Existem apenas dois motivos para uma equipa de ciclismo não marcar presença numa etapa a meio de uma prova que esteja a disputar. Por um lado, a possibilidade de haver problemas físicos entre os corredores, que nos dois últimos anos se traduziu na existência de casos positivos de Covid-19 na comitiva que fazia com que toda a equipa se retirasse. Por outro, a hipótese de haver um diferendo com a organização dessa mesma prova, a nível da tirada ou de eventuais castigos. A W52 FC Porto não preenchia qualquer destes requisitos mas, este domingo, não esteve na terceira etapa do Grande Prémio O Jogo/Leilosoc, em Vila Nova de Paiva. E, não havendo qualquer explicação oficial, a mesma não demorou a ser conhecida.

Doping no ciclismo: dois detidos em megaoperação da Polícia Judiciária

Nuno Ribeiro, diretor desportivo da equipa azul e branca, foi um dos dois detidos no âmbito da operação “Prova Limpa” a par de José Rodrigues, diretor da Fortunna Maia que funciona como adjunto de Nuno Ribeiro nas provas em que a sua equipa não entra. E, numa manifestação de solidariedade, os corredores da W52 FC Porto preferiram ficar fora: José Neves (vencedor em 2021), Jóni Brandão, Daniel Mestre, Ricardo Vilela, Rui Vinhas, João Rodrigues e José Gonçalves, que estava em terceiro na geral.

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Menos um mês antes, a equipa tinha sido abalada pela decisão do Tribunal Arbitral do Desporto sobre o caso de Raul Alarcón, confirmando que as anomalias no passaporte biológico do espanhol coincidem com transfusões sanguíneas. “O painel considera que o perfil [hematológico] do corredor evidencia uma grande possibilidade de manipulação sanguínea, cujo timing reforça esta conclusão, uma vez que estas anomalias coincidem com a Volta a Portugal de 2015, 2017 e 2018″, destacou. Assim, os resultados alcançados nesse período foram todos anulados, com o corredor de Alicante a ficar sem as Voltas de 2017 e 2018, à semelhança do que acontecera com Joaquim Agostinho (1969 e 1973), Fernando Mendes (1978), Marco Chagas (1979) e… Nuno Ribeiro, neste caso o triunfo que tinha conseguido em 2009.

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Pequeno e leve, desde novo que o antigo corredor que passou a profissional em 2000 na Barbot/Torrié Cafés Gondomar se destacou pelas qualidades na montanha e foi aí que construiu a sua primeira vitória na Volta a Portugal já na LA Pecol em 2003, ganhando a mítica etapa da Torre. Depois da terceira posição no ano seguinte e da presença nos Jogos de Atenas, rumou aos espanhóis da Pro Tour Liberty Seguros mas a experiência durou menos de seis meses, ao acusar positivo num controlo anti-doping antes do Giro que o fez regressar à então LA Liberty. É nesse período que tem um abrandamento na carreira, sendo que o corredor anunciou depois que a contra-análise referente a essa situação teve resultado negativo.

Em 2009, Nuno Ribeiro volta a ganhar pela Liberty Seguros a Volta a Portugal, de novo a destacar-se nas duas principais etapas de montanha mas um controlo positivo realizado fora da competição (EPO-CERA, eritropoietina de ação prolongada) dois dias antes do início da prova motivou uma suspensão de dois anos. Voltou pela Efapel Glassdrive, passou ainda pela OFM Quinta da Lixa e foi lá que terminou a carreira em 2014, passando no ano seguinte para diretor desportivo da equipa que hoje é a W52 FC Porto.

“O nome do Nuno Ribeiro [ter sido detido] soube pela televisão, mas não sei de nada. Continuo a confiar no diretor desportivo até prova em contrário. Futuro? Depende do rumo dos acontecimentos. Volto a vincar que não sei de nada. Se a situação evoluir para uma situação grave, vamos reunir com o FC Porto e logo decidiremos o futuro do projeto. Pelo que disseram, fizeram buscas em casa de todos os ciclistas, do Algarve ao Norte, e ao hotel, a partir das 7 horas”, comentou Adriano Quintanilha, patrão da W52 FC Porto, em declarações ao jornal Record pouco depois de ser conhecido o nome de Nuno Ribeiro. “Nunca se pediu para ganhar a todo o custo, a exigência é a de correr com honestidade. Tenho de confiar nas pessoas que estão na equipa e não me passa pela cabeça que exista algo fora do normal”, disse ao jornal O Jogo.

“A Federação Portuguesa de Ciclismo tomou conhecimento pela comunicação social de uma operação desencadeada pela Polícia Judiciária junto da equipa continental W52-FC Porto. Não é o momento para comentar este caso concreto, na medida em que não existem informações detalhadas sobre o que estará em causa. Cabe-nos aguardar serenamente o desenrolar do processo, confiando na independência das entidades que lideram as averiguações. Queremos, no entanto, reafirmar o total compromisso da Federação com um desporto moderno, científico, aberto ao mundo e à tecnologia, que condena frontalmente toda e qualquer atividade tendente a adulterar a verdade desportiva”, anunciou a FPC em comunicado.

“Acreditamos que a autorregulação é um passo fundamental para aproximar o ciclismo português das melhores práticas já existentes a nível internacional. O desenvolvimento ético do desporto depende, antes do mais, do compromisso entre todos os agentes desportivos. Foi por isso que, por iniciativa da Federação Portuguesa de Ciclismo, foi assinado pela Federação, Podium, Associação Portuguesa de Ciclistas Profissionais e as dez equipas continentais portuguesas o Convénio para a Proteção e Valorização do Ciclismo Profissional em Portugal. Trata-se de um documento que funciona como manual prático de autorregulação de todo o ecossistema do ciclismo profissional português, estabelecendo normas de exclusão para os prevaricadores, aceites por todos. O ciclismo, modalidade popular e geradora de paixões, merece de todos nós, agentes da modalidade, um profundo respeito pelos adeptos, que apenas será pleno se estivermos todos comprometidos com a verdade desportiva”, acrescentou a mesma missiva.