A procuradora-geral adjunta jubilada Maria José Morgado defendeu este sábado a eliminação da fase de instrução dos processos e criticou as alterações introduzidas com a nova estratégia anticorrupção e a mudança de outras leis conexas.

Numa posição expressa no 12.º congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), a antiga diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa lamentou o “conservadorismo” das reformas aprovadas na última legislatura, que, disse, traduzem até “pouca confiança” nos procuradores do Ministério Público (MP).

“Por que não eliminar a fase de instrução, que é uma fase facultativa que só visa confirmar e que tem vindo a alargar-se como fase de pré-julgamento?”, questionou Maria José Morgado, que visou de seguida o objetivo do poder político em travar o surgimento dos chamados megaprocessos e o seu prolongamento por vários anos.

A procuradora responsável por alguns dos casos mais mediáticos de corrupção nas últimas décadas defendeu outro caminho para desenvolver uma justiça mais rápida e eficaz, nomeadamente pelo direito premial e negociação, como os acordos de sentença.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“A eliminação da instrução justificava-se muito mais do que a delimitação das conexões e esse caminho não foi seguido, nem o de reforço do direito premial. Penso que é mais do que conservadorismo; esta legislação tem subjacente formas de pouca confiança nos magistrados. Sou muito aberta a exceções ao princípio de legalidade, como a negociação, que é já aplicado em toda a Europa. Por puro preconceito não se avançou nisso”, afirmou.

Confrontada com eventuais consequências das alterações efetuadas pela Lei 94/21 — que inclui a estratégia anticorrupção e mudanças ao Código Penal, ao Código de Processo Penal (CPP) e a leis conexas -, como o reforço de poder dos juízes de instrução e, sobretudo, a repetição do que ocorreu na instrução da Operação Marquês, em que o juiz Ivo Rosa ‘desmontou’ o processo para julgamentos separados, Maria José Morgado admitiu estar preocupada.

“Atribui poderes que não são meros poderes jurisdicionais e que são quase de delimitação do inquérito. O juiz pode ainda delimitar o tema da prova e limitar a autonomia funcional do MP, que pode ver o processo completamente transformado em função de um critério meramente formal. Passamos da descoberta da verdade material para uma verdade formal e isso é uma derrocada. Vejo isso com grande pessimismo e preocupação”, alertou.

Num painel em que estiveram também presentes o procurador-geral adjunto Vítor Pinto, um dos responsáveis pela Operação Marquês, e o jornalista Luís Rosa (Observador), a ex-diretora do DIAP foi mais longe, ao teorizar sobre a aplicação imediata destas novas regras em megaprocessos que estão pendentes, como o processo BES/GES ou o caso Lex.

“O meu pessimismo aumenta com esta questão que se pode tornar perigosa: é suscetível de aplicação imediata? Se for de aplicação imediata, podemos ter problemas. Um processo pode tornar-se numa dezena de processos e isso pode depender da livre apreciação do juiz”, vincou.

Maria José Morgado criticou ainda a mudança no artigo 24.º, que passou a determinar que a separação de processos seja para avançar “quando seja previsível que origine o incumprimento dos prazos de duração máxima da instrução ou o retardamento excessivo desta fase processual”, cujo máximo temporal está fixado em quatro meses.

“É uma questão que a jurisprudência vai ter de resolver, porque a lei não é clara. Vai haver uma maldição dos quatro meses e isto vai ser um trabalho moldado pela boa jurisprudência”, concluiu a procuradora-geral adjunta jubilada.