O novo filme de animação da Walt Disney Animation Studios, “Encanto”, é inspirado no realismo mágico dos escritores sul-americanos Gabriel Gárcia Márquez e Isabel Allende, disse a co-realizadora Charise Castro Smith.

Fomos definitivamente muito inspirados pelo realismo mágico de Gabriel Gárcia Márquez“, disse Castro Smith, numa conferência de lançamento do filme.

Eu estava a ler ‘Cem anos de solidão’ e ‘Amor em Tempos de Cólera’, e também Isabel Allende, ‘A Casa dos Espíritos’, diferentes tipos de realismo mágico, na altura em que começámos a trabalhar neste filme”, afirmou, na apresentação da produção, em Los Angeles.

A correalizadora disse que a presença frequente de borboletas na narrativa, e tema também de uma das canções de Lin-Manuel Miranda escritas para o filme, é “absolutamente uma homenagem” ao escritor colombiano Gárcia Márquez.

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Com estreia nas salas de cinema a 25 de novembro, “Encanto” retrata a família Madrigal e a sua casa mágica nas montanhas colombianas, com doze personagens principais que compõem várias gerações da família.

A introdução de um elemento de magia na casa Madrigal foi algo pensado desde o início, segundo explicou Castro Smith, porque os criadores queriam que refletisse a família que lá vive. “Decidimos usar a metáfora de uma casa que se comporta como o cão da família”, descreveu a correalizadora, “que tem diferentes relacionamentos com cada pessoa da família”.

A história é apresentada em grande parte pelos olhos da adolescente Mirabel Madrigal, mas desvia-se dos filmes centrados numa heroína ou personagem principal. “Sabíamos que queríamos contar uma história com uma família alargada”, explicou o correalizador Jared Bush. “Encontrámos estes arquétipos nas nossas próprias famílias. Como a ovelha negra, a criança de ouro, a responsável, a mãe que cura tudo com comida, todas estas coisas eram muito relacionáveis e universais“.

Outro destaque deste filme Disney é que se debruça sobre uma família colombiana e mesmo na versão original tem muitas palavras em espanhol, o que não é comum.

“Quando nos juntámos com o Lin [Manuel Miranda], ele tinha falado de querer fazer algo especificamente da América Latina”, explicou o co-criador Byron Howard. “A Disney Animation tem esta boa tradição de contar histórias incríveis, emocionais. E há muitos lugares no mundo que as pessoas não conhecem”, afirmou.

Byron Howard, Jared Bush e Lin-Manuel Miranda viajaram pela Colômbia em pesquisa para o filme e a produtora Yvett Marino explicou na conferência que o tema adveio dessas jornadas.

“Há estes sítios, não só na Colômbia mas por toda a América Latina, que são considerados espirituais, especiais, como uma magia que lá reside”, descreveu. “Algumas pessoas referem-se a estes lugares como encantos”. Os criadores, imaginando que a terra ficcional do filme onde foi construída a comunidade era espiritual e a fonte de um milagre, usaram esse conceito no título.

“A Colômbia, sendo esta intersecção de cultura, dança, comida, tradição, foi um momento incrível para nós”, disse Byron Howard. “Voltámos com muita energia para pôr o máximo possível da Colômbia neste filme”.

Sendo um filme de animação musical, o trabalho do ator e compositor Lin-Manuel Miranda tornou-se crucial para o avanço da narrativa. Na conferência de imprensa, ele explicou que foi algo que o seu pai lhe disse que inspirou a personagem da avó Alma e que estar presente no começo do projeto gerou uma colaboração sem precedentes.

“Estar lá desde o início permitiu mais dar e receber do que tudo o que já experimentei em filmes de animação”, afirmou Miranda, que também musicou o filme Disney “Vaiana”. “Escrevi o número musical de abertura antes de termos um segundo ou terceiro atos”, contou.

“Encanto” é já considerado um dos melhores filmes de animação da Disney dos últimos anos e será uma das suas grandes apostas para o regresso às salas de cinema. O filme, com realização de Byron Howard, Jared Bush e Charise Castro Smith e produção de Yvett Merino e Clark Spencer, estreia-se na sexta-feira, 25 de novembro.

Luzes e sombras do novo filme da Disney têm a mão de um luso-americano

O artista luso-americano Afonso Salcedo é um dos responsáveis pelas luzes e sombras do novo filme animado da Disney.

A viver nos Estados Unidos há 17 anos, o artista de iluminação trabalhou na longa-metragem dos Walt Disney Animation Studios durante cerca de oito meses.

“Foi realmente dos projetos mais desafiantes [em] que alguma vez trabalhei”, disse à agência Lusa Afonso Salcedo, explicando que uma das razões para isso é a vibração colorida das imagens.

Na cultura colombiana, em que nos inspirámos para este filme, a cor é muito importante, na arquitetura, nos personagens, na roupa”, descreveu. “A cor enforma muito as emoções na história, por isso à medida que a emoção narrativa da história se altera durante o filme, as cores também se vão alterando”.

Como artista de iluminação, Afonso Salcedo fez parte da equipa responsável por trazer as emoções e a narrativa emocional do filme de forma visual, posicionando luzes, criando sombras, contraste e cor. Ou seja, tudo o que está relacionado com a imagem final que a pessoa vê projetada no ecrã quando vai ao cinema.

“É um desafio enorme como artista manter a espinha principal da história em termos de cor para conseguir fazer sentido no final, para não se perder e continuar um fluxo normal”, acrescentou. “Como [o filme] tem doze personagens principais, é um desafio ainda maior que o costume, porque é um mundo gigantesco e isso cria outros problemas”.

“É uma colaboração constante durante meses para conseguir chegar ao produto final”, detalhou Afonso Salcedo.

Às vezes nem há referência, porque nos chegam momentos únicos de uma sequência e não há uma ideia geral do que deve ser feito e tenho eu próprio de criar essa referência e tentar discutir como fazer, se com mais ou menos contraste ou saturação”.

O produto final, considerou o artista à Lusa, “é dos filmes mais emocionais e importante” que a Disney produziu desde há muito tempo.

“É das histórias mais incríveis que fizemos, porque traz uma cultura diferente e uma diversidade enorme a cinema de animação, o que é raro acontecer, infelizmente”, indicou Salcedo.

Frisando que a Disney está a fazer um esforço grande para contar histórias de outras culturas e outros países, o artista realçou a importância de trabalhar neste tipo de películas.

O filme explora a forma “como nós nos vemos, a nossa identidade, como crescemos em família”, disse. “A mensagem do que nós trazemos durante a nossa vida é muito importante, principalmente agora no mundo em que vivemos, que é tão caótico”, considerou.

“Foi muito emocional trabalhar neste filme e notar que a inspiração da Colômbia, que trazemos neste filme, é muito universal. Há muitas coisas semelhantes ao nosso próprio país e à cultura portuguesa”, disse à Lusa.

“Ver como essa história de família foi criada por este filme trouxe-me muitas memórias”, continuou, afirmando que a família “pode ser biológica ou escolhida” e que a importância da família “é bastante grande na cultura portuguesa”, mais até que nos Estados Unidos.

Segundo a sua visão, a aposta da Disney num filme com estas características, que incluiu pesquisa extensiva dos criadores na Colômbia, é um sinal positivo da evolução dos tempos.

“Uma das coisas mais importantes é poder ver um filme com personagens de diversas tonalidades de cor de pele e culturas que de outra maneira não teriam sido reconhecidas num ecrã de cinema”, sublinhou.

“Há um despertar que está a acontecer, não só nos Estados Unidos mas na indústria do cinema em geral”, continuou. “A Disney tem um esforço criativo para trazer estas histórias diversificadas, outras culturas e mostrar coisas que antes não se mostravam”.

No seu entender, “é um momento mesmo muito importante para estar agora no estúdio e conseguir trazer este tipo de histórias que não teriam sido feitas há cinco, dez anos”.

Salcedo, que vive em Los Angeles e já tem outros projetos Disney em vista, disse à Lusa estar contente por trabalhar neste momento da indústria e conseguir trazer esta atualização de cultura, de diversidade e de histórias “que vão influenciar gerações a seguir”.

Formado em Ciência da Computação pela Universidade de Southampton e Imperial College, no Reino Unido, Afonso Salcedo vive nos Estados Unidos há 17 anos. Do seu currículo constam projetos em estúdios como a Pixar, DreamWorks e Disney, incluindo os recentes “Frozen II” e “Raya e o Último Dragão”.