O número final dos cadernos eleitorais apontava para um total de 115.681 associados que poderiam votar no sufrágio do Benfica apenas um ano depois de Luís Filipe Vieira ter sido reeleito para um sexto mandato com cerca de 62,5%. Talvez por isso e pela forte adesão em 2020, ainda não eram 6h da manhã quando os primeiros associados começaram a chegar ao Pavilhão número 2 da Luz. Não foram os primeiros a votar, com essa “honra” a pertencer ao presidente da Mesa, António Pires Andrade, mas despacharam-se cedo evitando aquilo que acabou por nunca acontecer. E essa foi uma das principais notas do dia.

Eleições do Benfica. Vieira já votou e disse que “nunca roubou nem lesou” o clube, barreira dos 40 mil já foi superada

Apesar da adesão massiva de associados sobretudo à zona do Estádio, onde se concentram 40% a 50% dos votos desde que o sistema passou a ser descentralizado (neste caso por 24 Casas de Portugal continental, com arquipélagos e residentes no estrangeiro a poderem votar pela internet), o tempo de espera só por um instante, de manhã, ultrapassou ligeiramente a meia hora, uma clara evolução em relação ao que se tinha passado em 2020 quando alguns associados chegaram a estar quase três horas para votar entre as três voltas que a fila dava ao Estádio. Aqui, dois fatores acabaram por ser determinantes: por um lado, o facto de ser uma eleição a um sábado, que fez com que com cinco horas de urnas abertas existissem cerca de 6.000 votantes a mais do que no período homólogo no ano passado; por outro, a questão do voto físico.

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Assim, e apesar do ligeiro abrandamento registado nas últimas horas, o recorde da maior votação de sempre (38.102) acabou por ser superado ainda a uma hora e meia do fecho das urnas, reforçando esse estatuto de sufrágio com maior participação de sempre a nível de clubes nacionais (numa comparação que acaba por ser sempre enviesada, na medida em que todos os outros não avançaram ainda para uma solução como a dos encarnados a nível de descentralização de voto). Aliás, e olhando para o que se passa a nível europeu, existiu apenas uma eleição que ultrapassou a barreira dos 40.000 participantes: a do Barcelona, quando Joan Laporta foi agora eleito, com um número a rondar os 55.000 participantes.

O quase “lema” do dia, o “rumo ao 38”, acabou em título e na casa dos 40 (40.115), num dia que confirmou a diferença que é haver atos eleitorais durante a semana, como em 2020, e ao fim de semana. E foi também por isso que quase todas as Casas bateram o seu recorde pessoal de votações que vinha do ano passado. De resto, e entre um ambiente particularmente sereno (bem mais do que em 2020, onde foram notórios ao longo do dia alguns focos de tensão entre apoiantes de Vieira e de Noronha Lopes), sobraram também algumas histórias que deram outra vida a esta eleição. Com vários intérpretes, de várias formas.

“Admito que não gosto de vir a esta hora votar”, admitiu Toni, velha glória do clube como jogador e técnico campeão, numa conversa com a BTV ao final da tarde. “Bem, primeiro não podia deixar de vir votar, lá em casa já estavam a dizer que vinha nem que fosse de ambulância, mas acordei com a voz rouca e tinha tosse, fiz logo um teste à Covid-19. Deu negativo e assim vim, sem prejudicar outros. Mas nunca o faço a esta hora”, explicou antes de fazer vários elogios a Rui Costa, “um apanha-bolas que passou a jogar, que teve uma grande carreira e que é candidato a presidente”, e também uma palavra para Franciso Benítez, que não conhece pessoalmente mas que descreveu como mais um benfiquista que sofre pelo clube. Tudo pela mensagem final que queria deixar: “Que o Benfica depois das eleições seja um clube só”.

Outro dos discursos mais emocionados foi o de Manuel Vilarinho, que votou também da parte da tarde. “Veio-me uma lágrima ao olho. A família benfiquista é boa. Em períodos de crise, penso que antigos dirigentes e quem não faz parte do clube, em termos de organização e gestão, não deviam falar tanto à imprensa. Não adianta nada, só atrasam e quem sofre é o Benfica”, disse de forma sentida à BTV, naquela que foi uma das figuras mais saudadas no Pavilhão da Luz durante a sua passagem para votar. Também Fernando Seara, ao recordar a importância do pai numa das modalidades de pavilhão, saiu emocionado.

O dia começou com vários elementos da equipa de futebol a votarem na Luz, a começar por Jorge Jesus e Rui Pedro Braz, passando depois por Pizzi, André Almeida, Luisão, Weigl, Diogo Gonçalves, Taarabt ou Seferovic, entre outros. Em paralelo, várias personalidades de diferentes quadrantes da sociedade foram votando, bem como atuais e antigos dirigentes, à exceção de Domingos Soares de Oliveira, que optou por exercer o seu direito de voto em Grândola. Rui Costa e Fernando Benítez votaram com pouco mais de meia hora de diferença à hora de almoço, sendo que o grande momento do dia aconteceria sobretudo a partir das 15h, quando Luís Filipe Vieira regressou ao Estádio da Luz três meses depois de ter sido detido.

Entrando pela porta 5, uma porta mais restrita e que impediu grandes aglomerados, o antigo presidente dos encarnados foi sendo saudado por vários associados e funcionários que estavam dentro do Pavilhão da Luz, tendo apenas um crítico quando já se preparava para falar à BTV. “Ainda tens a lata de cá vir? És uma vergonha”, atirou o sócio. “Lata? Deve ser mas é cego”, respondeu Vieira, antes de um discurso que parecia estar preso há três meses onde se mostrou inocente de todas as acusações, falou num “Benfica decapitado”, referiu que se sentia quase “uma peça de caça a quem querem dar um tiro” e admitiu que teve algumas desilusões em relação a algumas pessoas ligadas ao clube, sem ter mencionado qualquer nome.

Quando todos esperavam a saída pela porta por onde tinham passado todos os votantes, e numa fase em que a polícia tinha reforçado a segurança na zona dos jornalistas exatamente pelas críticas mais acesas que alguns sócios faziam pelo tratamento a Luís Filipe Vieira, o antigo presidente saiu por uma outra porta direto para o seu Porsche, tendo sido apanhado pelas câmaras da CMTV. “Não vou fazer mais comentários”, disse aos microfones da CMTV quando se preparava para entrar no carro. “Volto sempre à Luz quando quiser e viu-se pela manifestação que tive. Se recebi carinho? De todos, só um é que me chamou nomes mas também levou logo resposta. Agora já falei um bocado mas vai haver uma altura em que vou dizer tudo aos sócios e adeptos do Benfica. Em quem votei? No Rui Costa, logicamente…”, comentou depois entre uma conversa com um amigo que o foi cumprimentar pelo vidro.

Foi essa frase que originou de imediato uma queixa por parte do movimento Servir o Benfica, que está na génese da lista de Francisco Benítez, por ter sido violado o artigo 30.º do Regulamento Eleitoral que prevê que não sejam feitos comentários públicos sobre a intenção de voto, algo que o líder da Mesa, António Pires Andrade, disse desconhecer por estar nessa altura “fora, a almoçar”. Mais tarde, a lista B, através do seu mandatário, João Leite, falou de quebras de regras que se foram verificando nas Casas.

“Foi dito que os delegados teriam direito a participar em todos os momentos do processo de votação e nesse processo o que envolve é a identificação do nome de sócios e números que lhes são atribuídos. Os delegados não tiveram oportunidade de recolher esses dados para confrontar com os dados oficiais que serão divulgados. Isto aconteceu na maioria das Casas, não em todas. Houve Casas que não obedeceram às ordens do Benfica de última hora para que essa recolha não fosse feita. Houve dois regulamentos em várias casas e isso será reportado formalmente”, destacou o mandatário da lista B de Francisco Benítez.