O novo diretor da Companhia Nacional de Bailado (CNB), Carlos Prado, quer criar uma programação de espetáculos com a maioria dos bailarinos em palco, mais música ao vivo, e espera também conseguir atrair mecenato para a sua “casa mãe”.

A mais curto prazo, o novo diretor desvendou a programação da CNB até julho, que inclui uma nova criação da coreógrafa Olga Roriz (inspirada por um livro de José Saramago, será apresentada em Lisboa a 23 de junho no Teatro Camões, primeiro, e depois no Centro Cultural de Belém em setembro) e a estreia em Portugal de uma coreografia do belga-marroquino Sidi Larbi Cherkaoui intitulada “Fall”, algures entre março e abril.

Dinheiro “nunca é suficiente” mas “é importante trabalhar com o que se tem”

No regresso a uma instituição onde começou, entre 1984 e 1990, para assumir agora a direção, Carlos Prado diz que os três primeiros meses no cargo foram importantes para um conhecimento mútuo do atual corpo artístico, técnico e de produção: “Tem sido uma bela viagem. Assim continue, apesar dos tempos difíceis”, avaliou, em entrevista à agência Lusa.

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“Foi um excelente início de carreira, aprendi muito aqui, e, de certa forma, é voltar à casa mãe”, comentou o também ex-primeiro bailarino do Ballet Gulbenkian, que dirigiu a Academia de Dança Contemporânea de Setúbal e prosseguiu uma carreira internacional como assistente coreográfico, tendo trabalhado, entre outros, com o Ballet da Ópera Nacional de Paris, o Bolshoi, o La Scala de Milão, o New York City Ballet e o Ballet Real da Flandres.

Contente com o trabalho da companhia nacional – que completará 45 anos em 2022 – Carlos Prado diz ter aceitado o convite do Ministério da Cultura para suceder a Sofia Campos, em setembro, conhecendo o perfil e as dificuldades de uma companhia nacional que tem vindo a acompanhar ao longo de quatro décadas.

Sobre o orçamento disponível, que preferiu não precisar, disse ter decidido assumir o cargo porque pensou que “podia fazer alguma coisa”, com um financiamento que “nunca é suficiente, e quanto mais houver, mais se pode fazer, mas é importante trabalhar com aquilo que se tem”.

Questionado sobre a situação do mecenato, Carlos Prado indicou que a Fundação EDP continua a ser o mecenas principal da CNB, e, atualmente, o único, mas o novo diretor pretende, futuramente, angariar outros mecenas, “apesar de não haver grande cultura de mecenato em Portugal”.

“Nos Estados Unidos, por exemplo, as grandes companhias [de bailado] vivem praticamente do mecenato”, apontou.

“É preciso valorizar os artistas e trazer repertório novo”

A visão do novo diretor para a CNB passa pela escolha de um repertório diversificado, com espetáculos clássicos e contemporâneos, usando “a riqueza das peças já existentes na casa, levar ao palco o maior número possível de bailarinos” – atualmente 68 -, e também tentar ter mais música ao vivo nos espetáculos.

“Alguns dos bailarinos já não dançam todo o repertório, mas há sempre trabalho que podem fazer, como os papéis de caráter, em certas produções. Há trabalho específico para pessoas que têm uma carreira grande atrás de si, e uma experiência enorme. São pessoas muito válidas que eu espero usar para dançar ou para outras funções importantes para a companhia. Conto com todos os artistas, em diferentes vertentes, projetos educativos, por exemplo”, disse à Lusa o ex-bailarino de 59 anos, nascido em Setúbal.

O diretor diz, contudo, que não pretende vir a aplicar um modelo na casa que agora lidera: “Cada companhia tem as suas especificidades e as suas vicissitudes. Olhei para a companhia que eu conheci quando era bailarino e que tenho acompanhado ao longo de 40 anos. Independentemente dos diretores que cá estiveram, a CNB tem um repertório vastíssimo [para usar], é preciso valorizar os artistas, e trazer repertório novo. Essa é uma das missões, preservar o que tem, e trazer novo trabalho de criação relevante do século XX e XXI, seja na vertente clássica ou mais contemporânea”.

“A CNB tem a obrigação de apresentar tudo isso, e é assim que os bailarinos crescem e amadurecem tecnicamente, fazendo trabalho variado. Esta é a minha ideia para a companhia, usando toda o corpo artístico, com obras que usem muitos intérpretes”, reiterou, sobre a forma como pretende dirigir a casa onde regressa, com “o maior número possível de bailarinos a dançar toda a temporada”.

Deu como exemplo a coreografia “La Sylphide”, considerado o primeiro bailado romântico da história da dança, sobre a qual, em 1836, o coreógrafo dinamarquês Augusto Bournonville criou uma versão que entrou no repertório da CNB em 1980, e que, pontualmente tem regressado ao palco, e volta em 2022, “porque é do repertório da casa, é muito apreciado pelo público, e dá um traquejo importante aos bailarinos” no bailado clássico, “um treino que se tem de ir mantendo”.

As escolhas de Carlos Prado recaem no repertório clássico do século XIX, que a CNB já detém, desde “O Lago dos Cisnes” à “Bela Adormecida”, até ao princípio do século XX, que pretende “trabalhar e apresentar regularmente”.

Mas um bailarino não evolui se não tiver repertório de coreógrafos relevantes do panorama atual“, ressalvou o novo diretor, cuja visão passa ainda por continuar a usar a própria experiência como assistente de coreógrafos, mantendo-se “muito presente no estúdio”.

Na opinião de Carlos Prado – que coreografou diversas óperas para o Teatro Aberto, Teatro Nacional de São Carlos e Teatro Nacional D. Maria II -, esta poderá vir a ser uma marca importante da atual direção, “numa certa forma de trabalhar todos os dias e de dar ‘feedback’ aos bailarinos”, acompanhando-os em estúdio.

“Não é só com a escolha de repertório, mas ajudar a que seja apresentado ao mais alto nível. Isto é o que me interessa na companhia”, disse, sustentando que a sua experiência como bailarino diz-lhe que os diretores que estavam presentes ajudaram-no no desenvolvimento da carreira.

Prado considera que “é importante passar alguns valores no dia-a-dia, na ética do trabalho”, e que “os bailarinos devem ser, a todo o momento tutelados por uma forma de trabalhar, e é isso que faz uma companhia: um grupo de artistas estarem a trabalhar todos na mesma direção, e ser clara essa direção”.

Sobre a possibilidade de fazer mais encomendas a coreógrafos portugueses para a CNB, diz que tomará essa iniciativa. “Mas também quero ter obras de criadores estrangeiros, porque a companhia tem de se abrir a todas as experiências que possam trazer uma mais-valia aos bailarinos”, sublinhou, defendendo que “quantas mais linguagens experimentam, mais riqueza adquirem e melhor dançam”.

O antigo assistente coreográfico de criadores como Mauro Bigonzetti e Sidi Larbi Cherkaoui vai ainda “fazer o possível para que todas as produções tenham música ao vivo porque é toda uma outra experiência que se revela mais intensa para o público”.

Os principais destaques da nova temporada, com Olga Roriz e Cherkaoui

Já desenhada pelo novo diretor, Carlos Prado, a nova temporada da Companhia Nacional de Bailado é anunciada até julho e ainda sujeita a alterações, mas o responsável indicou à agência Lusa que pretende apresentar as próximas no formato anual.

O ano será marcado pelo espetáculo “Deste Mundo e do Outro”, uma nova criação encomendada a Olga Roriz, com estreia absoluta prevista para 23 de junho, no Teatro Camões, em Lisboa, no âmbito das comemorações do centenário do nascimento do Nobel da Literatura José Saramago.

“Pensei logo na Olga Roriz, porque são dois universos que casam muito bem”, justificou Carlos Prado em entrevista à Lusa.

Um dos grandes destaques da próxima temporada da CNB passa por uma nova criação de Olga Roriz, na imagem (@ André Kosters/LUSA)

No âmbito das comemorações do centenário, o Teatro Nacional de São Carlos vai apresentar “Blimunda” e “havia a intenção de a CNB apresentar também um trabalho, mas ainda não estava definido”.

“Tive muita sorte que a Olga Roriz aceitou o meu convite em fazer uma criação nova para um grande número de bailarinos. É uma coreógrafa reputada internacionalmente e é portuguesa”, justificou, sobre a escolha, detalhando que além da estreia, no Teatro Camões, decorrerão dois espetáculos em setembro, no Centro Cultural de Belém, também em Lisboa.

“Deste mundo e do outro” é o título de um dos livros de José Saramago, lançado em 1971 pela Editorial Arcádia, composto por 61 crónicas escritas entre 1968 e 1969, publicadas no jornal vespertino A Capital, numa altura em que o autor era conhecido como jornalista.

Com direção de Olga Roriz e textos de José Saramago, a peça será interpretada por bailarinos da CNB, com conceção da banda sonora de Olga Roriz e João Raposo, e cenografia de Pedro Cal.

Outra obra que irá marcar a nova temporada da companhia nacional é assinada pelo coreógrafo belga de origem marroquina Sidi Larbi Cherkaoui, com quem Carlos Prado já trabalhou, e será uma estreia em Portugal, além de não ter sido ainda – depois da estreia, em Gent, na Bélgica, em 2015 – apresentada novamente na sua versão original.

Com o título “Fall”, a coreografia, com “muitas camadas”, explora o ciclo repetitivo de cair, levantar-se, cair de novo e voltar a levantar-se. Será apresentada com 29 bailarinos da CNB, na linha da filosofia de Carlos Prado de levar ao palco o maior número possível de intérpretes da companhia.

“‘Fall’, uma ode à estação do Outono, enquanto estação da introspeção, tal como esta coreografia, reflete a resiliência, a inacreditável flexibilidade e a capacidade de absorção do espírito humano em toda a sua grandiosidade”, segundo a sinopse da peça, que tem a particularidade de ser dançada em pontas.

O espetáculo tem música de Arvo Pärt, com cenário e desenho de luz de Fabiana Piccioli e Sander Loonen, figurinos de Kimie Nakano, numa produção original para o Ballet da Ópera da Flandres, agora produzido pela CNB.

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Sidi Larbi Cherkaoui, na imagem, é o criador de “The Fall”, que será apresentada em Portugal com 29 bailarinos da Companhia Nacional de Bailado (@ David M. Benett/Getty Images)

Esta peça estrear-se-á num programa a decorrer entre 24 de março e 03 de abril, em conjunto com o regresso de uma peça de Miguel Ramalho intitulada “Simponhy of Sorrows”, que se estreou em Lisboa, no Festival ao Largo, em 2020.

A restante programação até julho: de “Noite Branca” a “Snow”

A temporada 2022 começa a 14, 15 e 16 de janeiro, no Porto, onde a companhia irá levar o programa “Noite Branca”, no Teatro Municipal Rivoli, celebrando o encontro entre a imaginação e a técnica que remetem para os designados “atos brancos” dos bailados clássicos.

Adiado em dezembro de 2020, devido à pandemia de covid-19, e estreado em setembro deste ano no Teatro Camões, o programa reúne obras de três coreógrafos: “Concerto Barocco”, bailado de estética neoclássica de George Balanchine, “Shostakovitch Pas de Deux”, de Yannick Boquin, estreado no Festival ao Largo, em julho, e “Snow”, uma nova criação de Luís Marrafa para a CNB.

Depois, a pensar nas famílias e nos públicos infantojuvenis, a CNB apresentará, a 22 e 23 de janeiro, no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, o quarto capítulo da série “Planeta Dança”, com escrita, direção e coreografia de Sónia Baptista, prosseguindo uma proposta da história da dança, dividida em capítulos independentes, que teve estreia também em Lisboa, em outubro deste ano.

Este novo capítulo acompanha a conquista dos palcos pela dança clássica, no século XIX, cada vez mais complexa, inspirada em tradições e costumes, e a sua evolução na modernidade, quebrando as próprias convenções.

Com estreia no Dia Mundial da Dança, a 29 de abril, e até 13 de maio, será a vez de “La Sylphide”, de Auguste Bournonville, pisar o palco do Teatro de Camões, considerado o primeiro bailado romântico da história da dança.

Carlos Prado revelou também à Lusa que, para o Dia Mundial da Dança, será criado um programa especial de celebração, com pequenos espetáculos de dança em frente ao Teatro Camões, e a exibição de pequenos filmes de coreografias de artistas portugueses, nomeadamente Tânia Carvalho, Daniel Gorjão, Luís Marrafa e Miguel Ramalho, realizados pela RTP, tendo monumentos como palco.

Até julho, a CNB irá continuar ainda com o desenvolvimento do Programa de Aproximação à Dança, com projetos de mediação que incentivam a aproximação entre artistas, criadores, obras, espaços e os públicos, e aulas dos bailarinos com assistência de público, ensaios abertos, para dar a conhecer os processos de trabalho da companhia, no seu quotidiano.

Estão ainda previstas conversas sobre os espetáculos, aulas mensais para pessoas com Parkinson, as suas famílias, amigos e cuidadores, e o ensaio geral solidário que antecede todas as estreias, para angariação de fundos para instituições de solidariedade social em várias áreas.