O Governo já terá decidido o programa de incentivos para compra de veículos eléctricos em 2021. Em traços gerais, não haverá mais ajudas, uma vez que o limite máximo continua fixo nos 4 milhões de euros, pelo que tudo se resume a retirar de um lado para reforçar outro, que é como quem diz, tirar ajudas às empresas para ajudar os clientes particulares e pessoas singulares com actividade empresarial. Resta saber até que ponto esta espécie de Robin dos Bosques ambiental vai dar um contributo importante para o acelerar das vendas de veículos com zero emissões.

O anúncio oficial das novas medidas deverá apenas ser conhecido até ao final desta semana, mas o Observador obteve junto da Associação de Utilizadores de Veículos Eléctricos (UVE) um resumo das condições e incentivos previstos para quem desejar adquirir um veículo eléctrico durante 2021.

O que vai mudar

Entre as alterações introduzidas, o destaque vai para as empresas, que em 2020 usufruíam de um incentivo de 2.000€ para a aquisição de automóvel movido a energia eléctrica, a que adicionavam vários benefícios fiscais, da recuperação da totalidade do IVA do veículo (com preços inferiores a 62.500€) e da energia utilizada, à isenção do Imposto Único de Circulação e da Tributação Autónoma. Em 2021, com retroactivos a 1 de Janeiro, as empresas mantêm todos os benefícios fiscais, mas perdem o incentivo de 2.000€. De recordar que são as empresas quem adquire mais veículos eléctricos no nosso país, o que deverá continuar a acontecer uma vez que continua em vigor um generoso conjunto de benefícios fiscais, em que só a dedução do IVA permite recuperar cerca de 6.400€ num eléctrico tipo Renault Zoe (de 34.000€) e 11.000€ num Tesla Model 3 LR (de 60.000€). Ainda assim, a retirada do benefício de 2.000€ não contribuirá para impulsionar a compra de eléctricos pelos clientes empresariais.

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Se as empresas perdem apoios através do Fundo Ambiental, os particulares e as pessoas singulares com actividade empresarial pouco ganham. Mantêm os 3.000€ de incentivos, disponíveis agora para somente 700 candidatos mas, como realçou o presidente da UVE, Henrique Sánchez, o “facto de as empresas perderem o acesso aos incentivos de 2.000€ vai permitir que mais particulares possam aceder a este tipo de ajuda”, tanto mais que as empresas podiam solicitar incentivos para até quatro veículos.

No seguimento das directivas europeias, a ênfase é agora colocada nas ajudas à venda de veículos comerciais eléctricos. Isto faz com que os furgões a bateria, pequenos ou grandes, vejam os incentivos subir de 3.000€ para 6.000€, com uma limitação de apenas dois por empresa, ao contrário do que acontecia até aqui, em que cada entidade podia adquirir até quatro. Os incentivos aos veículos comerciais são estendidos às pessoas singulares com actividade empresarial.

As bicicletas de carga eléctricas, aquelas ideais para realizar entregas de pequenos volumes nos centros das grandes cidades, onde por vezes os veículos convencionais não podem circular, passam a ter um incentivo de 50% do preço de venda até ao limite de 1.000€ (até aqui era de apenas 350€), para os mesmos veículos sem apoio eléctrico receberem no máximo de 500€. As bicicletas eléctricas (bem como motociclos e ciclomotores com recurso a bateria) não sofrem alterações, continuando a usufruir de 350€, o mesmo acontecendo com as bicicletas não eléctricas, limitadas a 100€ (até 20% do PVP, contra os anteriores 10%).

Abate continua fora. A posição da ACAP e da UVE

Perante as alterações à gestão do Fundo Ambiental, na componente destinada aos incentivos à aquisição de veículos eléctricos, em que é menor a verba disponível para os automóveis ligeiros de passageiros eléctricos e maior a destinada aos veículos comerciais, dos furgões às “cargo bikes”, confrontámos duas das principais associações do sector, solicitando uma análise às novas medidas.

A Associação Automóvel de Portugal (ACAP), através do seu secretário-geral Hélder Pedro, admitiu que “as presentes reformas provêm de directivas europeias e a ACAP não tem informações do Ministério das Finanças em relação às opções que vão avançar”. Afirmou ainda que foram mantidas “reuniões com o secretário de Estado Eduardo Pinheiro, mas já em Dezembro e não sobre as alterações aos incentivos à aquisição de veículos eléctricos”.

Pelo seu lado, o presidente da UVE, saúda “o maior investimento nos veículos comerciais eléctricos destinados sobretudo à distribuição nos centros das cidades, tanto nos furgões como nas cargo bikes”, revelando-se ainda agradado pela “retirada dos incentivos de 2.000€ às empresas, para compra de eléctricos”, pois “até aqui absorviam 70% do valor disponível e a alteração irá alargar o número de acessos de clientes particulares”, apesar de a verba disponível prever a existência de ajudas para apenas os 700 primeiros clientes, em vez dos anteriores 1000.

Mas, de acordo com Henrique Sánchez, a UVE lamenta que não tenham sido aceites as suas propostas para o sector, nomeadamente o “incremento dos incentivos à compra de eléctricos de passageiros de 3.000€ para 6.000€, nivelando assim pela média europeia”. Esta associação critica igualmente não ter sido aceite a sua proposta de incentivos ao abate, para retirar da circulação os veículos mais antigos e, por isso mesmo, mais poluentes, bem como “não terem sido considerados os apoios à aquisição e instalação de postos de carga de veículos eléctricos para particulares ou empresas, ou o investimento no reforço das infra-estruturas de carregamento públicas”. Também a instalação de postos de carga em todas as áreas de serviço nacionais, bem como a redução do custo das portagens para eléctricos sugeridas pela UVE foram esquecidas, embora a associação defenda que parte dos custos que estas medidas implicariam pudesse ser compensada por uma retirada dos apoios do Estado a entidades envolvidas na produção e comercialização de combustíveis fósseis.