“Cerimónia de profundo benfiquismo”. Foi assim, com esta expressão, que o Benfica anunciou aos sócios, adeptos e simpatizantes que poderiam despedir-se pela última vez de Fernando Chalana, em pleno Estádio da Luz, durante a tarde desta sexta-feira. Depois do velório na Basílica da Estrela e antes do funeral no Cemitério do Alto de São João, o Pequeno Genial passou pelo relvado encarnado e foi homenageado por centenas de pessoas.

O calor tórrido que se fazia sentir a meio da tarde não afastou todos os que quiseram marcar presença na derradeira recordação de Chalana. Ainda no exterior da Luz, muitos paravam para ver as imagens de lances, assistências e golos do antigo internacional português que iam passando no ecrã gigante exatamente por cima da porta 18, bem em frente à estátua de Eusébio. Quatro portas do estádio abriram ainda antes das 15h, para receber todos aqueles que quisessem entrar, e o suporte onde seria colocada a urna estava já posicionado junto ao canto esquerdo da grande área do Topo Sul — ou seja, bem junto ao corredor esquerdo onde Chalana preferia atuar.

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Os atletas e equipas técnicas de todas as modalidades do Benfica, tanto masculinas como femininas, marcaram presença, posicionando-se numa espécie de semicírculo. Os elementos dos órgãos sociais encarnados foram dos últimos a entrar, acompanhados por nomes como Nuno Gomes, Abel Xavier ou Paulo Futre, e nas bancadas iam sendo feitas as devidas comparações à única homenagem com a mesma envergadura: a de Eusébio, em 2014. No meio dos adeptos, as conversas iam desde as memórias de Chalana e a inevitabilidade da morte à história recente do clube, com Luís Filipe Vieira a manter-se enquanto tema predileto.

Afinal, à exceção da família de Fernando Chalana e do presidente Rui Costa, só faltava no relvado a equipa principal de futebol. Depressa se levantaram suspeitas sobre a possibilidade de o plantel, que este sábado defronta o Casa Pia em Leiria, já não estar disponível para a homenagem. “Se calhar nem vêm. O que é que o Roger Schmidt quer saber do Benfica? Quer é ganhar o dele!”, atirou um adepto mais insatisfeito, que depressa garantiu que nunca votou em Luís Filipe Vieira, até porque nunca votaria em alguém que era “unha com carne com Pinto da Costa”. O tempo, porém, encarregou-se de lhe roubar a razão: minutos depois, a equipa principal encarnada entrou no relvado pelo túnel, liderada pelo próprio Schmidt, e distribuiu-se em duas filas para realizar uma guarda de honra à urna. 

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Rui Costa entrou primeiro, ladeado pela família de Chalana, e depressa surgiu a urna, carregada por Diamantino, Humberto Coelho, Carlos Manuel e Alberto Bastos Lopes e com uma natural bandeira do Benfica por cima. Das bancadas, surgiam palmas e cânticos, com duas gigantescas bandeiras a darem o tom não só para as vozes como para as lágrimas, já que muitos adeptos encarnados não conseguiram esconder a emoção — principalmente e naturalmente, os mais velhos. O apoiante mais insatisfeito, novamente, fez-se ouvir: “Ó Rui Costa, diz qualquer coisa!”, gritou, sendo ouvido em todo o estádio.

O pedido, porém, não foi atendido. Ao longo dos 15 minutos de cerimónia, nenhuma outra voz se ouviu na Luz que não a dos adeptos, com o presidente do Benfica a escolher ficar em silêncio. Ao 10.º minuto, ao simbólico 10.º minuto, os altifalantes do estádio espalharam um “Ser Benfiquista” que foi ainda mais celebrado do que o habitual, com o hino do clube a terminar com pombas brancas no ar. Quantas? 10, naturalmente. Shéu, António Bastos Lopes, Valido e Paulo Madeira transportaram a urna para fora do relvado, sob uma enorme ovação, e as lágrimas voltaram a surgir nas faces de muitos adeptos enquanto alguém soltou um sonoro “está a jogar à bola com o Eusébio!”.

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Adeptos por onde se notava desde já uma tendência. Muitos apoiantes encarnados, principalmente os mais velhos, levaram vestidas camisolas desta temporada mas com o nome de Chalana nas costas, acompanhado pelo número 10. Filipe, porém, foi mais longe. Acompanhado pela namorada, passou praticamente toda a cerimónia de pé, enquanto empunhava uma camisola já antiga e sem nome, só com o ’10’. “Sou colecionador de camisolas e comprei esta há uns anos, é do final dos anos 80. Comprei por ser a camisola do Chalana e tinha de a trazer hoje”, explicou ao Observador.

Esta quinta-feira, o dia seguinte à morte de Chalana, o antigo jogador do Benfica esteve em câmara ardente na Basílica da Estrela, num velório que contou com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, Fernando Gomes, José Couceiro, Fernando Seara e ainda vários antigos colegas, como Carlos Manuel, Shéu, Toni e Humberto Coelho. Rui Costa também passou naturalmente pela Estrela e, já depois de ter assinado um texto de despedida que foi publicado no site dos encarnados logo na quarta-feira, voltou a falar sobre aquele que foi o seu último treinador.

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“O Chalana não é só um símbolo do Benfica, é um dos maiores símbolos do futebol português. Não sei se está ao lado do Eusébio mas, seguramente, está no patamar dos grandes. Foi um dos meus ídolos de infância. Não vi jogar o Eusébio mas, para as pessoas da minha geração, foi o melhor que vi jogar com a camisola do Benfica. Dos que eu vi, talvez seja o maior génio do futebol português. Era tudo em campo: magia, fantasia, a finta sem sequer tocar na bola…”, explicou o presidente encarnado.

Mais à frente, Rui Costa destacou o facto de Chalana ter usado o número 10, um número que o Benfica decidiu retirar na presente temporada. “Foi também o meu último treinador e alguém com quem tenho grande orgulho em ter privado. O jogador todos conheceram, mas importa referir a grande pessoa que era. Continuou a ser treinador da formação no Benfica e não havia quem não tivesse admiração por ele. Uma pessoa de enorme humildade, conseguiu conquistar toda a gente […] Qualquer jogador do Benfica sabe que o número 10 é uma responsabilidade extra, porque Chalana deixou-a como referência. É verdade que o Eusébio também usou esse número e que eu herdei esse número do Valdo mas, sempre que alguém a utiliza, é lembrado que foi o número do Chalana”, acrescentou.