Comportamentos “desnecessários”, “ofensivos” e “assustadoramente machistas”. A Universidade Nova de Lisboa decidiu suspender preventivamente um professor, Manuel Filipe Canaveira, depois de um grupo de 78 alunos se ter juntado para apresentar formalmente uma queixa sobre os comentários e comportamentos do docente, dentro e fora da sala de aula.

Na carta entregue pelos alunos à reitoria da faculdade, a que o Observador teve acesso, podem ler-se exemplos de alegadas afirmações como: “E não me admira nada as meninas de 15 anos que andam com decotes e com as maminhas à mostra andarem a ser violadas… Elas metem-se a jeito”; “Meninas, não imitem as mulheres no carnaval do Brasil e vão de peito para fora no carnaval. Aqui está frio e vai parecer pata de galinha”; “Todas as mulheres que foram importantes na história ou tinham caraterísticas masculinas ou foram apoiadas por homens”; “Não darei trunfos a estes novos puritanos que, a meu ver, pretendem colocar a homossexualidade fora do armário para porem lá a heterossexualidade”; “As mulheres para se darem ao respeito têm de usar maquilhagem e saltos altos”; ou “Só dei um 19 na minha vida, e fiquei muito feliz que foi a um homem”.

O Observador contactou Manuel Canaveira, que disse estar impedido de comentar o caso por conhecer apenas as acusações “genéricas” que lhe são feitas (sem “local, hora, circunstância, contexto”) e por querer manter o sigilo enquanto o processo está a ser instruído. Ainda assim, mostrou-se indignado com a queixa e a decisão da faculdade: “Sei apenas o que está a acontecer-me ao fim de 39 anos de serviço docente, durante os quais leccionei milhares de alunos, mestrandos e doutorandos que nunca fizeram uma queixa sobre a minha atividade docente, nem como cidadão. Pelo contrário, em todas as classificações anuais obtinha a aceitação entusiástica de mais de 90% dos discentes, como os serviços da instituição podem, se quiserem, mostrar”. E rematou: “Infelizmente a cultura “woke” chegou à universidade portuguesa. Pelo menos à minha”. “Woke” é um termo usado, em inglês, para referir pessoas com uma consciência e intervenção mais focada em questões de justiça social.

“Conversa de café” e “incómodo” nas aulas

A carta, assinada por alunos e ex-alunos da licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais da NOVA-FCSH e alunos que frequentaram disciplinas desse curso nos últimos anos, argumenta que os comportamentos do professor causam “alargada preocupação”, por se virem revelando “cada vez mais desnecessários e, no limite, ofensivos”, além de “ultrapassarem as barreiras do respeito” e serem “desprestigiantes para a Faculdade e assustadoramente machistas”. Na sequência dessa queixa, apresentada no início deste ano letivo, a universidade pediu depoimentos e ouviu alguns dos alunos que integram o grupo que assina a carta, tendo decidido, em dezembro, abrir um processo disciplinar a Manuel Canaveira e suspender preventivamente o professor que leciona cadeiras como História das Relações Internacionais e História das Ideias Políticas, com efeitos imediatos.

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O Observador contactou alguns desses estudantes para perceber a forma como o processo se desenrolou, tendo vários deles garantido que houve quem deixasse de frequentar as aulas de Canaveira por se sentir “incomodado”. Um dos alunos, João Maria Jonet, conta que começou por ter aulas com o docente no primeiro ano de curso, altura em que não achava chocantes as afirmações do professor: “Estava muito pouco sensibilizado para coisas que, não me ofendendo a mim, podiam ofender outras pessoas, ria-me e achava que não era grave. Depois, fui fazendo amigas e percebendo como iam ouvindo aquilo, que eram conversas de café e opiniões sem sustentação, cada vez mais graves”. Contactado pelo Observador, e tendo sido um dos alunos ouvidos pela faculdade no processo, o aluno explica que decidiu dar a cara também para representar as colegas: “Sou uma pessoa de centro-direita, militante do PSD. Sei que há amigas minhas que podem ser vistas como pessoas que exageram, por serem militantes de partidos mais à esquerda e ligadas à causa feminista. Mas a causa é justa. É uma pessoa que é paga para ensinar no ensino público e faz com que as pessoas se sintam desconfortáveis”.

Uma das colegas que desistiram de frequentar as aulas foi Leonor Rosas, que, contactada pelo Observador, explica que se sentia “desconfortável” e, depois de ouvir comentários que a deixaram incomodada sobre mulheres, homossexuais e muçulmanos, por exemplo, optou por desistir. Agora, a estudante mostra-se satisfeita com a decisão da faculdade, mas deixa alertas para o futuro: “Isto aconteceu porque os alunos se juntaram e fizeram pressão. Espero que possa abrir um precedente para que se comece a olhar para estes casos a sério e deixar de descartar o assunto como um professor que diz umas piadas problemáticas”, sublinha.

O processo ainda está a correr, mas os alunos já foram informados, na noite da passada sexta-feira, de uma “mudança de docente”. No e-mail a que o Observador teve acesso, e que foi enviado aos estudantes que frequentam disciplinas lecionadas por Canaveira, a faculdade não entra em detalhes, explicando apenas que estão em causa “motivos ponderosos” e que o professor “não pode continuar a lecionar”, tendo a decisão “efeitos imediatos”.

O próprio Manuel Canaveira tinha esta semana partilhado na sua conta de Facebook o alegado texto, depois citado por vários alunos nas respetivas redes sociais, com a decisão da faculdade, que cita como motivo para a suspensão “fortes indícios da adoção de comportamentos perturbadores do regular funcionamento da instituição e ofensivos para com os alunos” e  “suscetíveis de consubstanciar a prática de atos de grave desrespeito e de grave violência verbal e psicológica para com os alunos, potencialmente prejudiciais para o interesse público, para o relacionamento académico e para a imagem, prestígio e eficiência da Faculdade e da Universidade”. Na mesma missiva, conclui-se que seria “manifestamente inconveniente a presença e a manutenção de V.Exa. no exercício de funções ainda que em regime de teletrabalho”.

O Observador contactou a Universidade Nova de Lisboa para obter um comentário ao caso, mas não foi possível obter resposta em tempo útil.