O bastonário da Ordem dos Advogados (OA) alertou esta quinta-feira que com a proposta de revisão constitucional parece estar “mais em causa a supressão de direitos, liberdades e garantias”, o que entende como “uma deriva muito preocupante“.
Num debate esta tarde em Setúbal, dedicado ao tema “Os ataques em curso à advocacia”, o bastonário da OA Luis Menezes Leitão defendeu que se atravessa “um período bastante complexo, começando desde logo pela questão da revisão constitucional”.
“Parece que está mais em causa a supressão de direitos de liberdade e garantias, porque, como sabem, nós tivemos 23 decisões do Tribunal Constitucional a declararem inconstitucionais todas as medidas que foram adotadas pelo Governo durante a pandemia”, disse o bastonário da OA.
“Agora parece que vai surgir, até com o apoio do Presidente da República, uma revisão constitucional para dizer ou tornar constitucional tudo o que se passou. Bom, isso só me fez lembrar a história do ministro Santos Costa, que costumava dizer, quando diziam que ele violava a lei, que a lei estava na ponta da sua caneta. E de facto estamos um pouco a entrar nesta deriva, o que me parece muito preocupante”, acrescentou Menezes Leitão.
O bastonário referiu ainda queixas dos deputados, que afirmam que este processo está a acontecer à sua revelia, lembrando que a Constituição estipula que “a revisão constitucional compete aos deputados“.
“Bom, isto é possível em Portugal? E ninguém diz nada? Não, mas hoje estamos zangados porque a revisão constitucional vai ser feita sem nós. Eu pergunto, mas então, o que é que se está a passar em Portugal? Acho que a situação é muito preocupante, e, devo dizer, acho que a primeira função de ordem dos advogados é defender o Estado de Direito, as liberdades e garantias dos cidadãos”, disse o bastonário.
Luis Menezes Leitão rejeitou “meias palavras” e “palavras delicadas” para caracterizar o momento: “Acho que temos que olhar com o caso com olhos de ver, e os olhos de ver dizem que a situação que estamos a atravessar é gravíssima”.
O Governo recusou hoje que esteja a condicionar os deputados sobre a forma como a questão da emergência sanitária deve constar no futuro processo de revisão constitucional, alegando que se tratou apenas de “partilha de informação“.
Esta posição foi transmitida pela ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, depois de ter sido confrontada com a reação negativa de vários deputados, alguns mesmo do PS, pelo facto de o primeiro-ministro, António Costa, ter enviado na quarta-feira para o parlamento novos contributos da comissão técnica por si nomeada sobre proteção em emergência de saúde pública.
De acordo com a ministra da Presidência, ainda durante a anterior legislatura o Governo solicitou a um grupo de trabalho uma reflexão sobre as dimensões legislativas necessárias para enquadrar medidas que o executivo, o Presidente da República e parlamento, “em articulação, tomaram durante a pandemia da Covid-19”.
Na nota divulgada na quarta-feira pelo gabinete do primeiro-ministro, refere-se que, “tendo sido iniciado um processo de revisão da Constituição”, António Costa “entendeu solicitar à comissão técnica que ponderasse novamente a necessidade de introduzir uma norma constitucional que reforce a segurança jurídica do conjunto de previsões constantes do anteprojeto de Lei de Proteção em Emergência de Saúde Pública e, em face desta nova circunstância, propusesse o que lhe parecesse mais conveniente”.
Segundo o gabinete do primeiro-ministro, os novos contributos da comissão técnica foram enviados na quarta-feira à Assembleia da República.
A comissão técnica sugere, no âmbito dos trabalhos da comissão eventual de revisão constitucional, que seja aditada uma nova alínea: “Separação de pessoa portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção graves, determinada pela autoridade de saúde, por decisão fundamentada, pelo tempo estritamente necessário, em caso de emergência de saúde publica, nos termos da lei”.
Em junho de 2021, o Governo constituiu uma comissão técnica para o estudo e elaboração de anteprojetos de revisão do quadro jurídico vigente em função da experiência vivida durante a pandemia da Covid-19.
A comissão técnica foi constituída pelo juiz-conselheiro jubilado António Henriques Gaspar, o procurador-geral-adjunto João Possante, em representação da Procuradora-Geral da República, Ravi Afonso Pereira, em representação da Provedora de Justiça, e Alexandre Abrantes, professor catedrático da Escola Nacional de Saúde Pública.
No sábado, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recusou pronunciar-se sobre a revisão constitucional por ser um processo em que não tem qualquer intervenção, mas voltou a alertar para a necessidade de mexidas nas questões dos metadados e da emergência sanitária.