O Irão revalidou o título paralímpico em voleibol sentado, o que significa a sétima medalha de ouro para o país na modalidade desde 1988, tendo conseguido “apenas” a prata em Sidney 2000 e Londres 2012, ficando atrás da grande rival da modalidade, a Bósnia. Para a recente vitória em Tóquio, tal como tinha acontecido no Rio de Janeiro em 2016, muito contribuiu um atleta muito especial chamado Morteza Mehrzadselajkani. Ou Mehrzad, como também é conhecido para facilitar.

Desta vez, em solo nipónico, a Bósnia caiu nas meias-finais, claro que frente aos iranianos, ou não fosse esta uma rivalidade absolutamente épica da modalidade, e foi o Comité Paralímpico da Rússia a chegar à final contra o Irão. Os russos perderam, mas foram a única equipa em todo o torneio a conseguir ganhar um set aos revalidados campeões paralímpicos. E se voltamos aos campeões, voltamos a Mehrzad, que na final registou 25 spikes (remates para ponto), dois blocos e um ás (serviço que dá ponto imediatamente). Somando tudo, o iraniano de 33 anos apontou 28 pontos na final. Um grande craque e um craque grande. É que Mehrzad mede 2,46 metros o que, claro, mesmo num desporto em que os atletas estão sentados, faz alguma diferença, com várias equipas, como a norte-americana, a admitir em 2016 mudanças nos seus treinos para se adaptar ao gigante iraniano.

Mehrzad é efetivamente um dos homens mais altos do mundo, mais concretamente o segundo, apenas atrás de Sultan Kösen, turco que mede 2,51 metros. Assim, o iraniano é, sem grande surpresa, o atleta mais alto de sempre a participar nuns Jogos Paralímpicos. Mas desengane-se quem pensa que muitos dos títulos iranianos que estão para trás já têm mão, literalmente, de Mehrzad, porque este começou apenas a jogar voleibol sentado seis meses antes do Rio 2016. E foi nessa altura que a sua vida mudou completamente, para melhor.

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O atleta falou aos jornalistas após o clássico frente à Bósnia e, citado pela CNN, confirmou a mudança que o desporto operou nos seus dias: “Antes de começar a jogar voleibol sentado estava em casa porque tinha vergonha da minha altura. Depois de estar no programa de televisão, o programa de voleibol sentado perguntou-me se queria juntar-me e foi mágico. Mudou muito a minha vida”.

O tal programa de televisão era então apresentado por Muhammad Ali Dahestani, que num espaço sobre desporto e incapacidades ou problemas físicos, mostrou o atleta de 2,46 metros ao país e ao mundo. Do outro lado, em frente à televisão, acabou por estar Hadi Rezaei, selecionador nacional do Irão da modalidade, que viu o potencial de Mehrzad. Depois de treinar em alguns clubes regionais, chegou à seleção nacional em março de 2016, para ser preparado para o Rio de Janeiro. Na altura, o selecionador disse que o jogador estava a ser “preparado para fazer história e ser o melhor do mundo em dois anos”. “Ele era considerado um homem estranho e agora pode ser um campeão”, acrescentou então.

A verdade é que os anos passaram e entre Jogos Paralímpicos o Irão foi somando títulos, desde logo o Mundial de 2018, na Holanda, um título que não era iraniano desde 2000. A final? Claro, frente à Bósnia, campeã em título nesse ano. Com Mehrzad, o Irão não deu chances e venceu por 3-0.

Como é passível de se imaginar, a altura do iraniano provém de uma condição médica, neste caso chamada acromegalia, que consiste na produção excessiva de hormonas de crescimento. A juntar a isto, quando era adolescente (aos 16 anos já media 1,90 metros), uma queda de bicicleta e uma fratura da pélvis fez com a perna direita parasse de crescer, tendo atualmente menos 15 centímetros do que a esquerda. Por isso, Mehrzad tem dificuldades em movimentar-se, fazendo-o normalmente de muletas ou cadeira de rodas.

O iraniano, no entanto, não gosta dos holofotes e é um verdadeiro jogador de equipa. “Sou apenas mais alto que os outros membros da equipa, mas toda a equipa é importante porque cada um cumpre o seu papel da melhor maneira. Sou só mais um membro e tento jogador da melhor forma. Sim, a minha situação física é muito importante para o voleibol sentado, mas estou apenas a usar o meu potencial”, referiu já este ano. O potencial é enorme, visto que num desporto em que a rede está apenas a 1,15 metros do chão, conseguir ter spikes da altura de 2,30 tem a sua vantagem…

Já em 2016 a CNN apontava um futuro que não augurava nada de bom para o atleta e para a sua saúde, na medida em que um estudo da altura mostrava o risco elevado de cancro e doenças cardiovasculares em pessoas com a condição do iraniano. Dizia ainda que as pessoas com acromegalia têm mais hipóteses de uma morte precoce.

Estas contas, contudo, não entram nas palavras de Mehrzad, que à televisão iraniana admitiu que antes de entrar no desporto se sentia “sozinho e deprimido”. “Mas a minha vida mudou desde que comecei a jogar voleibol sentado e me tornei atleta paralímpico”, afirmou. “Devido à minha condição estava muito deprimido. Sentia-me numa prisão e tinha medo de ir à rua devido à minha aparência. Nunca imaginei este futuro para mim. O voleibol sentado teve um impacto imenso na minha vida”, frisou.

“É só fazer boom, boom, boom com as suas longas mãos”, disse uma vez o tal apresentador do programa de TV em que Mehrzad foi descoberto. E não estará muito longe da verdade, como ainda hoje se vê.