Os acionistas da PSA (Dona da Peugeot e da Citroen) e da Fiat deram mais um passo decisivo para a fusão entre os dois grupos que foi aprovada esta segunda-feira nas assembleias-gerais. A operação vai criar o quarto maior fabricante automóvel do mundo depois da Volkswagen, Toyota e a aliança Renault-Nissan. A Stellantis, assim se chamará a nova empresa, vai gerir 14 marcas, entre as quais a Fiat, a Opel, a PSA, (Peugeot Citroen), a Chrysler , a Dodge e a Maserati.

À frente do novo grupo vai estar um português, Carlos Tavares, um dos gestores de maior sucesso do setor, a ponto de um banqueiro citado pelo Financial Times, num perfil de 2019 ter admitido: Está a Fiat a Chrysler a comprar Carlos Tavares (presidente executivo da PSA)? Talvez. “Mas seria o mesmo negócio sem ele? Definitivamente não”.

Carlos Tavares é menos conhecido em Portugal do que outros gestores de carreira internacional, como António Horta Osório na banca. Talvez porque nunca tenha trabalhado cá, apesar de manter uma ligação forte a Portugal onde vem com frequência por razões familiares. Também não é pródigo em entrevistas ou tomadas de posição sobre o país e que sejam alheias à esfera do setor que também conhece.

Aos 62 anos, e depois das assembleias-gerais que se realizaram no primeiro dia útil de 2021, por via digital, o presidente executivo do novo grupo afirmou: “Estamos prontos para esta fusão”. Tavares tem um mandato de cinco anos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O negócio que foi anunciado no final de 2019 com um valor de 45 mil milhões de euros já passou em todos testes regulatórios e deverá ser fechado em breve, sublinhou ainda Carlos Tavares. Antes de ser anunciado em dezembro de 2019, e após meses de negociações, a fusão esteve ameaçada porque a Fiat a começou a discutir com a Renault.  Mas o gestor não desistiu e quando as conversas com a rival francesa caíram, Carlos Tavares acelerou o processo que o vai consolidar como um nome incontornável na indústria automóvel mundial, 40 anos depois de ter entrado no setor.

Tavares estudou no Liceu Francês (onde a mãe era professora) e licenciou-se já em França, país onde deu os passos essenciais da sua ascensão profissional. Entrou no grupo Renault em 1981, mas não começou num escritório convencional — como engenheiro foi piloto em testes de condução, paixão que ainda hoje mantém, a ponto de o classificarem como um “fanático” das corridas automóveis.

Em 2004, rumou para a japonesa Nissan que tinha feito uma aliança com o fabricante francês no final do século passado. Em 2009, já liderava a divisão norte-americana do grupo. Em 2011, Carlos Tavares chega ao board (conselho de administração) da Renault, como Chief Operating Office (COO ou administrador para a área operacional). Mas a Renault era então o reino incontestado de outro histórico gestor da indústria, Carlos Ghosn, que chegou a estar detido no Japão (e depois fugiu) por causa de um inquérito sobre evasão fiscal e abuso de confiança

Ex-presidente da Renault-Nissan confirma que fugiu do Japão e está no Líbano

Tavares, que em 30 anos de casa subiu todos os degraus de piloto até ao topo da Renault, era apontado como sucessor de Ghosn, mas numa entrevista em 2013 deixa um desabafo inconveniente.  Afirma que não queria esperar pela reforma do homem forte do grupo para chegar à liderança, admitindo interesse gerir outras empresas como a General Motors ou a Ford. Passado poucas semanas, foi afastado da direção grupo francês, mas não ficou muito tempo sem emprego.

Em 2014, o grande rival da Renault, o grupo PSA contrata-o para dar a volta à delicada situação financeira do fabricante. E é neste cargo que Tavares ganha uma outra dimensão na indústria automóvel ao promover uma reestruturação do grupo que aumentou a produtividade, ao mesmo tempo que reduziu custos com os trabalhadores (negociando acordos e rescisões), garantindo o regresso aos lucros.

O gestor recorreu a táticas pouco habituais no setor, em particular na relação com os trabalhadores, promovendo a concorrência dentro do grupo e dando prémios acrescidos para quem aceitasse rescindir primeiro. Uma das abordagens do seu estilo de gestão passa por dar aos trabalhadores liberdade para agir e tomarem iniciativas e por combinar pessoas de várias áreas numa equipa agilizar decisões. Sinal do sucesso empresarial da PSA sob o seu comando foi a compra da Opel em 2017 à General Motors, à qual aplicou as mesmas receitas para conseguir aumentar a produtividade.

Carlos Tavares tem a fama de frugal, chegou a ser descrito como o gestor mais mal vestido do setor automóvel, apesar do elevado salário

Famoso pela prioridade dada ao controlo dos custos, Carlos Tavares é também descrito como o mais frugal (ou até forreta) dos gestores. Viaja de avião em económica, veste-se em pronto-a-vestir (analistas citados pelo Financial Times descrevem-no como o gestor mais mal vestido na indústria automóvel), quando visita as fábricas do grupo almoça uma sandes comprada no café local.

Uma frugalidade que não combina com o salário que recebe. Em 2019, levou para casa 7,6 milhões de euros. Mas em 2020, ao lado de outros líderes das grandes empresas francesas, anunciou a doação de parte do salário pago em ações à Fundação PSA para financiar o combate à pandemia.

A Stellantis, nome de origem latina que significa (segundo a PSA) brilhar com as estrelas, tem 400.000 trabalhadores em todo o mundo e unidades industriais em vários continentes (em Portugal, o grupo tem uma fábrica em Mangualde). A propriedade do grupo é dividida a 50% pelos acionistas da PSA e da Fiat. Os maiores accionistas individuais da Stellantis são a Exor (holding da família Agnelli), o banco público francês, Bpifrance Participations, e a família Peugeot.

A recuperação do setor automóvel é mais um dos desafios que terá de enfrentar à frente da Stellantis, que se junta a outros: como criar carros mais verdes, racionalizar um grupo que está em três continentes e atacar o excesso de capacidade produtiva, e ainda relançar o grupo na China. Com uma produção anual de oito milhões de veículos e receitas de mais de 165 mil milhões de euros por ano, terá de desempenhar um papel central no salto da indústria automóvel para a era da eletrificação, apesar do seu CEO ter deixado avisos sobre a onda elétrica que está a tomar conta da indústria.

Em outubro de 2019, Carlos Tavares assinalou que os políticos não estão a dizer às pessoas que os carros elétricos vão ser mais caros que os tradicionais e avisou para a necessidade de terem a certeza de que esta transição é a decisão correta para o planeta.

“Se em 10 ou 20 anos, alguma coisa nova surgir e descobrirem que escolheram a tecnologia errada, os custos para a sociedade vão ser enormes”.