Quando Rui Vitória saiu do Benfica, em janeiro de 2019, Jorge Jesus foi associado ao Benfica. No final do ano, quando Jorge Jesus conquistou a Taça Libertadores com o Flamengo, a ideia de que o treinador estava destinado a voos mais altos era quase inevitável. Em junho do ano passado, quando Bruno Lage deixou o Benfica, Jorge Jesus voltou a ser associado ao Benfica. O problema? Tinha acabado de renovar contrato com o Flamengo depois de meses de indecisão.

Uma renovação que acabou por não deitar nada por terra. Jesus aceitou voltar, seduzido por um projeto forte e contratações de milhões, Luís Filipe Vieira voou até ao Brasil para ir buscar o treinador e ambos chegaram a Portugal num contexto de alguma euforia. A apresentação, em pleno verão e num Seixal cheio de jornalistas e antigos jogadores encarnados, transpirava confiança. Nesse mesmo dia, era apresentado Domènec Torrent, o substituto de Jesus no Flamengo. Um Flamengo que tinha ficado para trás.

Ficha de jogo

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Benfica-Estoril, 2-0 (5-1 no conjunto das duas mãos)

Segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Hélder Malheiro (AF Lisboa)

Benfica: Vlachodimos, Gilberto, Otamendi, Lucas Veríssimo, Nuno Tavares, Gabriel, Pizzi (Taarabt, 72′), Pedrinho (Everton, 66′), Cervi (Diogo Gonçalves, 86′), Chiquinho (Waldschmidt, 72′), Gonçalo Ramos (Seferovic, 66′)

Suplentes não utilizados: Svilar, Jardel

Treinador: Jorge Jesus

Estoril: Thiago Silva, Carles Soria, Marcos Valente, Hugo Gomes, Pedro Empis, Bruno Lourenço (Rosier, 71′), Gamboa (João Mendes, 80′), Lazare (Miguel Crespo, 55′), André Franco, Harramiz (André Vidigal, 71′), Murilo (Aziz, 55′)

Suplentes não utilizados: Daniel Figueira, Joãozinho

Treinador: Bruno Pinheiro

Golos: Gonçalo Ramos (43′), Waldschmidt (90′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Murilo (15′), a Nuno Tavares (29′), a Pizzi (30′)

Sete meses depois, e mesmo sem a glória da Libertadores, o Flamengo revalidou o título de campeão brasileiro. Foram precisos quatro treinadores — depois de Torrent e até Rogério Ceni, Jordi Guerrero e Jordi Gris foram interinos –, a temporada acabou com menos oito pontos do que a anterior mas a equipa do Rio de Janeiro acabou por conseguir fazer parecer que a saída de Jorge Jesus não foi traumática. Se bem que Marcos Braz, vice-presidente dos brasileiros, não esconde a mágoa que a saída do português deixou. “Tivemos que ir fazendo ajustes. A primeira grande dificuldade: foram quatro ou cinco meses para renovar e, 25 dias depois, ele sai. Foi um processo muito limpo. Quando estávamos no processo de tentar renovar com o Jorge, tínhamos algumas alternativas. Depois ele renova e nós descartamos as alternativas. Aí, o Jorge vai embora e nós começamos o zero. O Flamengo foi ajustando, resolvendo a vida. Graças a Deus, ainda assim, foi a terceira melhor temporada da história do Flamengo. Conseguimos superar-nos e tenho a certeza de que foi um bom ano para o Flamengo. Com certeza, foi o mais complicado”, explicou Braz esta semana, numa entrevista à ESPN Brasil onde acabou por reconhecer que qualquer treinador do clube terá agora de conviver com a sombra de Jesus.

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“Fomos campeões brasileiros de uma maneira diferente de 2019, talvez sem aquele glamourAcho que o fantasma de Jorge Jesus vai assombrar-nos durante muito tempo. Não só com o Rogério Ceni, mas também quando houver outro técnico. Isto em função dos resultados obtidos por ele e pela atmosfera que se criou aqui. Quando se pergunta ao Jorge Jesus, lá [em Portugal], se há possibilidade de ele voltar para cá, até acho que há. E essa possibilidade pode até acontecer sem eu estar aqui (…) Hoje, o Jorge tem contrato em vigência com um dos maiores clubes de Portugal. Eu sou conhecedor do contrato dele lá, dos números e do prazo. Tenho uma relação boa com o presidente do clube. Se gostava de ver o Jorge aqui um dia? É lógico, mas isso não tem nada a ver com o dia de hoje. Nós temos um bom técnico”, terminou o vice-presidente do Flamengo.

Ora, de forma natural, também Jorge Jesus foi questionado sobre a conquista do título por parte do Flamengo na conferência de imprensa de antevisão à partida com o Estoril. Fugindo ligeiramente à questão, o treinador português acabou por recordar outros jogadores que treinou como forma de sublinhar a relação próxima que mantém com os clubes por onde vai passando. “Se me perguntar que equipa gostava que vencesse a Liga Europa, vou responder Arsenal. Porquê? Porque estão lá dois jogadores que estiveram comigo, um no Benfica, outro no Flamengo, que são o David Luiz e o Pablo Marí. O Flamengo é a mesma coisa. É uma equipa onde deixei jogadores amigos e nós queremos sempre o bem dos amigos. Fiquei feliz que o Flamengo tivesse vencido”, explicou o técnico encarnado, que esta quinta-feira tinha então a possibilidade de chegar à final da Taça de Portugal.

Depois de alcançar uma vantagem confortável na primeira mão das meias-finais, na Amoreira (1-3), o Benfica recebia o Estoril na Luz com um pé e meio na final da Taça de Portugal. Ciente de que o adversário seria o Sp. Braga, que eliminou o FC Porto na outra meia-final, a equipa encarnada defrontava o conjunto da Segunda Liga sem Vertonghen e Darwin, ambos lesionados. Jesus avisou na antevisão que poderia fazer “três, quatro ou cinco alterações” mas foi mais longe: fez 10. Só Lucas Veríssimo sobreviveu no onze que venceu o Rio Ave e o treinador fez mudanças em todos os setores, com as saídas de Helton Leite, Diogo Gonçalves, Jardel, Grimaldo, Rafa, Weigl, Taarabt, Everton, Waldschmidt e Seferovic para as entradas de Vlachodimos, Gilberto, Otamendi, Nuno Tavares, Gabriel, Pizzi, Pedrinho, Cervi, Chiquinho e Gonçalo Ramos. O Benfica não era o único a mexer e também Bruno Pinheiro, no Estoril, deixava no banco algumas das figuras da equipa — como Vidigal e Miguel Crespo –, provavelmente já a pensar no encontro com o Feirense, segundo classificado da Segunda Liga, no domingo.

O Benfica começou claramente melhor e dominou a partida durante os 10 minutos iniciais. Com Gabriel a ocupar a posição mais recuada do meio-campo, de forma natural, Pizzi aparecia à frente do brasileiro mas tinha muita liberdade para encurtar as distâncias para os corredores ou aparecer em zona de finalização. Chiquinho tombava na direita, Cervi na ala contrária e Pedrinho funcionava como um espécie de ’10’, nas costas de Gonçalo Ramos. O primeiro remate pertenceu a Pizzi, que atirou por cima na zona central (2′), e Pedrinho obrigou Thiago a uma boa defesa com um pontapé de fora de área (5′). O ascendente encarnado justificava-se principalmente pela enorme movimentação que a equipa de Jorge Jesus alcançava nas costas do meio-campo do Estoril: os jogadores trocavam de posições frequentemente, com Pedrinho e Pizzi a serem autênticos vagabundos, e nem o facto de Gamboa assumir muitas vezes o papel de terceiro central conseguia obstruir os caminhos para a baliza de Thiago.

Com o passar dos minutos, a entrada forte do Benfica foi esmorecendo e o Estoril foi conquistando mais espaço, de forma a estender a equipa e procurar sacudir a pressão alta do adversário — que até aí conseguia recuperar praticamente todas as bolas logo depois de as perder. O jogo entrou numa fase mais ambígua a partir dos 20 minutos, altura em que o Estoril conseguiu conquistar alguns pontapés de canto e obrigou os encarnados a encontrar outras soluções para desdobrar o ataque: a equipa de Bruno Pinheiro construía sempre com base nos passes longos do guarda-redes Thiago, que mostrou ter uma visão de jogo superior na hora de bater a bola na frente. Foi nesta altura que Chiquinho trocou de corredor com Cervi, com o argentino a passar para a direita, e foi pouco depois disso que o mesmo Chiquinho formou um duplo pivô no meio-campo, à frente de Gabriel, com Pedrinho a abrir mais na direita. O médio português de 25 anos parecia ser a chave do desenho ofensivo do Benfica, com as soluções que oferecia e as dinâmicas que criava entre linhas.

A equipa de Jorge Jesus aproximou-se do intervalo com lances de perigo criados principalmente a partir de cruzamentos — Nuno Tavares, na esquerda, estava a provar novamente que tem um talento nato para este capítulo particular. Otamendi ficou perto de abrir o marcador, com um cabeceamento ao lado na sequência de um passe de Chiquinho (36′), mas o golo estava reservado para Gonçalo Ramos. Já muito perto do final da primeira parte, Hugo Gomes cometeu um erro clamoroso na sequência da pressão alta de Pizzi e ofereceu a bola a Chiquinho; o médio corrigiu uma primeira receção errada e assistiu Gonçalo Ramos, que totalmente sozinho e sem oposição na grande área atirou para abrir o marcador (43′). Pizzi quase aumentou a vantagem logo depois, com um remate ao lado de fora de área (45′), e o Benfica foi para o intervalo a ganhar e com a presença na final da Taça de Portugal praticamente assegurada.

[Carregue nas imagens para ver alguns dos melhores momentos do Benfica-Estoril:]

Os encarnados voltaram a entrar por cima na segunda parte — ainda assim, a velocidade e a intensidade do primeiro tempo deram lugar a uma tranquilidade que o golo de Gonçalo Ramos tinha oferecido. Cervi ficou perto de aumentar a vantagem, com um cabeceamento por cima na sequência de um cruzamento de Pizzi na direita (53′), e Bruno Pinheiro reagiu às dificuldades visíveis da equipa com uma dupla substituição. Miguel Crespo e Aziz entraram, Lazare e Murilo saíram mas o Estoril pouco ou nada mudou, permitindo a Vlachodimos ser um autêntico espectador da partida.

Chiquinho ficou muito perto de marcar, com um remate rasteiro que Thiago defendeu depois de uma jogada ensaiada (60′), e o Benfica ia controlando por completo a partida com bola, com Pedrinho a descair mais na faixa direita do que na primeira parte e Chiquinho a pisar terrenos mais centrais. Pizzi, por outro lado, aparecia cada vez mais em zonas de finalização, claramente à procura do golo — que acabou por não chegar. Jesus começou por tirar os fatigados Gonçalo Ramos e Pedrinho para lançar Seferovic e Everton e trocou depois Pizzi e Chiquinho por Taarabt e Waldschmidt. Do outro lado, Bruno Pinheiro colocou André Vidigal em campo, o jogador que marcou na primeira mão na Amoreira, e procurou qualquer coisa que ainda pudesse sair do jogo.

O rendimento do Benfica caiu ligeiramente com as substituições — perdeu-se o jogo entre linhas, as movimentações disruptivas e a criatividade que Chiquinho, Pizzi e Pedrinho ofereciam — e a partida caminhou até ao apito final. Diogo Gonçalves ainda entrou para o lugar de Cervi e Waldschmidt, no último minuto de tempo regulamentar, sentenciou o resultado com um remate cruzado depois de uma perda de bola de Miguel Crespo no meio-campo (90′).

O Benfica afastou o Estoril com duas vitórias em duas mãos e carimbou a presença na final da Taça de Portugal, que vai disputar com o Sp. Braga e onde regressa quatro anos depois, após ter conquistado o troféu contra o V. Guimarães em 2016/17. Gonçalo Ramos e Waldschmidt marcaram, Gabriel foi um pêndulo no meio-campo e Cervi voltou a ser praticamente irrepreensível: mas é a exibição de Chiquinho que acaba por ficar na retina. O médio português, que continua sem ser uma opção clara e indispensável para Jorge Jesus, foi o grande catalisador dos encarnados, originou o primeiro golo, esteve perto de marcar e mostrou que é cada vez mais uma solução óbvia para o Benfica.