É natural que os últimos tempos estejam a causar uma espécie de fadiga coletiva de remakes, remasters, sequelas e outras formas de reanimar conteúdos que já conhecemos bem. A tendência não é exclusiva aos videojogos. Na sua vertente mais comercial, o cinema também tem optado muitas vezes pela capitalização de propriedades já existentes e até os cartazes dos festivais de música de anos que ainda temos na memória são muitas vezes feitos das reuniões de bandas de outros tempos. A obsessão pela nostalgia não tem parado e a tendência para o cinismo quando este tipo de título é anunciado torna-se difícil de evitar. No entanto tudo isto muda de figura quando estamos a falar de um jogo que, pelo menos para uma certa geração, basta ouvir o nome em voz alta e acontece uma espécie de epifania espiritual, seguida por três ou quatro horas consecutivas de diversão pura. No fundo, é tudo diferente quando se trata de Tony Hawk.
“Tony Hawk’s Pro Skater 1”, de 1999, e a sequela do ano seguinte são dois dos jogos mais amados de todos os tempos, apesar de muitos títulos dessa altura não terem envelhecido particularmente bem a nível gráfico. Aqui, pelas experientes mãos da Vicarious Visions e Activision, receberam uma espécie de carta de amor quase imaculada em forma destas versões remasterizadas. E o truque para este sucesso acaba por ser simples: mudar muito pouco. A velocidade dos movimentos continua lá, a banda sonora abre com uns Rage Against The Machine a dar tudo em “Guerrilla Radio”, seguidos pelos essenciais Goldfinger e quando ouvimos os primeiros acordes de “Superman” ficamos imediatamente prontos para todos os ollies, grinds e esperançosamente 360 McTwists que conseguirmos fazer — infelizmente, sem o copo de leite na mão.
[o trailer de “Tony Hawk’s Pro Skater 1+2”:]
São jogos que no seu auge marcaram toda uma geração e contribuíram de forma decisiva para a popularidade do skateboarding enquanto modalidade, mas que a dada altura foram perdendo alguma identidade. Talvez muito se deva a uma menor procura deste tipo de simplicidade das arcadas — poderíamos repetir o mesmo se estivéssemos a falar de jogos de luta, por exemplo. Para combater isso, muitas das entradas na série Tony Hawk foram ficando progressivamente mais inchadas, cheias de conteúdo nem sempre necessário e a fluidez dos movimentos acabou sempre por sofrer com isso, de uma forma ou de outra.
Conteúdo é coisa que não falta neste regresso, e a quantidade de objetivos, skaters (todos apresentados na sua idade atual, os originais e as novidades, o que é ótimo), truques e níveis por desbloquear pode criar um certo sentimento de sobrecarga a quem gosta de absorver tudo o que estes jogos têm para oferecer. Mas, ainda assim, os jogadores mais experientes levarão pouco tempo a conseguir jogar todos os níveis. Para os restantes, a diversidade de modos de jogo também não deixará ninguém ficar mal. Uma das melhores surpresas para quem já não pegava num jogo da série Tony Hawk há muito tempo é o multiplayer, em que competimos com outros jogadores pela pontuação mais alta ou outros objetivos semelhantes. Muito rápido na sua cadência e eficaz na busca de uma sessão, acaba por ser uma experiência viciante, que não ajuda na hora de de largar o jogo para escrever uma crítica.
Para os mais tradicionais, temos as Skate Tours clássicas, que consistem nas adaptações bastante fiéis dos níveis de ambos os jogos, cheias de colecionáveis e segredos a descobrir. E se a memória for boa, muitos desses truques mantêm-se inalterados. Os mais criativos têm o modo Create a Park, onde podem criar e partilhar mapas com um sistema de construção relativamente simples e eficaz. Se terá o futuro brilhante no capítulo da criação como títulos como “Super Mario Maker” cabe à comunidade decidir, mas dado o sucesso inicial de “Tony Hawk’s Pro Skater 1+2”, tudo parece relativamente risonho. Até porque se “nostalgia” é um termo que repetimos muito ao falar deste jogo, a verdade é que nada aqui está fora do alcance de quem esteja a experimentar tudo isto pela primeira vez.
Muito, mas mesmo muito importante: as canções de Tony Hawk serão para muitos a parte mais importante de todo o jogo. E a escolha de temas aqui é feita com uma perícia assinalável. Os originais estão quase todos, podemos contar mais uma vez com os Millencolin, Bad Religion, Lagwagon, Papa Roach e uma série de clássicos semelhantes que dão vontade de comprar umas calças largas e uma corrente com bolinhas. As novidades passam por uma mistura de novos temas que podiam ter entrado sempre aqui, como MxPx, American Nightmare ou The Ataris, misturados com sonoridades mais viradas para o hip-hop, onde temos nomes como A Tribe Called Quest, Skepta ou Black Prez.
É nostalgia pura num clima cultural às vezes demasiado obcecado por ela? Sim senhor. Mas “Tony Hawk’s Pro Skater 1+2” é feito com uma tal facilidade aparente e sobretudo um carinho pelo seu material de origem, que a escolha é mesmo subir o volume aos Goldfinger, agarrar num comando e fingirmos, nem que seja um bocadinho, que somos todos um “supermaaaaaaaaan”.
Título: “Tony Hawk’s Pro Skater 1+2”
Estúdio: Vicarious Vision
Plataformas: Windows, Xbox One e PlayStation 4