Demorou cerca de três horas a leitura em direto de uma decisão que já vale dezenas de reações políticas, a multiplicarem-se pelas redes sociais. A decisão de Ivo Rosa a propósito da Operação Marquês, que fez cair 25 dos 31 crimes pelos quais José Sócrates tinha sido acusado — alguns dos quais por já terem prescrito –, provocou reações indignadas um pouco por todo o espectro político. Desta vez, não se aplicou a máxima clássica — “à justiça o que é da justiça” — e as críticas apareceram, tanto no plano político e ético (dirigidas a Sócrates) como no plano judicial (o CDS viu aqui um sistema “doente”, o BE uma Justiça em “crise).

À direita, as reações assumiram uma forma mais violenta. Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS, não tardou em enviar uma nota às redações em que era taxativo, sem conseguir resistir a fazer “uma leitura política da decisão”: “Depois de tantos anos, o povo não entende esta decisão e está indignado com razão. Os valores éticos e morais de um governante não prescrevem!”.

Na mesma nota, o democrata-cristão não mostrava dúvidas em considerar que o sistema judicial está “doente” e anunciar que o CDS contribuirá para o tornar “rápido, previsível e forte com os fortes”, evitando que “a culpa não morra solteira”. Mas deste lado o julgamento ficou feito: Sócrates “vivia muito acima do razoável ao mesmo tempo que levou o país à bancarrota, revelando um desprezo total pelas condições de vida da generalidade dos portugueses que tiveram de sofrer com os abusos da sua governação”.

PSD reúne-se para analisar, Ventura está “violentamente indignado”

Também à direita, André Ventura recorreu rapidamente ao Twitter para se dizer “tremendamente” e violentamente indignado”, antes de acrescentar que este será um “tempo para lutar”. Na Iniciativa Liberal, o ex-líder, Carlos Guimarães Pinto, perguntou no Twitter: ““Quanto é que vamos ter que pagar de indemnização a José Sócrates e Ricardo Salgado?”. Tiago Mayan Gonçalves, o candidato apoiado pelo partido nas presidenciais de janeiro, declarou na mesma rede social que “a ética não prescreve”, presumivelmente em referência aos indícios de corrupção que Ivo Rosa admitiu existirem, mas em crimes que já prescreveram.

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Entretanto, o partido publicou uma posição oficial no Facebook em que considera que esta sexta-feira “a democracia ficou mais frágil”.

https://www.facebook.com/282717852317261/posts/820807848508256/?d=n

No PSD a reação não foi, para já, oficial, mas apenas porque a direção do partido decidiu marcar uma reunião da Comissão Permanente para analisar o assunto, este sábado à tarde. Entretanto, algumas figuras do partido comentaram a decisão. Foi o caso de Miguel Poiares Maduro, que ironizou com essa prescrição e também com a não pronúncia por fraude fiscal por o dinheiro em causa não ter de ser declarado ao fisco, concluindo: “O direito tem de fazer um mínimo de sentido para continuar a ser legítimo perante o povo…”. Pouco depois, o deputado e vereador no Porto Álvaro Almeida comparava Sócrates ao mítico chefe da máfia: “Al Capone também só foi condenado por fraude fiscal…”.

BE vê sistema em “crise”, Ana Gomes um “ataque à democracia”

Do lado esquerdo do espetro político, o PCP confirmou ao Observador que não irá reagir ao caso, mas o Bloco de Esquerda optou por fazê-lo. No Twitter, Catarina Martins levantou dúvidas sobre o processo e diagnosticou um sistema em “crise”, garantindo que a decisão “expõe grandes fragilidades que põem em crise o funcionamento da Justiça”. Para a bloquista, atendendo à decisão sobre os crimes de corrupção, ficam no ar questões sobre “os prazos de prescrição dos crimes de corrupção” e a urgência de criminalizar o enriquecimento injustificado, uma proposta que o BE já apresentou no passado e continua a defender.

No PS o clima foi sobretudo de silêncio. António Costa, questionado pelos jornalistas à saída do velório de Jorge Coelho, disse apenas nada ter a acrescentar ao que disse sobre o caso em 2014. Quando Sócrates foi detido, nesse ano, Costa enviou uma SMS aos militantes para que não misturassem “amizades pessoais” com a “ação política” do PS; depois, quando visitou Sócrates na prisão, defendeu que o sistema pudesse funcionar normalmente e considerou que o “lutador” Sócrates estaria a “lutar pela sua verdade”. As relações entre os dois, e entre Sócrates (que acabaria por se desfiliar) e o PS, esfriavam irremediavelmente.

Quem decidiu comentar a decisão foi Ana Gomes, a socialista que foi candidata presidencial em janeiro sem o apoio do partido, e que ao Observador se assumiu “extremamente preocupada com o arraso do Ministério Público” na decisão de Ivo Rosa, temendo o “impacto do caso” na “descrença” dos cidadãos.

“A discrepância entre a interpretação dos factos que faz o Ministério Público e a interpretação dos factos que faz o juiz detalhadamente são de modo a deixar os cidadãos absolutamente inquietos sobre o estado de funcionamento da nossa justiça“, disse a diplomata. “Isto é atacar a democracia. Se a justiça tem estas disfuncionalidades, isto é um incentivo à impunidade”. À esquerda e à direita, por razões mais políticas, éticas ou jurídicas, ninguém se mostra satisfeito — nem descansado — com a decisão desta sexta-feira e com os seus efeitos futuros.