NFT é a sigla para “Non-fungible token” (algo como ficheiro infungível, em português). Confuso? Provavelmente, vai ficar mais, quando dissermos que por detrás deste conceito está uma das mais recentes modas que a internet criou: vender arte digital que é, teoricamente, única. O conceito está assente em blockchain, a tecnologia que está por detrás das criptomoedas, e atrai leiloeiras como a Christie’s ou o criador do Twitter, Jack Dorsey, que está a leiloar o seu primeiro tweet em NFT por 2,5 milhões de dólares (cerca de 2,1 milhões de euros).

Como qualquer novo conceito digital, ainda por cima ligado a bitcoins, é normal não perceber o que este fenómeno é. Em quatro perguntas, explicamos o que são os NFT e porque é que atraem milhões de euros.

O que é que um NFT? Um ficheiro digital insubstituível

Como contámos acima, NFT é a sigla utilizada para “Non-fungible token“. Por isso, uma tradução à letra em português seria algo como “ficheiro infungível”. Contudo, para compreender melhor estas siglas convém perceber o conceito de “token” e de “non-fungible“, que traduzimos como “ficheiro” e “infungível”, respetivamente.

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Um “token” é uma palavra que pode também significar “símbolo” ou “ficha”, em português. Ou seja, algo específico que pode representar algo a ser trocado e, por isso, tem valor. Em inglês, como explica o Cambridge Dictionary, um “token” é também o nome dado a fichas de plástico que se utilizam, por exemplo, em divertimentos de feiras. Neste caso dos NFT, utilizamos o termo “ficheiro” no sentido de ficheiro digital, ou “token digital”

Além disso, temos o conceito chave que torna os NFT valiosos, o conceito de “non-fungible“. Em português é algo como “não fungível”, mas que traduzimos pelo termo correto de “infungível”. Uma coisa fungível é algo que, como explica o dicionário da Priberam, “que se gasta ou consome com o uso ou primeiro uso”. O termo é muito utilizado em Direito. Como explica o lexionário do Diário da República Eletrónico, “quando o Direito considera as coisas de acordo com o seu género e apenas pela sua qualidade e quantidade, encontramo-nos perante coisas fungíveis“.

Descodificando o juridiquês, pode dizer-se que algo fungível é uma coisa substituível. Assim, algo “não fungível”, ou infugível, é algo insubstituível. Por exemplo, uma barra de ouro pode ser trocada por outra barra de ouro com o mesmo peso e propriedades. Já um quadro como a Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, só há um original.

Resumindo, um NFT é um ficheiro digital insubstituível. Ou, pelo menos, é assim que quem os cria quer que sejam.

Como funcionam os NFT?

Os NFT têm por base a tecnologia blockchain, o mesmo protocolo de transação na internet que está por detrás das criptomoedas. O que é o blockchain dava outro artigo tão grande como este. Se ainda não conhece o conceito, na caixa abaixo deixamos um resumo. Em suma: esta tecnologia permite criar digitalmente transações virtuais que não podem ser corrompíveis. Pegando nesta ideia, houve quem começasse a utilizar estes ficheiros para criar arte digital única.

O que é blockchain?

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O blockchain é uma estrutura de dados que regista transações virtuais. Cada transferência tem um código associado que permite que não seja alterada. Por não funcionar num só sistema único e ser compartilhado em rede numa base de dados a que todos podem aceder, permite saber que transações são feitas. É devido a esta tecnologia que surgiram as criptomoedas, como as Bitcoins. Ao registar os movimentos feitos por ser de acesso público, dá aos utilizadores confiança de que os resultados não são adulterados.

O nome significa “cadeia de blocos”, referente aos blocos de informação criados, que se interliga com outros automaticamente, para tornar o sistema fiável. A tecnologia permite a dois utilizadores fazerem transações sem intermediação de terceiros.

Por causa disso, a maioria dos NFT usa a plataforma Ethereum. Apesar de parecer esquisito, pode até já ter ouvido este nome: esta é a plataforma que está por detrás da ether, atualmente, a segunda criptomoeda mais valiosa, logo atrás da bitcoin. A tecnologia Ethereum, que foi criada para contratos inteligentes, tem tido apoio de empresas como a Microsoft ou consultoras como a EY.

Dois passos andados e, há uns anos — desde 2017, pelo menos, como noticiou a Quartz —, houve quem utilizasse a plataforma para criar conteúdos digitais únicos. Além da Ethereum, outras tecnologias de blockchain, como a Flow, têm sido utilizadas com o mesmo princípio: criar ficheiros digitais únicos não copiáveis nessa rede.

Assim, surgiram os NFT: com pessoas a utilizar estas plataformas para registar nas redes imagens como quadros, Gifs e até tweets. Sendo infungíveis, não podem ser replicadas na plataforma. Ficam lá para sempre, teoricamente.

Mas se é digital não é fácil de copiar?

Na internet praticamente tudo é copiável. Seja de forma legal ou ilegal, ao descarregar-se um ficheiro digital — uma imagem ou vídeo, por exemplo –, cria-se uma cópia deste. Contudo, um NFT não pode ser copiável na mesma rede. Peguemos no exemplo do quadro da Mona Lisa. Se alguém quiser pode descarregar uma cópia da obra de arte e imprimir exatamente no mesmo formato. Réplicas com muito detalhe podem chegar a valer bastante dinheiro, como conta a CNN. Contudo, por mais parecidas que sejam, não são a Mona Lisa que está no Museu Louvre, em Paris.

Com os NFT acontece o mesmo. Uma imagem como a que ilustra este artigo, do famoso GIF do Nyan Cat, de Chris Torres, é facilmente copiável. Exemplo disso é a mesma estar no topo deste artigo, quando o GIF em formato NFT original foi vendido por 590 mil dólares (cerca de meio milhão de euros), em fevereiro deste ano.

Como conta o The Verge, por norma, e sendo vendida pelos criadores, quem adquire o NFT de uma imagem ou vídeo também ganha direitos para poder publicar a fotografia onde quiser. Mas atenção, nem sempre é o caso. Há quem compre o NFT de uma imagem e não ganhe os direitos de autor. Apenas fica o tal ficheiro digital infungível. Por isso, o mesmo jornal de tecnologia relembra que quem compra uma destas obras digitais também adquire “bragging rights” (algo “direito a gabar-se”, em português). Se fosse dono do quadro original da Mona Lisa ia gostar de se gabar sobre isso, não é verdade?

Qual foi o NFT mais caro até agora vendido?

Foi uma “colagem digital” do artista Beeple pelo valor de 69,4 milhões de dólares (58,4 milhões de euros). O recorde foi batido no final da semana através de uma venda promovida pela famosa leiloeira britânica Christie’s e, como escreveu a Lusa, foi um “valor recorde para valor recorde para obras não físicas”.

Obra de arte digital vendida em leilão por valor recorde de 58,4 milhões de euros

Antes de se torcer o nariz quanto ao valor avultado desta venda, convém lembrar que há quem gaste milhares de euros em conteúdos digitais que só funcionam em videojogos como o The Sims, o Counter Strike ou o Candy Crush. Ou papéis de parede para os smartphone. Por outras palavras, comprar conteúdos unicamente digitais não é a novidade aqui. A novidade é ser uma obra de arte NFT.

Jack Dorsey, criador e presidente executivo do Twitter e assumido entusiasta de criptomoedas, quer também entrar neste pódio. Até 21 de março, o multimilionário de Silicon Valley está a vender o NFT seu primeiro tweet. Até agora, a maior licitação foi de 2,5 milhões de dólares (cerca de 2,1 milhões de euros).

E não há riscos, como lavagem de dinheiro ou tudo não passar de uma moda?

Sim. Segundo Mike Winkelmann, o nome real do artista conhecido como Beeple, o tal que vendeu arte NFT de uma colagem de fotografias por 58,4 milhões de euros, tudo isto pode ser “uma bolha” [fenómeno económico que ilustra ativos que adquirem grande valor rapidamente, ficam sobrevalorizados e, de um momento para o outro, deixam de o ser). “Para ser honesto, acho que vai haver uma bolha”, disse Winkelmann a BBC.

Pode haver quem defenda que esta é uma forma de financiar os artistas de quem se gosta. Ou até que esta é uma tecnologia que permite trocar digitalmente bens colecionáveis, como cromos ou cartas, como diz David Gerard, especialista em blockchain. Porém, nem toda a gente concorda com as possíveis vantagens.

O Coindesk, site de notícias especializado em criptomoedas, levantou recentemente a questão sobre se a arte NFT pode ser utilizada como um esquema de lavagem de dinheiro. Esta é uma questão que pode ser feita sobre qualquer venda de uma obra de arte. No entanto, por estar associado a criptomoedas, que têm um valor bastante volátil, a venda deste tipo de ficheiros digitais pode ser utilizada para maus propósitos, explica a mesma publicação.

Além disso, há a questão da bolha. Charles Allsopp, ex-leiloeiro da Christie’s, foi outra das pessoas que manifestou receios sobre estas venda à BCC disse ao canal britânico. “A ideia de comprar algo que não está lá é apenas estranha”, afirma. Além disso, refere que o conceito de NFT “não faz sentido” por estar associado a criptomoedas. Ou seja, se passar apenas de uma moda, daqui a uns anos estes NFT podem ter uma valor bastante mais baixo.

[Um quadro de Banksy que foi queimado e vendido digitalmente como arte NFT]

Mesmo assim, pelo menos para já, a arte NFT vai continuar a dar dinheiro. E há quem esteja a mostrar que se pode ser criativo com a tecnologia. Exemplo disso foi a venda de um quadro do Banksy que foi queimado em direto num vídeo na internet e, depois, foi vendido como arte NFT por 380 mil dólares (cerca de 319 mil euros). Por ironia propositada, o quadro que agora existe apenas digitalmente chamava-se “Morons”. Em português, “palermas”.