O tribunal condenou esta sexta-feira a 10 anos de prisão efetiva o ex-presidente do Banco Privado Português (BPP) João Rendeiro, segundo a leitura da sentença no Campus de Justiça, em Lisboa.

O tribunal condenou ainda Salvador Fezas Vital a nove anos e seis meses de prisão, Paulo Guichard a também nove anos e seis meses de prisão e Fernando Lima a seis anos de prisão.

Segundo a juíza, os arguidos são “condenados de forma exemplar e expressiva porque os factos que praticaram são graves” e a comunidade não entenderia que assim não fosse.

Rendeiro e outros ex-administradores do BPP estavam acusados de crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificado e branqueamento de capitais por factos que ocorreram entre 2003 e 2008 na sequência de se terem atribuído prémios e apropriado de dinheiro do banco de forma indevida.

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O tribunal deu como provado que os arguidos João Rendeiro, Fezas Vital, Paulo Guichard e Fernando Lima retiraram, no total, 31,280 milhões de euros para a sua esfera pessoal. Do valor total, mais de 28 milhões de euros foram retirados entre 2005 e 2008.

João Rendeiro: “Se alguém está preocupado com a minha fortuna, está preocupado com a coisa errada”

João Rendeiro retirou do banco para si 13,613 milhões de euros, Salvador Fezas Vital 7,770 milhões de euros, António Paulo Guichard 7,703 milhões de euros e Fernando Lima 2,193 milhões de euros.

“Decisão não corresponde ao que passou em audiência de julgamento”, diz advogada

A advogada de João Rendeiro considerou que a pena de 10 anos de prisão efetiva a que o ex-presidente do BPP foi condenado não corresponde ao que se passou durante o julgamento, não indicando se vai recorrer.

“Entendemos que é uma decisão que não corresponde de todo em tudo aquilo que se passou em audiência de julgamento”, referiu aos jornalistas a advogada Joana Almeida, no final da sessão em que o coletivo de juízes leu o acórdão que condenou João Rendeiro.

Perante a decisão do coletivo de juízes, presidido pela juíza Tânia Loureiro Gomes, Joana Almeida afirmou que “vai conferenciar com o seu cliente”, quando questionada se vai recorrer da decisão.

O ex-banqueiro não esteve presente na sessão de leitura do acórdão, dispensado por ter feito uma cirurgia.

Apesar do motivo para não estar presente, a juíza disse que o facto de Rendeiro só ter estado na audiência no momento de prestar declarações é reflexo da sua personalidade. Tânia Loureiro Gomes considerou que João Rendeiro “não possui sentido de autocrítica nem de autocensura” face aos factos que praticou e mantém uma “postura de arrogância”, “não demonstrando arrependimento”.

Também o ex-administrador Paulo Guichard não esteve na leitura do acórdão, por se encontrar no Brasil, tendo a juíza considerado que a sua ausência no julgamento demonstra uma “total desvalorização” dos atos cometidos.

Na leitura do acórdão, a juíza referiu que os crimes praticados por estes ex-gestores causam alarme na comunidade.

No caso dos crimes de fraude fiscal, o tribunal teve em conta que “o cidadão cumpridor dos seus deveres fiscais espera dos demais membros da comunidade que contribuam para o mesmo desiderato e o façam na proporção dos seus rendimentos”.

Também em relação ao crime de abuso de confiança a juíza referiu que o tribunal não pode ser alheio ao alarme social que tal conduta provoca na comunidade e na confiança no sistema financeiro.

Quanto a outros ex-responsáveis do BPP que também eram arguidos neste processo, o tribunal decidiu em relação a Mário Sampaio da Silva condenar a pena suspensa de dois anos de prisão e à entrega no prazo de dois anos de 50 mil euros à Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso. Quanto a João Ramalho, não foram provados os factos imputados de coautoria de branqueamento de capitais.

A juíza demorou cerca de hora e meia a ler a súmula do acórdão que condena os ex-gestores e que, segundo disse, tem mais de 400 páginas.

O pedido de indemnização civil do Ministério Público em nome do Estado português foi “parcialmente procedente”, mas a juíza não indicou o valor, já o pedido de indemnização do BPP (em liquidação) de 29 milhões de euros aos arguidos Rendeiro, Fezas Vital e Guichard foi “totalmente procedente”.

Os bens arrestados, incluindo quatro imóveis de João Rendeiro, são perdidos a favor do Estado.

Os outros processos: falsidade informática e Privado Financeira

No âmbito do caso BPP, João Rendeiro já estava condenado a cinco anos e oito meses de prisão efetiva por crimes de falsidade informática. Também outros administradores foram condenados.

O processo de fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais do BPP, de que foi lido acórdão, foi extraído do primeiro megaprocesso de falsidade informática.

O processo de falsidade informática e falsidade de contabilidade está a ser avaliado pelo Tribunal Constitucional. No âmbito deste processo, João Rendeiro foi condenado, em julho de 2020, a cinco anos e 8 meses de prisão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pela alegada falsificação de contabilidade do BPP. Em causa, está um esquema de ocultação de condições de venda de produtos bancários aos revisores de contas e ao Banco de Portugal.

João Rendeiro arrisca-se a ser preso após nova derrota no Supremo Tribunal de Justiça

Depois de ver o seu recurso rejeitado pelo Supremo Tribunal de Justiça, João Rendeiro recorreu para o Tribunal Constitucional, o último recurso a que tem direito antes de ter de cumprir a pena de prisão.

Além disso, João Rendeiro, tal como Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital, tem ainda outro processo a aguardar decisão final: o caso Privado Financeiro. Neste processo, os ex-administradores do BPP foram acusados de burla qualificada pelo Ministério Público, estando em causa um prejuízo de 40 milhões de euros provocado a 100 investidores. Numa fase inicial, Rendeiro foi absolvido, tendo o Ministério Público recorrido para a Relação de Lisboa, aguardando-se ainda a decisão.