A diretora do Museu Nacional da Música, em Lisboa, Graça Mendes Pinto, revelou à agência Lusa que a instalação do museu no Palácio Nacional de Mafra está “numa fase bastante avançada”, depois de “muitos caminhos percorridos” para o consolidar.
Após oito anos e meio a liderar o Museu Nacional da Música, a museóloga vai despedir-se desta entidade num momento de transição para o seu espaço definitivo, e começar novo projeto como diretora do Museu da Fundação Oriente, em Lisboa.
“Tenho estado a trabalhar com historiadores, designers e arquitetos para preparar esta mudança, e tem sido um trabalho apaixonante, mas muito amplo e cansativo. Há muitas frentes e pontos a ver com cuidado. Estamos numa fase bastante avançada, para a instalação, e creio que vai correr bem”, disse em entrevista à agência Lusa.
O Museu Nacional da Música possui uma das mais importantes coleções de instrumentos da Europa, com 13 deles classificados como tesouro nacionais, como é o caso violoncelo Stradivarius Chevillard-Rei de Portugal, que pertenceu ao rei Luís I, do cravo Antunes, e do cravo de Pascal Taskin, que têm atraído músicos de todo o mundo para os tocar.
“Esta instalação provisória no Alto dos Moinhos, na estação do metropolitano, em Lisboa, estava agendada para 20 anos, mas vamos neste momento com 28 anos”, recordou a museóloga, que chegou ao museu numa altura em que era secretário de Estado Jorge Barreto Xavier, e havia nessa altura indicação de mudança para Mafra, depois de várias decisões de tutelas do Ministério da Cultura.
Graça Mendes Pinto recordou que, desde o seu primeiro dia no Museu Nacional da Música, trabalhou a pensar na nova localização do museu, em paralelo com o quotidiano de tratamento do acervo e programação.
Os trabalhos preparatórios — disse à Lusa – começaram pelo estudo e recuperação da coleção, e depois a avaliação dos 17 projetos a concurso para a instalação no Palácio Nacional Mafra, no qual também foi júri, há dois anos.
A museóloga — que pertence à carreira técnica superior dos quadros de pessoal da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) — considera que “foi um privilégio trabalhar a dirigir o Museu da Música: “Houve grandes mudanças nesta casa, porque passou a museu nacional um ano depois de eu chegar, e tivemos toda uma preocupação de restauro das coleções”.
“Com a minha formação de conservadora de museu e museóloga é sempre uma prioridade. Aqui, o restauro das coleções dava outras possibilidades porque se corresse bem, como sempre aconteceu, os instrumentos poderiam ser usados”, obtendo uma nova vida perante o público.
Tomada a decisão oficial de uma localização definitiva — “há tanto tempo esperada” –, esse trabalho de restauro “foi extremamente importante para valorizar o museu, e dá-lo a conhecer”.
O acervo “foi muito maltratado durante muitos anos, desde a saída do Conservatório Nacional, onde esteve, e muito tempo sem estar exposto”, recordou.
Esse acervo só começou a ser exposto a partir de julho de 1994, quando o museu abriu na instalação provisória no Alto dos Moinhos.
“Tem uma grande qualidade, mas precisava de muitos cuidados. Recuperar instrumentos históricos tem de envolver várias valências e saberes, nomeadamente construtores, restaurados da parte mecânica, restauro de pintura, madeira, metais”, nomeou, destacando que contou sempre com o apoio do Laboratório José de Figueiredo.
Por outro lado, a “programação foi a chave para dar a conhecer o museu [da Música] porque não implicava grandes custos adicionais”, disse.
“Com o pouco quadro de pessoal que todos os museus [nacionais] têm, e com as dificuldades de orçamento, a recuperação de um instrumento possibilitava grandes concertos e uma procura nacional e internacional de músicos para virem tocar certos instrumentos raros ao museu”, apontou.
Graça Mendes Pinto disse que recebeu pedidos de todo o mundo para vir tocar, por exemplo o cravo francês Taskin, encomendado pelo rei Luís XVI para a irmã, a princesa Maria Clotilde, e que chegou ao Estado português, que o comprou, após a morte da marquesa de Cadaval.
“É um instrumento extraordinário, com quatro ou seis no género no mundo, e só dois tocáveis”, realçou.
Este trabalho da direção foi feito no sentido de um “reposicionamento do museu a nível nacional e internacional, que contou também com projetos fora de portas, nomeadamente na Fundação Calouste Gulbenkian e o Centro Cultural de Belém”, onde decorreram os concertos.
A intenção da museóloga foi levar os instrumentos mais valiosos e conhecidos da coleção para serem tocados em grandes salas, de forma a serem divulgados, principiando, com o violoncelo Straidivarius, em dois concertos na Gulbenkian “que esgotaram pouco depois de anunciados”.
Na mesma altura, aproveitava para gravar os concertos “em salas com boas condições”, o que não acontecia nas instalações da estação de metro.
A pandemia atingiu o Museu da Música como todos os outros, e a direção passou a procurar que o som dos instrumentos chegasse ao público de outra forma.
“Aproveitando a Presidência Portuguesa, fiz um projeto a convite da Assembleia da República, de apresentar, no final de cada reunião parlamentar de todos os países europeus, um pequeno concerto com um instrumento português, com composições de portugueses e por músicos portuguesas”, apontou.
José Carlos Araújo, Pedro Caldeira Cabral e Luísa Amaro protagonizaram vários dos concertos.
Este ano, no quadro da Temporada Cruzada Portugal-França, o Museu da Música organizou uma exposição e um concerto no Musée de la Musique Filarmonie de Paris, no dia da abertura do evento, com guitarras portuguesas, exemplares de várias escolas de construtores, do Porto até Lisboa.
“Foi muito importante esta troca com um dos principais museus europeus da música, que, ao pé de nós, é um gigante. Mas as coleções do nosso museu são perfeitamente dignas e importantes o suficiente para estarem a par de quaisquer outras de museus da música de qualquer parte do mundo”, sustentou a museóloga, licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com uma pós-graduação em Museologia e Conservação no antigo Instituto Português do Património Cultural.
“Foi um grande prazer abrir este museu ao público, que o passou a frequentar de forma assídua, o que cria uma dinâmica muito importante para o património e o acesso à cultura”, avaliou, acrescentando que pensa ter contribuído de “forma bastante positiva para que tudo corra bem” na ida para Mafra.
Indicou ainda que o processo de transferência “vai continuar a ser acompanhado” pela direção e equipa do museu.
Esta semana, a DGPC anunciou que o musicólogo, gestor e compositor Edward Ayres de Abreu, de 33 anos, foi designado para dirigir o Museu Nacional da Música, a partir de setembro, na sequência de um concurso internacional organizado por aquele organismo do Ministério da Cultura.
“Eu ponderei a minha candidatura, fui inicialmente candidata, até que a dado momento a retirei, quando surgiu esta possibilidade de ir para o Museu do Oriente”, indicou Graça Mendes Pinto à Lusa, sustentando que tomou a decisão de uma forma “muito ponderada”.
Na opinião da museóloga, estes quase nove anos “foram essenciais para o museu, porque havia muitos caminhos para serem percorridos e diversas frentes para conseguir fechar”.
“Os museus merecem respeito, cuidado, amor e, sobretudo, paixão”, exprimiu a responsável que iniciou, em 1984, funções de conservadora no Palácio Nacional da Ajuda, durante dez anos, ingressando em 1994 nos serviços centrais do antigo Instituto Português dos Museus (IPM).
Sobre o novo cargo de direção no Museu do Oriente, a partir de setembro, disse: “Estou muito entusiasmada com as minhas futuras funções. É um museu fantástico e terei o maior gosto em começar este novo projeto”, afirmou sobre um museu que acolhe coleções dedicadas à presença portuguesa na Ásia, e a Kwok On, abrangendo territórios orientais que passam pela Índia, Sri Lanka, China, Macau, Japão e Timor-Leste.
Antes de ingressar no Museu da Música, Graça Mendes Pinto foi ainda requisitada, em 1998, pela Fundação Centro Cultural de Belém (CCB) para exercer as funções de conservadora/museóloga na direção do Centro de Exposições, onde esteve cinco anos, regressando ao IPM para fazer assessoria à direção.
Em 2007, foi nomeada coordenadora da Galeria do Rei D. Luís I, no Palácio Nacional da Ajuda e, em 2014, nomeada diretora do Museu da Música, em regime de substituição. Após concurso, foi designada diretora em fevereiro de 2015.