O embaixador e ex-ministro da Cultura Luís Castro Mendes considera que Portugal ainda não reconheceu devidamente o que deve aos emigrantes e espera que a futura Rede de espaços museológicos das comunidades portuguesas ajude a promover esse orgulho.
Luís Castro Mendes, que preside ao conselho de consultores para esta rede museológica, falava em entrevista à agência Lusa a propósito do futuro “museu” das comunidades, uma plataforma online que vai ligar os espólios que em Portugal e no mundo contam a história da emigração portuguesa.
“O que estamos a fomentar é uma rede entre espaços museológicos, com vantagens em relação a um museu que concentrasse tudo”, disse, sublinhando que os promotores da rede estão a ir junto das comunidades que quiseram guardar a memória das suas histórias”.
“Vamos ter com elas e pomo-las em rede e não a esvaziar outros museus para criar um museu nacional. Interessa-nos uma capilaridade e, por isso, estamos em colaboração com a secretaria de Estado da Valorização do Interior, para o interior contar a história da emigração, da saída dos portugueses”.
O escritor e poeta recordou que grande parte da emigração portuguesa saiu do interior para o estrangeiro e que esta rede de espaços museológicos se debruça essencialmente em dois momentos: A saída dos portugueses para o Brasil, no século XIX e princípios do século XX, e para a Europa, no século XX, principalmente a partir dos anos 1960.
Segundo Luís Castro Mendes, que presta apoio à secretária de Estado das Comunidades Portuguesas na área cultural, foi realizado um levantamento que identificou “vários pontos interessantes”, não só em Portugal, como em outros países, como França, Suíça, Estados Unidos, Austrália.
Em Portugal, a ideia é colocar na plataforma os acervos de espaços como o Museu das Migrações e das Comunidades, em Fafe, o Espaço Memória e Fronteira, em Melgaço, ou o Museu da Emigração Açoriana, na Ribeira Grande.
A rede unirá ainda os projetos futuros, como o Cais das Migrações, em Matosinhos, e uma mostra sobre as migrações que liga a emigração portuguesa à imigração para Portugal, promovida pelo Museu do Fundão, município que acolheu 17 migrantes provenientes da Eritreia, da Nigéria, do Iémen e do Sudão, resgatados pelo navio humanitário Aquárius.
Igualmente presente nesta rede estará o Museu do Salto, em Vilar Formoso, localidade por onde passaram milhares de portugueses que fugiam da ditadura em Portugal.
Para contar todas estas histórias, serão incluídos na plataforma arquivos fotográficos, objetos, malas de cartão, recolhas de memórias dos próprios migrantes, imagens das suas casas no Brasil com forte influência da arquitetura portuguesa, entre outros artigos.
Luís Castro Mendes acredita que esta plataforma vai levar mais visitantes aos espaços físicos destes museus, pois pretende-se que as diferentes mostras “tenham também uma atratividade”.
“Da mesma maneira que a rede das judiarias atraiu pessoas do mundo das comunidades judaicas para conhecerem a experiência dos judeus portugueses, por analogia, pensamos que muitas pessoas dos Estados Unidos, da França, Alemanha, Brasil, África do Sul, além do interesse em conhecer a sua terra ou a terra de origem dos seus ancestrais, terão curiosidade em conhecer o que estes núcleos fizeram para preservar a memória desse passado, dessa história”, explicou.
A título de exemplo, referiu que os lusodescendentes no Brasil, seguramente que depois de conhecerem na rede virtual a história dos poveiros [naturais da Póvoa do Varzim], que quando foram obrigados a escolher a nacionalidade portuguesa ou brasileira escolheram Portugal, poderão querer conhecer a sua história, agora que esta questão da escolha da nacionalidade já não se coloca.
O responsável do projeto, que é uma iniciativa da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, referiu que não há um limite para as peças deste espólio virtual e que dependem dos polos a que pertencem.
Em Lausana, na Suíça, o Museu da Imigração tem disponível uma coleção de malas de cartão que no seu interior têm vários objetos dos emigrantes quando deixavam Portugal e que deverão fazer parte da rede.
Neste museu também não faltarão as fotografias de Gérald Bloncourt, que contaram a vida dos emigrantes portugueses nos famosos “bidonvilles”, nos arredores de Paris.
Afastada a construção física de um museu nacional, Luís Castro Mendes garantiu que cada espaço museológico tratará os seus temas com a liberdade que cada um decidirá e, numa fase posterior, serão incluídos arquivos, mais direcionados para os investigadores.
Na visão do ex-ministro, uma mostra com esta dimensão, que estará acessível a qualquer pessoa com acesso à internet, contribuirá seguramente para o reconhecimento do tanto que Portugal deve a estas comunidades portuguesas no estrangeiro e o orgulho que deve ter nelas.
E, a esse propósito, recordou a participação política de muitos lusodescendentes, eleitos nos Estados Unidos e em França, que têm um papel importante na vida desses países, bem como os novos emigrantes portugueses que deixam Portugal, não apenas por razões económicas, mas também para poderem vivenciar outras experiências profissionais.
Esta “nova emigração portuguesa”, mais qualificada, deverá igualmente ser abordada na rede e espelhar assim a diferença entre os primeiros emigrantes portugueses, que desconheciam inclusive o que era Portugal, pois muitos apenas conheciam as suas aldeias, e os atuais, que buscam a rotatividade para aumentar o seu conhecimento e uma melhor remuneração.
A rede deverá arrancar até ao final do ano, com o apoio de fundos europeus, disse.