Lembram-se quando os filmes de Batman eram feitos por realizadores como Tim Burton e além de serem minimamente fiéis ao “comic” original de Bob Kane, eram divertidos e entretinham (mesmo os menos bons, caso dos de Joel Schumacher?). Esses filmes parecem agora ter sido feitos num outro mundo. Após Batman ter sido desfigurado no papel por Frank Miller com o seu “Dark Knight”, foi-o mais tarde no cinema por Christopher Nolan, nos filmes que assinou a partir de 2005. Estes instituíram o clima de negrume, negativismo, niilismo e seriedade pomposa que passou a dominar a série e a caracterizar a figura do cada vez mais sorumbático e mortificado Homem-Morcego. Clima esse que é mantido e ainda mais sublinhado em “The Batman”, de Matt Reeves.

[Veja o “trailer” de “The Batman”:]

“The Batman” marca um novo ciclo da personagem no cinema, passando-se no início da carreira de Batman no combate ao crime e com Robert Pattinson no papel principal, que na pele de Bruce Wayne parece mais o vocalista de um grupo de rock gótico do que um milionário “playboy” e filantropo. O filme define-se numa palavra: escuridão. Escuridão ambiente (é com se todas as fábricas de lâmpadas elétricas estivessem em greve há meses a fio em Gotham City e a meteorologia tivesse sido importada de “Blade Runner”), escuridão moral (todas as instâncias legais e de autoridade da cidade são corruptas até ao tutano) e escuridão das almas (nem Bruce Wayne e a sua família escapam ao opróbrio, e Batman passa o tempo em dúvida e internamente torturado).

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[Veja uma entrevista com o elenco do filme:]

Tudo isto é sublinhado, reiterado e repisado por palavras, imagens e banda sonora ao longo das três horas do filme, o que faz de “The Batman” um dos mais intermináveis e insuportavelmente redundantes exemplos de cinema do “óbvio ululante” (como lhe chamava o grande Nelson Rodrigues) destes últimos tempos. Reeves e o seu co-argumentista Peter Craig esqueceram-se que deviam estar a fazer um filme de grande espectáculo e entretenimento, e pensaram que estavam a rodar um filme de tese com alguma ação pelo meio. Ora um herói dos “comics” não é propriamente matéria para armar ao pingarelho de émulo cinematográfico de Dostoievski. Sobre o ser comprido e chato, “The Batman” é também presunçoso e ridículo na sua pose de gravidade e “importância”.  

[Veja uma entrevista com o realizador Matt Reeves:]

O enredo de “The Batman” é uma enfiada de clichés dos “thrillers” de “serial killers”, cruzados com lugares-comuns do policial sobre corrupção político-municipal. Durante a maior parte do filme, Batman comporta-se mais como um vulgar detetive particular do que como o Homem-Morcego da tradição, o Riddler não passa aqui de um “nerd” caixa-de-óculos frustado e vingativo e os seus enigmas são de carregar pela boca, a Catwoman “woke” de Zoe Kravitz não chega nem aos calcanhares da de Michelle Pfeiffer ou Halle Berry, e a inversão de valores do filme chega ao ponto de dar foros de justiceiro social ao vilão. Sentido de humor, fantasia e empolgação, nem vê-los.

O único ponto positivo deste lúgubre, balofo, deprimente e infindável “The Batman”, é que Robert Pattinson passa a maior parte do tempo com a máscara de Batman posta, o que nos poupa à sua macambúzia canastrice. Entretanto, soube-se que esta fita, tal como outros novas produções americanas, não será estreada na Rússia, como parte das sanções a este país. Não percebo: mas a ideia não era punir os russos?