Todos nós conhecemos aqueles filmes para jovens em que um rapaz ou uma rapariga rebelde são despachados pelos pais para irem passar o Verão com familiares que vivem numa quinta. E depois de um período de ambientação difícil, fazem amizade com os adolescentes locais, aprendem a conhecer e a gostar da natureza e dos animais, vivem uma grande aventura, em geral envolvendo um cavalo no qual aprenderam a montar, e acabam por ter uma preciosa lição de vida, transformando-se em pessoas melhores. “O Cowboy do Asfalto”, primeira longa-metragem de Ricky Staub, pertence a esta conhecidíssima família de filmes. Só que o seu jovem protagonista não precisa de ir para o campo, apenas de mudar de cidade.

[Veja o “trailer” de “O Cowboy do Asfalto”]

Cole (Caleb McLaughlin, de “Stranger Things) tem 15 anos ew é o típico adolescente confuso e revoltado. Vive com a mãe e acaba de ser expulso do liceu por se meter em lutas. Fartinha, a mãe enfia-se com ele no carro, ruma a Filadélfia e deixa-o à porta de casa do pai, Harp (Idris Elba) que não vê há muito tempo, para que passe lá o Verão. Espantado, Cole descobre que o pai não só tem um cavalo em casa, como no bairro em que vive há vários estábulos, muitos dos moradores usam roupas e chapéus de “cowboy” e andam pelas ruas e pelos parques a cavalo como se estivessem no campo ou numa quinta. Até o polícia da zona se veste como se vivesse num rancho.

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[Veja uma entrevista com Idris Elba e Caleb McLaughlin:]

Harp e os seus vizinhos e vizinhas pertencem a uma subcultura pouco conhecida: a dos descendentes dos “cowboys” negros do velho Oeste (que chegaram a ser 25 por cento de todos os vaqueiros a trabalharem em ranchos), que quase nunca vimos nos filmes do género (entre as raríssimas excepções estão Jim Brown em “100 Armas ao Sol”, de Tom Gries, Danny Glover na minissérie “O Céu como Horizonte” ou Morgan Freeman em “Imperdoável”, de Clint Eastwood”). Estes “cowboys” urbanos nunca abandonaram o gosto pelos cavalos nem pelas tradições “western” dos seus antepassados, e o pai de Cole faz parte de um dos mais antigos grupos dos EUA, os “Cowboys de Fletcher Street”. É lá que se ambienta “O Cowboy do Asfalto”, e vários deles entram no filme em papéis secundários e a fazer figuração.

[Veja uma entrevista com o realizador Ricky Staub:]

A história de “O Cowboy do Asfalto” já foi contada centenas de vezes. Um pai e um filho há muito separados reencontram-se e, depois de várias peripécias, reconciliam-se, e o rapaz ganha juízo e consegue fugir às tentações que o rodeiam (aqui representadas por Mushu, o amigo de infância que entretanto se meteu no tráfico de droga). Ricky Staub conta-a seguindo com sobriedade todas as convenções do formato, evitando sentimentalismos, apoiando-se na masculinidade reservada e lacónica de Idris Elba, e sobretudo capitalizando no insólito contexto dos “cowboys” negros e citadinos, que acabam por funcionar como uma família de substituição para o inquieto e esquivo Cole, que até consegue domar um cavalo tão rebelde como ele.

[Veja uma cena do filme:]

“O Cowboy do Asfalto” tem, inclusivamente, um sabor de “western” contemporâneo crepuscular, e quando a polícia e a municipalidade aparecem, no final, para fechar os decrépitos estábulos do bairro e arrebanhar os cavalos, e dar lugar à maquinaria que vai construir prédios novos, é um pouco como se estivéssemos a assistir ao fim do último reduto da derradeira fronteira do velho Oeste, incrustado num canto de um bairro predominantemente negro de uma grande cidade dos EUA. E mesmo assim, os cavalos e os orgulhosos cavaleiros de Fletcher Street teimam em resistir.   

“O Cowboy do Asfalto” já está disponível na Netflix.