O comendador Nazim Ahmad, ligado à Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, entidade com projetos na província moçambicana de Cabo Delgado, considera que existe “um risco” de a violência na região se alastrar pelo país.

Em declarações à Lusa, o representante diplomático do Imamat Ismaili junto da República Portuguesa disse que “o problema de Cabo Delgado tem características muito específicas, enquadradas naquela região, em concreto”, mas, ainda assim, “o alastrar do problema [pelo país] deve ser um risco a ter em conta na análise do mesmo”.

Nazim Ahmad foi a primeira de quatro personalidades ouvidas nas duas últimas semanas na Comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas sobre a cooperação de Portugal com Moçambique e a situação de violência na província moçambicana de Cabo Delgado.

Além do responsável da Fundação Aga Khan em Portugal, a comissão parlamentar ouviu – todos à porta fechada – o jornalista António Mateus, o jornalista e comentador Nuno Rogeiro, e o professor e investigador Fernando Jorge Cardoso.

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Para Nazim Ahmad, um dos responsáveis pelo reforço das relações entre Portugal e a comunidade ismaili, a situação que se vive hoje em Cabo Delgado “é particularmente preocupante, dada a dimensão que tem vindo a tomar e as respetivas consequências para as populações da zona”, mas “a questão religiosa não justifica o que está a acontecer”.

O que se passa é que Cabo Delgado “é uma região de fácil acesso para grupos extremistas, pela sua localização geoestratégica, quer pela via terrestre quer pela via marítima”, mas “também pelas fragilidades económicas e sociais”, salientou.

Os investimentos em curso para o arranque da exploração de gás natural na região são, na sua opinião, outro dos fatores que contribui para o interesse desses grupos radicais.

“Naturalmente que, para além dos interesses estratégicos, os interesses económicos movem estes grupos radicais, que tentam, por via das suas ações, espalhar o terror e controlar estes territórios. Esta situação é comum a toda uma região que inclui, para além do norte de Moçambique, o sul da Tanzânia e o Uganda”, sublinhou.

Através das infraestruturas e dos vários projetos que desenvolve, a Rede Aga Khan Para o Desenvolvimento (AKDN) e a Fundação Aga Khan estão presentes na região há mais de vinte anos, e por essa via têm “vindo a constatar com muita preocupação este aumento da violência e da insegurança”, afirmou.

Nazim Ahmad considera que o executivo moçambicano “tem feito o esforço possível”, para combater o problema, mas face à dimensão da situação, “apenas com uma ajuda internacional concertada e muito focada, e com o total envolvimento do governo moçambicano, será possível pôr termo” ao problema, sublinhou.

Para Fernando Jorge Cardoso, professor e investigador do Centro de Estudos Internacionais do Iscte — Instituto Universitário de Lisboa, com larga experiência na análise de assuntos africanos, o conflito em Cabo Delgado “é uma guerra jihadista, mas não só” e que “não foi provocado pela descoberta de gás” na região.

Porém, os recursos económicos “potenciaram a sua visibilidade e interesse internacional”.

Na opinião do investigador, neste conflito, existem atores internos e externos e ambos “são relevantes”: o problema dos atores internos “deve ser gerido pelo poder moçambicano, com ajuda do Conselho Islâmico” e o dos atores externos “pelo governo moçambicano com o apoio internacional”, defendeu.

Para o investigador “deve haver uma intervenção armada externa de proteção à população”, rapidamente, apesar de considerar que “o governo moçambicano está renitente à presença de forças não controladas por si” no território.

Quanto a Portugal, “deve intervir militarmente, se for convidado a isso”, mas apenas “com formação de unidades especializadas contraguerrilha e apoio logístico — bilateralmente e multilateralmente”, sublinhou.

Para o jornalista António Mateus, Portugal “deve assumir o seu papel de ajuda a Moçambique pela via política e diplomática, levando o assunto às instâncias internacionais”, e aproveitando a presidência que vai assumir, a partir de 1 de janeiro, do Conselho Europeu.

O objetivo será que a União Europeia, em diálogo com as Nações Unidas e com Moçambique consigam “fazer com que o governo moçambicano assuma que não consegue resolver a situação em Cabo Delgado sem uma intervenção externa”.

Essa intervenção externa “deve ser totalmente transparente, ou seja, deve ter o chapéu das Nações Unidas”, sublinhou.

“Portugal deve ser o motor dessa iniciativa e poderá integrar essa força externa”, acrescentou, mas não como “país atuar diretamente no terreno”.

Na opinião de António Mateus, Portugal deve ter ainda “uma proposta de ação social para a região de Cabo Delgado, a apresentar na União Europeia, para que esta possa também vir a ser discutida com as Nações Unidas”.

As audições sobre Cabo Delgado, que começaram a 9 de dezembro, surgem na sequência dos requerimentos de três partidos: PSD, PS e CDS-PP, que foram aprovados a 19 de dezembro.

Ainda sem data marcada ficou a audição já acordada entre os partidos, do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

Entretanto, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, pediu ao ministro dos Negócios Estrangeiros português que se desloque a Moçambique como seu enviado, para abordar com as autoridades locais a situação em Cabo Delgado.