Foi uma equipa formada em 1979, passou a integrar a Confederação Africana de Futebol em 2003, passou a ser membro da FIFA em 2005. Realizou os primeiros encontros mais a sério em 2007, na qualificação para a Taça das Nações Africanas e para o Mundial, tendo perdido numa eliminatória com o Madagáscar com um total de dois golos marcados e dez sofridos. Passaram pela primeira vez uma ronda de apuramento em 2015 frente ao Lesoto pelos golos marcados fora. Amir Abdou, selecionador, sabia bem os passos que tinha de dar e, de forma discreta, foi procurando em França jogadores que tivessem ligações familiares às Ilhas Comores. O leque aumentou, aumentou, aumentou e a equipa estreou-se numa fase final da CAN.

Começou com uma “vassourada” camaronesa, terminou com “tubarões azuis” cheios de esperança (a crónica do Cabo Verde-Camarões, 1-1)

Em condições normais, o objetivo das Ilhas Comores estava mais do que atingido, tendo em conta todo o seu contexto desportivo recente. E as derrotas com Gabão e Marrocos sem qualquer golo marcado pareciam confirmar isso mesmo até que a desconhecida seleção mostrou que tinha ainda uma surpresa reservada, vencendo o Gana por 3-2 e conseguindo a qualificação para os oitavos logo na estreia na competição. O impossível tinha sido desafiado com sucesso mas o que se seguiria seria ainda mais complicado de dobrar frente ao conjunto anfitrião, os Camarões orientados por António Conceição. E houve de tudo.

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Logo a começar, o surto de Covid-19 que apanhou 12 elementos da delegação incluindo o próprio técnico, que faria com que vários jogadores desfalcassem a equipa. Depois, a questão da baliza. Salim Ben Boina estava lesionado com gravidade no ombro e Moyadh Ousseini e Ali Ahamada testaram positivo. O L’Équipe chegou ainda a avançar que Ahamada teria realizado um novo teste que estaria negativo mas o guardião ficou mesmo de fora. Ou seja, as Ilhas Comores não tinham ninguém para a baliza embora contassem com 18 jogadores aptos na ficha de jogo. Tinha mesmo de haver jogo. Assim nascia um herói improvável.

Chaker Alhadhur, lateral esquerdo de 30 anos que jogou sempre em França e que representa o Ajaccio, acabou por ser o eleito numa escolha feita mesmo à pressa, como se percebia também pela fita adesiva azul que desenhava o número 3 nas costas por cima do 16 que seria em condições normais titular. E como um mal (ou 12, neste caso) nunca vem só, o capitão Nadjim Abdou viu vermelho direto logo aos cinco minutos de jogo, numa entrada imprudente sobre Ngamaleu que apanhou a zona do tendão do ala. Ora, e para colocar de novo tudo em cima da mesa, o melhor ataque da CAN na fase de grupos iria jogar contra a revelação da prova que tinha várias ausências, não contava com guarda-redes e estava reduzida quase de início a dez unidade. Goleada à vista? Na teoria sim, na prática muito longe disso mesmo.

“Temos de abordar este duelo com muita confiança mas não de forma excessiva. O adversário chegou a este momento da prova com muito mérito, tal como aconteceu na fase de qualificação para a CAN. Ganhou ao Gana, é uma equipa com coisas positivas e vão tentar surpreender-nos. As baixas no adversário podem ser uma vantagem mas, na abordagem do jogo, não podemos pensar nisso. Têm jogadores que nos vão criar dificuldades, que irão correr, trabalhar e tentar adiar aquilo que são as nossas pretensões. É preciso potencializar as nossas armas mais fortes, para atingirmos o nosso objetivo”, comentara António Conceição na antecâmara de um encontro em que os Camarões estiveram longe de que já fizeram.

Aliás, para se perceber a competitividade que os heróis das Ilhas Comores conseguiram ter até ao intervalo, Ahmed Mogni, que bisara contra o Gana, teve o primeiro remate para defesa de Onana, Chaker Alhadhur andou sobretudo a controlar remates de longe com o golpe de vista, Ekambi inaugurou o marcador apenas aos 29′ num remate cruzado na área depois de uma boa desmarcação de Aboubakar e foi de novo Mogni a ter a melhor oportunidade até ao descanso, num remate forte de fora da área para uma primeira defesa do ex-guarda-redes do Ajax que teve ainda de travar a recarga. A jogar de forma lenta, às vezes até previsível e com pouca capacidade de enquadrar as tentativas com a baliza, os Camarões sentiam dificuldades.

No segundo tempo, apareceu o improvisado Alhadhur. Primeiro fez uma defesa com o pé esquerdo a um cabeceamento de Aboubakar (48′), depois juntou outra intervenção a remate do antigo avançado do FC Porto com um fantástico voo para ir buscar também a recarga de Ngamaleu (54′). E a equipa da casa nem tinha o encontro a 100% controlado, como se percebia em algumas saídas rápidas que as Ilhas Comores iam tentando ainda que sem finalização. Até mesmo depois do 2-0 de Aboubakar, que ganhou sobre o adversário direto na área, passou a perna por cima da bola e encostou isolado de pé esquerdo (70′), o conjunto revelação conseguiu criar mais uma boa oportunidade por Mohamed, obrigou Onana à melhor defesa do encontro a uma “bomba” na área de Nabouhane e conseguiu mesmo reduzir a desvantagem com um livre direto fabuloso de M’Changama que colocou quase sem balanço a bola no ângulo (81′).

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De forma quase natural, os Camarões ganharam, garantiram a qualificação para os quartos e vão agora defrontar outra estreante em grande plano, a Gâmbia, que surpreendeu a Guiné. No entanto, se existe uma vencedora na partida, foi a formação das Ilhas Comores. E a maneira como conseguiu discutir a partida até ao final com todas as condicionantes que enfrentou merece ser recordado acima do resultado.