O ator Tony Sirico morreu na passada sexta-feira, 8 de julho, a três semanas de completar oitenta anos. A sua mais icónica personagem, no entanto, durará para sempre. Bem antes de dar vida e alma a Paulie “Walnuts” Gualtieri em “The Sopranos”, Sirico levava uma vida preocupantemente semelhante à das personagens que tanto interpretaria ao longo da carreira, sendo até acusado de crimes como extorsão, roubo e porte de arma, cumprindo pena na famosa prisão de Sing Sing. Foi lá, numa visita de um grupo de atores ex-presidiários, que Sirico ganhou interesse pelas possibilidades da representação, inscrevendo-se em aulas e iniciando o seu trilho no mundo do show-business aquando da sua libertação.
Numa carreira que podemos descrever como homogénea, interpretou por mais de quarenta vezes algum tipo de figura da máfia, esporadicamente alterando com um polícia corrupto. Nas palavras do próprio em entrevista a Larry King “Eu não me importo, é isso que me paga a hipoteca”. Trabalhou com Scorsese no clássico “Tudo Bons Rapazes” (1990) e com Woody Allen mais de uma mão cheia de vezes (“Balas Sobre a Broadway”, de 1994, “Poderosa Afrodite”, de 1995, “Toda a Gente Diz que te Amo”, de 1996, “As Faces de Harry”, de 1997, “Celebridades”, de 1998, “Café Society”, de 2016, e “Roda Gigante”, de 2017) mas é com David Chase que constrói o seu mafioso mais memorável.
Quando fez o casting para aquela que é amplamente considerada uma das melhores séries de sempre na história da televisão, Sirico candidatou-se originalmente ao papel do tio Corrado “Junior” Soprano, chefe da família no início da narrativa e que acabaria por ser interpretado por Dominic Chianese. O criador David Chase convidou Sirico para um outro papel central, o de Paulie Walnuts, um dos homens fortes de Tony Soprano na sua ascensão. Sirico aceitou, com a deliciosa condição de que a sua personagem nunca se transformaria num “chibo”.
[alguns dos melhores momentos de Tony Sirico na série “Os Sopranos”:]
Rapidamente se afirmou como uma das figuras preferidas dos fãs da série, pelas suas tiradas engraçadas e perfil violento. Não nos iludamos, num universo populado por personagens profundamente assustadoras e terríveis, Paulie é das piores. A mistura de um pavio extremamente curto com paranoias de perseguição (provavelmente justificáveis naquele mundo) e um tenebroso à vontade com a violência tornam natural que seja a personagem com mais mortes diretamente causadas ao longo da série, incluindo a clássica execução de Salvatore “Big Pussy” Bonpensiero, no barco a meias com Tony e Silvio depois de descobrirem a sua colaboração com o FBI.
Como braço direito de Tony Soprano, a sua progressão – narrativa e hierárquica no crime – está intimamente ligada à do seu chefe, ganhando poder e protagonismo com a escalada da personagem de James Gandolfini no seio da máfia. E é com essas subidas que as nuances dramáticas da escrita da série e interpretação de Sirico ganham mais mais interesse, particularmente na sua relação com Tony e com Christopher Moltisanti (Michael Imperioli), sobrinho do patrão e membro progressivamente mais proeminente da organização e com quem Paulie “choca” constantemente. A confiança aparentemente inabalável de Tony no seu número dois vai-se esvaindo ao longo das seis temporadas, chegando ao ponto de Paulie considerar trair Soprano em troca de um alto cargo numa família mafiosa rival, o que não chega a acontecer. Mais tarde, com os dois foragidos em Miami, Tony contempla assassinar o colega por temer que ele o denuncie. Quem nunca? São coisas que acontecem em qualquer ambiente profissional.
Já com Moltisanti, as quezílias são constantes desde o primeiro momento, com Paulie a não disfarçar algum rancor e desconfiança com o aparente nepotismo da progressão de carreira do sobrinho do patrão sem as devidas provas dadas. Poucos serão os episódios sem uma troca de bocas, uma agressão verbal ou ameaça física entre Paulie e Christopher, muitas vezes só travados pelo próprio Tony ou por um dos capangas presentes no momento. É aliás esta dupla que protagoniza um dos episódios mais memoráveis de toda a série, intitulado “Pine Barrens” (Temporada 3, Episódio 11 e o primeiro de quatro episódios realizados por Steve Buscemi). O que deveria ser uma simples coleta de dívida a um russo chamado Valery, rapidamente se complica quando Paulie provoca o devedor e o agride até à morte. Com a ideia de abandonar o corpo no bosque, Paulie e Chris dirigem-se – e discutem – até ao local e, para sua enorme surpresa, descobrem que Valery não só não está morto como, após mais uma luta, se consegue evadir pela escura e gelada floresta afora. O que se sucede são algumas das cenas mais deliciosas de “Os Sopranos”, com a dupla, à beira da hipotermia, desesperadamente à procura de alguém que entretanto descobrem ser um ex-Comando do exército russo e não um designer de interiores como pensavam.
A beleza e potencial narrativo do meio televisivo é a possibilidade de os seus criadores, guionistas, realizadores e atores conseguirem contar histórias com muito mais tempo e espaço para pequenos pormenores simplesmente impossíveis de encaixar nas duas horas que o cinema dispõe. É assim que ao longo de quase 86 horas temos uma personagem como Paulie, que mesmo sem ser o protagonista da trama, consegue ter os seus próprios arcos (como a descoberta tardia na vida de que afinal a pessoa que sempre tomou por sua mãe é afinal sua tia biológica) e os seus peculiares maneirismos e feitio – as suas superstições, fobia a germes, a sua avareza que frequentemente resvala para o desfalque – fortemente vincados, criando uma personagem das mais únicas que já se viram no pequeno ecrã.
Em toda a sua carreira, Tony Sirico apenas foi nomeado para o prémio de melhor Ensemble Cast (melhor grupo de elenco) nos Screen Atores Guild Awards (os prémios do sindicato de atores) em conjunto com os seus colegas – venceram no primeiro e último anos da série, tendo sido nomeados em todos quanto durou mas enquanto novos sortudos forem descobrindo – e retornando – à epopeia de “Os Sopranos” na HBO Max, Paulie Walnuts viverá para sempre.