras, mas sim amontoados junto ao palco. Ventura rematou esta parte do discurso com suspeições: “Aqueles que hoje pensavam que a luta contra a corrupção, o compadrio iam acabar tiveram às 20h05 da noite uma enorme desilusão”.

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André Ventura ajoelhou-se perante dezenas de pessoas que gritavam “Chega, Chega”. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Nem só fora do partido parecem estar os inimigos de André Ventura, que no discurso final disparou para opositores sem nome avisando que alguém “vai precisar bem mais que de uma tenda, de algumas bandeiras e de alguns votos para me derrubar”. E continuou nessa linha ao dizer: “Vai ser preciso mais do que alguns jogos de bastidores para me derrubar”.

Quanto ao próprio, André Ventura diz que ama “este país mais do que qualquer líder político em Portugal” e que as “convicções do Chega são profundas” e a sua “fé inabalável”. Terminou a jurar, aos gritos, que os militantes do Chega “saem com a certeza que este homem que aqui está vai lutar com vocês até à última gota de sangue”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

História de uma vitória à terceira volta, com Ventura a impor a sua até ao limite

A votação foi expressiva, mas o caminho não foi fácil. Quando conheceu o resultado da segunda vez que a lista foi chumbada, Ventura dirigiu-se ao púlpito emocionado e assumiu responsabilidade pela derrota. Perante a possibilidade de uma demissão do líder, os delegados gritaram “não!” e houve até lágrimas, incluindo do líder que depois de uma pausa dramática acabou por dizer que afinal pedia apenas nova suspensão dos trabalhos para formar nova proposta de direção que é, afinal, a mesma.

“A responsabilidade é minha”, disse no fim dessa. Na reação à rejeição, o líder do Chega disse recusar-se a “fazer deste partido um outro partido do sistema”. Ventura diz que “a democracia dentro do Chega funciona” e que “nenhum órgão tem mais soberania que este” para decidir os destinos do partido. O presidente do partido afirmou de seguida: “Como presidente eleito há menos de duas semanas entendo que…”. E  foi nesta pausa que o público presente disparou em pedidos para que não se demitisse num momento de algum dramatismo em que Luís Graça, presidente da Mesa Nacional, ainda lhe foi dar um abraço que acabou com Ventura a manter-se.

Muitos foram os militantes que se aproximaram do palco para pedir a Ventura que não se demitisse. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Segundo o regulamento eleitoral do partido, o presidente do Chega tinha de “submeter nova lista, no prazo máximo de duas horas, aos delegados eleitos à Convenção Nacional, para votação no menor espaço de tempo possível”. O que fez 45 minutos depois, com Luís Graça a anunciar do palco que Ventura iria para terceira votação “a mesma lista”. “O André não verga, nós que já o conhecemos sabemos”, atirou o presidente da Mesa nesse anúncio. À terceira foi de vez.

O mesmo regulamento dita ainda que “a Convenção Nacional não poderá ser dada por terminada sem que seja regularmente eleita a lista da Direção Nacional”. Luís Graça ainda gracejou ao admitir, depois disto, que já tinha marcado alojamento em Évora para a semana toda.

Depois de ter sido eleito, há duas semanas, com mais 99% dos votos em eleições diretas para a liderança do partido, Ventura teve agora com dificuldade em reunir os dois terços que o regulamento eleitoral do partido exige para aprovar a lista.

Na segunda votação, ao contrário da primeira, a lista teve mais votos a favor do que contra, mas foi igualmente rejeitada por não ter atingido dois terços dos votos. Foram 219 votos a favor, 121 contra. Dos 340 votantes eram necessários 227 votos a favor da lista para que esta passasse.

De manhã, numa lista fechada durante a madrugada, dos 510 delegados inscritos, votaram 378. A lista apresentada por Ventura nem sequer maioria conseguiu, com 193 votos contra e apenas 183 a favor. Precisava de 252 votos e ficou a 69. Uma diferença que agora encolheu, bem como o número de votantes, que passou de 378 para 340 no espaço de algumas horas, com alguns dos delegados a abandonarem a Convenção Nacional que já vai muito além da hora prevista para o encerramento.

Quando os militantes se aperceberam que Ventura poderia desistir depois de uma pausa dramática aproximaram-se grande   para apoiarem o seu líder de perto. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O que mudou nas listas ao longo do dia?

Quase nada. Depois de uma longa negociação que se estendeu por toda a hora de almoço, André Ventura fez afixar na entrada da tenda onde se realiza a Convenção do Chega a sua nova proposta de direção. Tudo igual, exceto um único nome, o de Rui Paulo Sousa, da Comissão Política da distrital de Santarém do Chega. O empresário e ex-dirigente do Aliança de Pedro Santana Lopes entrou para o lugar de último vogal, uma posição que na primeira proposta de Ventura era deixada em aberto para “um nome a indicar pelo Partido Pró Vida no âmbito da fusão dos dois partidos”, segundo constava na lista entregue. O líder do Chega mostrava que não estava disposto a abdicar das suas escolhas, mesmo perante uma recusa da Convenção.

A indefinição deste vogal provocou incómodo entre os delegados, mas não terá sido o único motivo para a rejeição da primeira lista de Ventura, segundo explicou ao Observador um dirigente do partido que pediu para não ser identificado. Guerras internas entre presidentes das distritais são a outra razão que está na base desta sucessão de chumbos que estava  a deixar André Ventura nervoso. Aliás, ainda depois de Ventura ter votado pela terceira vez, quando subiu ao palco a quase totalidade dos presidentes das distritais do partido ouviram-se fortes apupos da sala. Um dos dirigentes comentou com o Observador que isso aconteceu porque “havia anticorpos” no meio daquele grupo, ou seja, elementos que estarão a contribuir para este impasse.

Ao contrário do que tem sido costume, o presidente do partido chegou para a segunda votação mesmo ao cair do pano com um ar abatido e sem sorriso. O nervosismo entre o seu núcleo era também evidente e algumas fontes já diziam ao Observador terem pouca esperança de ver a lista passar mesmo com a definição de um lugar que tinha sido deixado em aberto.

Na proposta aprovada à terceira André Ventura manteve os três vice-presidentes da atual direção, mas propôs acrescentar mais dois: o professor da Universidade Católica, Gabriel Mithá Ribeiro, e António Tanger Correia, diplomata com mais de 40 anos de carreira. Na proposta de Ventura, continuam na direção o ideólogo Diogo Pacheco Amorim, o militante n.º 2 Nuno Afonso (que trocam de lugar na hierarquia) e o presidente do Sindicato do Pessoal Técnico da PSP, José Dias.

Gabriel Mithá Ribeiro é militante há poucos dias e, no sábado, discursou no púlpito  às 02h40. Disse sentir-se “demasiado pequeno para um partido tão grande” e abdicou de oito minutos de discurso que tinha preparado. Ainda teve, no entanto, tempo para dizer que o Chega “está a mudar a sociedade em Portugal” e está em “rutura com valores morais do regime”. Mithá Ribeiro diz que se vivem dias de “falência grave de civismo” porque “os abusos reiterados do Estado sobre a sociedade são coincidentes com os abusos reiterados da sociedade sobre as suas instituições”.

Outra das escolhas é António Tanger Correia, que foi o primeiro secretário da embaixada portuguesa em Pequim entre 1981 e 1984, cargo que lhe tinha sido prometido por Adelino Amaro da Costa antes da sua morte, em Camarate. Com carreira da diplomacia, António Tanger foi embaixador de Portugal em Doa, no Qatar. Antes disso, entre 2012 e 2015, foi embaixador no Cairo, no Egipto. Entre 2005 e 2008 foi embaixador de Portugal na Lituânia e em 2017 enviado especial aos balcãs ocidentais no âmbito da presidência portuguesa  da União Europeia.

O novo vice-presidente do Chega foi cônsul-geral no Rio de Janeiro entre 2003 e 2005 e embaixador em Telavive entre 2001 e 2003. Entre 1998 e 2001 foi embaixador em Belgrado, na Sérvia, e entre 1996 e 1998 embaixador em Sarajevo, na Bósnia. Entre novembro e março de 1996, foi cônsul general de Portugal em Goa. Durante um ano de governo AD de Sá Carneiro, foi adjunto do ministro dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral. Nas eleições do Sporting de 2018, Tanger Correia encabeçou a lista para o Conselho Fiscal e Disciplinar do candidato Pedro Madeira Rodrigues. Em 1992, Tanger Correia foi atleta olímpico e terminou no 21º numa competição de vela nos Jogos Olímpicos de Barcelona.

Direção passa de oito para 14 elementos

A direção do partido cresce de oito elementos para 14, já que — além de mais dois vice-presidentes — os vogais passam de quatro a oito. Dos anteriores quatros mantinham-se dois na proposta de Ventura (Ricardo Regalla Pinto e Lucinda Ribeiro) e saíam Salvador Posser de Andrade e Joaquim Chilrito.

Entram como vogais Rita Matias, Pedro Frazão, Patrícia Sousa Uva, Tiago Sousa Dias, Fernando Gonçalves e Rui Paulo Sousa.

Patrícia Sousa Uva foi a quinta candidata às legislativas na lista por Lisboa e deu o seu testemunho na campanha #Deixemascriançasempaz, que combate a ideologia de género. Proposta por Ventura para nova dirigente nacional do Chega foi uma das críticas da campanha da Zippy, que lançou uma coleção com roupas unissexo.

Pedro Santos Frazão é médico-veterinário e apresenta-se no Twitter como “casado e pai de 7”, conservador da natureza e da família.

Tiago Sousa Dias é mais um militante que transita do Aliança, já que foi cabeça de lista nas legislativas pelo partido de Santana Lopes pelo círculo Fora da Europa.

Fernando Gonçalves, de 43 anos, é um contabilista que é o coordenador do partido na Madeira. Em julho, segundo o Jornal da Madeira, apesar de ser candidato único foi eleito com menos de metade dos votos (48%).

Le Pen vê no Chega “despertar do sobressalto português”

Depois do primeiro chumbo à lista de Ventura, pela hora de almoço, a Mesa da Convenção do Chega suspendeu os trabalhos até haver nova lista para a direção sujeitar a votos e aproveitou a pausa para passar no ecrã gigante mensagens enviadas por representantes da família política no Parlamento Europeu dos partidos de extrema direita, Identidade e Democracia. Entre as mensagens estava uma de Marine Le Pen, a líder do partido de extrema-direita francês Rassemblement National, que classificou André Ventura de  “grande líder político e mesmo um homem de Estado que vos conduzirá à vitória”.

Candidata pela terceira vez às eleições presidenciais franceses (que só acontecerão em 2022), Le Pen enviou “saudações fraternas” aos participantes na Convenção do Chega, afirmando ver “com prazer” “surgir um movimento enérgico, o despertar do sobressalto português“. A líder da extrema-direita francesa quer receber Ventura em Paris “em breve” e destaca este como “o momento” em que “o braço de ferro que opõe” nacionalistas “aos mundialistas nunca esteve tão perto de se inclinar a favor” dos primeiros.

*Correção: numa das versões deste artigo, entre as 11h30 e as 13h41, foi apresentada a informação errada de que António Tanger Correia era atualmente embaixador em Doa. Ao contrário do que consta na sua conta pessoal de Linkedin, Tanger Correia deixou de ser embaixador naquela cidade em 2018, estando atualmente reformado.