O golo do empate no quinto minuto de descontos já tinha sido um pouco estranho, ainda que “aceitável” numa escala de 0 a 10 de vergonha. Um 5 talvez, tendo em conta que o defesa ainda perturbou o avançado, o guarda-redes tentou fazer o seu papel e havia sempre a possibilidade de existir uma posição irregular do marcador. O 2-1, logo no minuto seguinte, rebentou a escala e nem 20 de vergonha seriam justos para catalogar o momento: um pontapé para a frente, todos os jogadores adversários menos um que ainda fez o corte numa fase inicial, guarda-redes aos papéis fora da baliza a tentar evitar um remate, os companheiros parados e alguns de costas, um desvio final para a baliza sem oposição. Estava consumada a reviravolta.

O relato pode parecer exagerado mas nem mesmo as palavras chegam para descrever o exagero do que se passou no decisivo encontro entre Llaneros e Unión Magdalena, a contar para a Segunda Liga colombiana. Os visitantes, com o triunfo, subiram de divisão. Pelo menos, para já. E as pressões (além do embaraço e da tal vergonha) são tantas que o próprio presidente do país já veio comentar o assunto publicamente enquanto já se investiga um cenário que parece óbvio pelas imagens: o resultado estaria combinado.

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“Aquilo que aconteceu no jogo de subida à Primeira Divisão do futebol colombiano é uma vergonha nacional. O desporto requer transparência, honestidade e zero tolerância face a qualquer situação que não seja legítima da ética desportiva. O Ministério dos Desportos e o ministro do desporto já estão a dar seguimento do caso para as autoridades competentes, a Primeira Liga de futebol e a Federação de Futebol da Colômbia, para que esta situação seja esclarecida com celeridade”, apontou Iván Duque, presidente do país sul-americano, na sua conta oficial do Twitter poucos momentos depois do final da partida.

Também alguns dos principais jogadores dos cafeteros a atuar na Europa não deixaram passar todas as ocorrências na partida decisiva, entre os quais um do FC Porto. “O golo da Unión Magdalena é uma falta de respeito”, escreveu no Twitter Juan Cuadrado, jogador da Juventus que marcou um canto olímpico esta jornada frente ao Génova. “Isto é uma vergonha para o futebol colombiano”, comentou o médio Uribe. Já o técnico do Fortaleza, equipa que disputava também a ascensão ao escalão principal e que perdeu nesta última ronda (para a qual partiu com dois pontos de avanço), não conteve as lágrimas. “É verdade que nós não fizemos a nossa parte em campo mas não tenho vergonha de chorar como está a acontecer porque me sinto roubado. Posso perder mas não desta maneira”, salientou, de forma inconsolável, Nelson Florez.

Da parte do Llaneros, as reações não têm sido muitas e há até quem consiga encontrar uma explicação para o que sucedeu nos descontos da partida em casa com o Unión Magdalena enquanto decorre (de uma forma alegada, como assinalam alguns meios colombianos) uma investigação interna. “Naquele minuto, quando eles conseguiram chegar ao empate, mudaram por completo os papéis e precisávamos de cinco golos. Em termos anímicos a equipa quebrou. Quando acontecem estas situações a parte emocional é complexa”, disse no final Wálter Aristizábal, mostrando compreensão pelas reações dos adeptos mas prometendo que irá apenas deixar o clube no dia em que conseguir alcançar a subida de divisão.

“Tínhamos hipóteses de subir como o Fortaleza e o Unión Magdalena, estávamos a ganhar até aos últimos minutos de descontos, conseguiram empatar num excelente golo e depois os nossos jogadores caíram em termos anímicos e baixaram os braços, acontece em qualquer parte do mundo. Os jogadores são claros a dizer que lutaram até ao último minuto e que o empate foi duro, um balde de água fria. Até aí jogaram para ganhar. Apoio e acredito nos meus jogadores. Já deram provas no passado. Mas estou preocupado com eles, claro. Somos transparentes, não somos maus perdedores”, advogou o presidente do Llaneros, Juan Carlos Trujillo, recordando a vitória fora com o mesmo adversário. Já os adeptos têm outra visão que foi expressa logo após o jogo, com gritos de “vendidos, vendidos, são uma vergonha porque se venderam” das bancadas antes das declarações dos jogadores adversários serem interrompidas.

Da parte da equipa vencedora, festejos e pouco mais porque “há sempre juízos morais quando um golo tem um peso destes numa decisão”. “No calor do jogo olharam para o comportamento da outra equipa, porque estávamos num momento de angústia quando chegou o golo, e começam a dizer tudo o que tem sido dito. No jogo com o Fortaleza a atitude foi a mesma, a correrem para tentar defender a sua baliza. Aqui apenas não era fácil acreditar que seria possível subir. Investigação? Se quem de direito acha que sim, deve fazer. Por nós podem investigar e trazer até o FBI, como quiserem. Estão no seu direito”, referiu em entrevista a uma rádio local Carlos Silva, diretor técnico do Unión Magdalena de Eduardo Dávila.

O empresário de 71 anos que tem ligações ao narcotráfico e que cumpre pena (agora de novo numa prisão estatal depois de er conseguido passar para domiciliária) após ter sido condenado por mandar matar a mulher também comentou o caso, por WhastApp, com o jornalista Osvaldo Hernández, do diário La Patria. “Caso? Não entendo a pergunta, nós ganhámos. No segundo golo acharam que estava fora de jogo, não havia e o nosso jogador aproveitou. Não sabias que o Llaneros também podia subir? Achas que houve alguma irregularidade? Não começámos a perder? O Unión não teve mérito na recuperação?”, disse, antes de criticar Iván Duque: “Vivem a criar fantasmas e sempre com suspeitas porque isso é que dá audiências, as polémicas. Deviam era informar sobre todos os detalhes do jogo e informar também o presidente Duque que não deveria fazer juízos sem saber ainda o que dá a investigação”, acrescentou.

Esta segunda-feira soube-se também que Mário Iguarán, antigo procurador geral da Colômbia, apresentou uma queixa pelo crime de corrupção privada. “Esta vitória tem feito com que centenas de adeptos, que investiram em casas de apostas legais numa ou noutra equipa e que têm sido prejudicados pelo episódio, estejam perante um cenário falsificado e que tenham sido enganadas”, justifica no texto da queixa.