São cada vez mais as peças de arte a serem vendidas no mercado digital através de NFT — sigla para “Non-fungible token” (numa tradução livre, ficheiro infungível, e algo único) ou imagem digital encriptada. A partir de dezembro, também a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa passará a fazê-lo: peças de arte do espólio com mais de 500 anos, como relíquias, pinturas, artefactos vão estar disponíveis no mercado como NFT.
O anúncio foi feito num dos palcos da Web Summit pelo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho, que lembrou que a Santa Casa tem uma coleção “muito relevante” de arte. “A ideia é progressivamente ir para diferentes categorias. Uma é a pintura, com peças que recuam até ao século XVI, por exemplo. [Temos peças de] escolas importantes, autores e especialmente assuntos importantes. Também temos uma coleção enorme de jóias, artefactos de diferentes eras”, explicou. Outra intenção da Santa Casa é a disponibilização de peças com um “peso emocional”. “Temos uma das coleções mais importantes, de mais de 400 relíquias. A ideia é torná-las acessíveis a maior número possível de pessoas. Queremos que esse valor emocional seja partilhado com toda a gente”.
Esta é uma oportunidade única não apenas para mostrar o nosso trabalho e a nossa herança artística, mas também abri-la ao mundo e torná-la conhecida. Fazer com que as pessoas saibam a riqueza que temos. É por isso que achamos que o nosso museu e a nossa coleção de arte representam uma oportunidade muito importante de nos abrirmos ao mundo, é um passo enorme para nós”, disse Edmundo Martinho.
Mas o que são, afinal, os NFT? Como o Observador já explicou (e aqui), os NFT são uma espécie de documentos digitais vendidos maioritariamente através de criptomoedas, que, em alguns casos, têm atingido preços milionários na moeda comum. Por exemplo, em março deste ano, um quadro feito no mundo virtual pelo artista Beeple foi vendido por 69,4 milhões de dólares (58,4 milhões de euros). A moda manteve-se e são cada vez mais as peças de arte digital a serem vendidas segundo esta tecnologia. Os NFT conferem uma espécie de autenticidade às peças, tornando-as insubstituíveis (pelo menos, é essa intenção).
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Com a entrada no mercado dos NFT, a ideia da Santa Casa é também abrir a porta da arte a “artistas diferentes, que não têm acesso aos canais normais”. “Fizemos uma parceria com um grupo em Portugal composto por artistas com doença mental, ativa ou controlada”, diz Edmundo Martinho. E a grupos subrepresentados, a refugiados. “Queremos que seja a casa deles porque este é o nosso propósito.”
A plataforma, que só vai aceitar pagamento em criptomoeda, vai chamar-se Artentik e, segundo um comunicado, vai estar disponível a partir de 1 de dezembro. As primeiras 13 peças “estão relacionadas com as temáticas de São Francisco Xavier e da Natividade; peças únicas de incomensurável valor e simbolismo”, refere o mesmo comunicado. A ideia é também diversificar as fontes de receitas da instituição.
A plataforma estará também disponível para artistas e instituições portuguesas que queiram vender a sua arte do mercado digital dos NFT, desde que o façam “por causas alinhadas com a Missão da Misericórdia de Lisboa”.
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Há quem alugue NFT. “Estou a ver inovação que nunca pensei ser possível”
Fernando Martinho, co-fundador e CEO da Unicorn.win — um mercado digital de arte em NFT —, ajuda a entender melhor como funcionam estes ficheiros ao apontar as três características que considera mais relevantes: a descentralização (“não precisamos de ninguém a controlar”); a “imutabilidade” (“assim que entra na blockchain não pode ser alterado”); e a transparência (“pode ser verificado por toda a gente”).
A Unicorn.win, segundo Fernando Martinho, associa os “ativos digitais” aos físicos. Como? “Por exemplo, temos um quadro do Picasso. Digitalizamo-lo e durante o leilão é vendido o item físico e a sua versão virtual. Cabe ao comprador monetizá-lo”, observa. Há até quem “alugue” o NFT a outros negócios. “Estou a ver inovação que nunca pensei ser possível”, afirmou.
Por sua vez, Pauline Foessel, fundadora e diretora da Artpool, outra plataforma que faz a “ponte” entre o mundo digital e o físico, e junta os entusiastas de arte e colecionadores aos artistas, apelida o ecossistema dos NFT como uma “galáxia”. De um lado está o mercado — as leiloeiras, colecionadores —, do outro o mundo dos museus, os curadores. No meio estão os artistas.
Com experiência na angariação de fundos, Pauline Foessel sabe como a tarefa é difícil para os museus. “O objetivo principal dos museus e dos curadores é o dinheiro, como angariar fundos e financiar as atividades deles e dos artistas. Já tentei tudo o possível, é muito difícil”. Foessel considera, por isso, que os artistas podem beneficiar dos NFT ao conseguirem uma “remuneração online”, num mundo onde os artistas estão “habituados”a serem copiados online.