As instituições políticas norte-americanas já existem há alguns séculos. Bebendo influências do Iluminismo e de ideias, como a separação de poderes, os EUA instituíram, em 1776, um regime inovador, libertando-se da tutela britânica, enquanto a Europa ainda se via a braços com o Antigo Regime. Desde aí, o sistema presidencialista raramente esteve em perigo — e a invasão do Capitólio desta quarta-feira pode ser considerada um momento único da história do país.
Não é que não tenha havido contestação de resultados e acusações de fraude — isso aconteceu ao longo da história. Nas eleições presidenciais de 2000, que opuseram Al Gore a George W. Bush, aconteceu isso mesmo. O republicano contestou os resultados obtidos na Flórida, obrigando a uma recontagem dos votos, o que levou Bush ao poder — e o democrata a reconhecer a derrota, apesar de inicialmente possuir uma vantagem naquele estado.
Mas um dos episódios em que se podem retirar semelhanças com o que aconteceu esta quarta-feira — em que um grupo de apoiantes de um Presidente ainda em funções invadiu o Capitólio — ocorreu em 1876, ainda que não tivesse existido qualquer confronto. Nas eleições desse ano, houve uma forte contenda entre o candidato republicano Rutherford A. Hayes e o democrata Samuel J. Tilden. Nas “eleições mais disputadas” da história dos EUA, segundo o New York Times, ninguém sabia quem ia governar dias antes. Houve acusações de fraude de um lado e outro. Os dois partidos reclamavam a vitória em colégios eleitorais de alguns estados do sul (como o Luisiana, Carolina do Sul e Flórida) e enviaram delegados diferentes. Na altura, estes estados estavam ocupados por tropas da União (os estados do Norte), ainda da altura da Guerra da Secessão (que terminara em 1865).
Também havia diferenças ideológicas entre os dois partidos que à luz da atualidade parecem pouco prováveis — os democratas eram a favor da escravatura, enquanto os republicanos defendiam a abolição. E foi neste ponto que se solucionou as eleições de 1876. Rutherford A. Hayes acabou por assumir o cargo de Presidente, mas para isso o exército da União teve de abandonar os estados do sul e a política da Reconstrução, que tinha como função conceder e consciencializar para os direitos dos escravos no estados mais a sul.
Apesar da polémica após as eleições de 1876, os nomes de Hayes e Tilden não ficaram para a história, nem ganharam notoriedade. Outro episódio que também permanece oculto para muitos foi o que aconteceu em 1814. E talvez tenha sido o mais parecido ao que ocorreu na quarta-feira. Nesse ano, durante a guerra anglo-americana, os britânicos conseguem ocupar Washington — e o Capitólio.
O conflito tinha começado em 1812 quando os EUA, vendo que Inglaterra estava fragilizada com as guerras napoleónicas na Europa (e também a ajudar Portugal nas invasões francesas), tentaram conquistar algumas colónias canadianas que pertenciam à sua antiga metrópole.
Mas a resposta britânica não demorou, ainda para mais com Napoleão já derrotado. A 24 de agosto de 1814, forças britânicas entraram pelo Capitólio dentro e incendiaram o edifício, tendo-o ocupado durante um dia. E só uma tempestade que ocorreu nesse dia conseguiu salvar o Capitólio de uma destruição completa, relata a página oficial do Senado dos EUA. Ainda assim, o fogo destruiu uma coleção de livros e de manuscritos.
Os EUA acabaram por perder a investida, tendo-se rendido um dia após Inglaterra ter ocupado Capitólio e outros edifícios vitais para a política norte-americana, como a Casa Branca. As províncias canadianas voltaram para Inglaterra. Os dois países assinaram depois o Tratado de Gent que terminou definitivamente com a contenda.