A pianista Joana Sá e o guitarrista Luís José Martins estreiam em setembro um projeto cultural com o qual querem reinventar práticas artísticas e chamar a atenção para um território em pleno Parque Natural da Serra da Estrela.

O projeto está a ser desenvolvido há mais de um ano, chama-se “À Escuta – Catálogo Poético”, apresenta-se de 3 a 6 de setembro e tem o epicentro em Frádigas, uma aldeia “no interior do interior” do país, como explicaram os dois músicos à agência Lusa.

Este projeto é uma primeira experiência de fazer alguma coisa a partir de cá, que pudesse trazer a criação artística contemporânea como potencial motor de desenvolvimento. É um bocadinho uma utopia que estamos a tentar fazer”, afirmou Joana Sá.

A pianista, de 41 anos, e o guitarrista, de 43, são de Lisboa, têm um percurso individual e em duo na música contemporânea e uma ligação “emocional muito forte” a Frádigas, a aldeia “perdida no meio da serra”, onde nasceu o pai de Luís José Martins, e onde ambos têm passado temporadas.

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“Todos os anos vemos que isto tem muitos problemas. Apesar de ser uma região belíssima, todos os anos falávamos de coisas que tínhamos vontade de fazer e todos os anos voltávamos [para casa] e não fazíamos nada”, contou a pianista.

Entre os problemas nomeados está a desertificação: a aldeia tem 16 habitantes e, segundo os dados preliminares dos Censos, a freguesia perdeu 25,2% da população. Há ainda questões ambientais, com a monocultura florestal de pinheiro-bravo e o risco elevado de incêndios.

“A proposta que fizemos foi tentar pensar sobre estas problemáticas numa perspetiva artística, cruzando saberes e práticas de cada um e, quem sabe, mudar alguma coisa, ou ser um ponto de partida para a mudança”, explicou Luís José Martins.

“À Escuta – Catálogo Poético”, que envolve vários parceiros locais, consiste na apresentação ‘in loco’ de instalações artísticas, de concertos solo de Joana Sá e de Luís José Martins, de passeios interpretativos e uma assembleia aberta à comunidade para discutir o próprio projeto.

“Vai haver uma série de instalações artísticas pensadas como um percurso à volta da aldeia. [Quem vier] pode experienciar a aldeia e a envolvente de uma forma diferente. Pensámos isto como se fosse uma obra fragmentada, um catálogo com fragmentos dispersos pela montanha e que as pessoas têm de se deslocar à procura deles”, afirmaram ambos.

Esse catálogo poético fragmentado foi criado na comunidade, a partir de recolhas feitas com os habitantes mais velhos da aldeia, com estudantes da região e mergulhados na natureza. “Há esta ideia de estar à escuta do outro, da relação com o outro, das pessoas e das realidades que estão fora dos perímetros urbanos e das formas de pensar mais comuns”, definiu Joana Sá.

O guitarrista admite que tanto ele como Joana Sá chegaram a um ponto da vida em que queriam reformular práticas artísticas, sair daquela lógica de “faz-se um disco, apresenta-se o disco, faz-se uma ‘tour'”. Estar em Frádigas “tem sido uma experiência que nos muda”.

O casal de músicos fala com entusiasmo de “uma série de agentes locais e artistas na região a fazerem coisas muito interessantes” e que se juntam a este projeto.

O “À Escuta – Catálogo Poético” envolve, por exemplo, o Centro de Interpretação da Serra da Estrela, o Conservatório de Música de Seia, o Miso Music Portugal, a Liga dos Amigos de Frádigas, a Rede das Aldeias de Montanha e a candidatura de Guarda a Capital Europeia da Cultura 2027.

Luís José Martins e Joana Sá querem que este projeto seja bienal e maleável. “Esta primeira edição tem formato de instalação e de percursos, mas não quer dizer que seja mesmo daqui a dois anos”, disseram.

Joana Sá e Luís José Martins têm seguido caminhos paralelos na música instrumental contemporânea portuguesa, e colaborado em projetos como Almost a Song, Power Trio e Turbamulta. Na adolescência, Joana Sá fez parte dos Pinhead Society e Luís José Martins foi um dos fundadores dos Deolinda.