Pela primeira vez nos últimos dois anos, o Santiago Bernabéu iria receber mais de 60.000 espectadores num jogo. Já chegou a estar fechado, já passou a ter uma lotação mais reduzida, já aumentou para os 30.000, dava agora mais um passo para a normalidade daquele que será o estádio mais moderno e vanguardista da Europa quando terminarem todas as obras de renovação que têm marcado os últimos (largos) meses. E foram todos esses melhoramentos que não passaram ao lado de Kylian Mbappé, que deteve o olhar quando entrou para o treino de adaptação ao relvado na véspera do jogo. Um sinal para o futuro ou uma curiosidade do presente, ninguém sabe ao acerto a não ser o próprio (caso já tenha mesmo decidido onde jogará na próxima época). No entanto, e à semelhança do que acontecera no Parque dos Príncipes, era nele que estavam os holofotes porque era ele que poderia fazer a separação entre duas realidades e contextos quase opostos.

Merci, adiós: Mbappé é o futuro do Real mas ainda decide o presente do PSG (e com um golo fabuloso nos descontos)

O Real Madrid-PSG, que começava com os franceses na frente com um golo fabuloso de Mbappé no período de descontos, ia muito além do que é simplesmente o futebol. De um lado, o rei da Europa, um dos clubes mais históricos, para muitos um dos mais poderosos de sempre. Do outro lado, o aspirante, um dos clubes que mais investiu nos últimos anos para se tornar um dos mais poderosos da atualidade. Como referia a imprensa espanhola, os franceses fizeram uma tentativa de assalto a todos os clubes de uma elite europeia mais tradicional que dominavam entre si o panorama da principal competição de clubes da UEFA, apoiados num estado do Qatar disposto literalmente a pagar por um sucesso que só esteve próximo em 2020, na final da Champions perdida em Lisboa com o Bayern. E, agora, até com Messi do seu lado.

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“O melhor é apontar à lua porque se falhar chego às nuvens”: quem é Mbappé, o prodígio de 18 anos que todos querem

Em campo, era sobretudo jogo de treinador. Jogo para melhorar o que foi feito de bom na primeira mão, jogo para corrigir o que falhou na primeira mão. No caso do Real Madrid, um jogo para Carlo Ancelotti dar metros a uma equipa demasiado curta em Paris, criar outras fontes de ligação às unidades da frente e segurar toda as transições mesmo não contando com Casemiro (e tendo Kroos em dúvida até à hora do apito inicial). No caso do PSG, um jogo para Mauricio Pochettino dar posse às unidades ofensivas que mais desequilibram sem ter o risco de ficar depois desequilibrado pelas características dos seus avançados sem bola. Era jogo de treinador e, mais uma vez, jogo de Kylian Mbappé, o único que olhando para tudo o que se passou na antecâmara do jogo parecia estar numa situação de win-win qualquer que fosse o desfecho.

“Aplaudir Mbappé? A história do Santiago Bernabéu reflete que os grandes jogadores são sempre aplaudidos. Compreenderia que o aplaudissem. O plano que temos é um plano, não só para Mbappé mas também para Neymar, Messi e todos os bons jogadores do PSG. O plano é jogar como um bloco, com e sem bola, colocar intensidade, aguentar os 90 minutos e fazer um jogo completo. Temos de fazer um jogo inteligente, não podemos enlouquecer. Temos de ganhar o jogo, não de golear. Posso adiantar que, do primeiro ao último minuto, o importante será manter a eliminatória viva”, comentara Ancelotti. “Entendo que a imprensa precise de notícias sobre um dos melhores do mundo mas Mbappé é nosso jogador e esperamos que seja por muito tempo. Vai ser um encontro diferente. Os momentos de forma mudam, passaram semanas e esperamos um jogo em circunstâncias diferentes. Vamos continuar da mesma forma, não sabemos jogar diferente. Vamos tentar ser protagonistas, não queremos defender o resultado”, dissera Pochettino.

Se dúvidas ainda existissem, bastou a primeira parte para explicar o que é hoje Mbappé. De tal forma que, e de forma quase assumida, havia um ataque com Messi e Neymar só para servir o francês, que mais do que duplica a média de golos da equipa quando está em campo. No entanto, depois de ter ficado a admirar o Santiago Bernabéu e de ter aprendido a falar espanhol, o internacional gaulês teve mais uma lição daquele que será o meu provável novo clube: como dizia Juanito, antigo avançado internacional espanhol que jogou no Real durante a década de 70 e 80, 90 minutos no Santiago Bernabéu são muito longos. Tão longos que chegam para construir mais uma das melhores remontadas da última Champions.

Ao contrário do que se poderia pensar, os espanhóis sentiram sempre grandes dificuldades em pressionar o conjunto gaulês para o seu reduto e foi o PSG que criou as duas primeiras oportunidades no quarto de hora inicial, a inicial mostrando que Pochettino conseguira o que queria: Messi conseguiu recuperar a bola à entrada da sua área, Neymar assistiu Mbappé ainda a meio do seu meio-campo e o francês rematou forte para defesa de Courtois (8′), que pouco depois voltaria a tirar o golo ao avançado (13′). Benzema ainda teve um remate perigoso aproveitando uma segunda bola que Donnarumma desviou para canto mas era a equipa que estava em vantagem que melhor se encontrava em campo e que viria mesmo a sair a ganhar ao intervalo.

Já depois de uma jogada entre Messi e Neymar que terminou com uma bola picada do argentino que rondou a baliza de Courtois, Mbappé inaugurou o marcador num lance que passou pelos pés de Nuno Mendes – que fez mais uma exibição gigante na Champions – mas que acabaria por ser anulado por um milimétrico fora de jogo do internacional português (34′). Não foi aí, foi pouco depois. E mais uma vez com o Real a dar toda a profundidade para Neymar fazer uma grande assistência e Mbappé, qual locomotiva, avançar em direção da baliza e fazer o 1-0 (39′). Se Ancelotti queria uma equipa com cabeça, acabou por ver muitas vezes o PSG fazer o que quis, a gerir o encontro sem bola e a criar inúmeras oportunidades para marcar.

A segunda parte começou com as mesmas características e com duas jogadas em balizas diferentes que iam mostrando a diferença entre as equipas: o PSG voltou a marcar, com Hakimi a recuperar, Neymar a assistir e Mbappé a fazer uma finta fabulosa sobre Courtois antes do remate, mas o golo foi anulado por fora de jogo do avançado francês (54′); Vinícius fez uma diagonal da esquerda para o meio, tentou o remate mas a bola saiu muito fraca e à figura de Donnarumma (55′). Só mesmo por um erro poderia mexer algo no jogo e o melhor guarda-redes e jogador do último Europeu de seleções meteu água: demora do italiano a bater na frente, pressão de Benzema, mau passe e golo do francês oferecido de bandeja (61′), antes de mais um cabeceamento do capitão do Real Madrid pouco depois que saiu a rasar o poste da baliza do PSG (64′).

Estava encontrada a luz da esperança. A partir daqui, tudo o que aconteceu foi um das reviravoltas mais épicas da Liga dos Campeões: com o jogo completamente controlado e muitas vezes a trocar a bola como se não houvesse balizas, os franceses passaram de vencedores a vencidos na eliminatória em pouco menos de dois minutos com Karim Benzema a chegar ao hat-trick, primeiro depois de uma assistência de Modric (76′) e a seguir num corte defeituoso de Marquinhos na área que valeu assistência para o remate de primeira (79′). Não mais o PSG voltaria a aparecer em jogo, apesar das investidas de Mbappé. E aquele longo caminho que fez até ao túnel de acesso ao balneário terão sido os últimos passos europeus pelos franceses…