Miguel Alves, ex-secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, foi acusado pelo Ministério Público do crime prevaricação no âmbito de uma certidão extraída da Operação Teia.

De acordo com o despacho de acusação a que o Observador teve acesso, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto acusa o agora secretário de Estado demissionário de ter beneficiado ilicitamente a empresa Make it Happen de Manuela Couto, mulher de Joaquim Couto, histórico autarca socialista de Santo Tirso, na contratação de serviços de comunicação e de marketing num total de cerca de 44 mil euros e através de dois contratos.

“Conduzindo e provocando o procedimento, concertando preço e a forma de pagamento daquele contrato com Manuela Couto e determinando os serviços da Câmara Municipal de Caminha a adequarem o procedimento àquele plano que previamente ambos delinearam”, agiu o arguido Miguel Alves de forma a “violar as normas de contratação pública sobre aquisição de serviços que bem conhecia que estava obrigado a respeitar”, lê-se no despacho de acusação a que o Observador teve acesso.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o caso de Miguel Alves.

Miguel Alves não resistiu à acusação

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Do ponto de vista prático, o DIAP Regional do Porto acusou Miguel Alves de ter contratado efetivamente Manuela Couto sem qualquer procedimento de contração pública aberto. Ou seja: primeiro a empresa da mulher de Joaquim Couto prestou os serviços e só depois é que foi aberto o procedimento de contratação pública.

Pior: o DIAP de Regional do Porto acusa Miguel Alves de ter provocado “a necessidade de contratar os serviços de assessoria de comunicação de marketing” e de ter criado um procedimento à medida da empresa de Manuela Couto.

Serviços prestados em 2014 e peças televisivas avaliadas a peças de publicidade

Foi a 4 de julho de 2014 que Miguel Alves e Manuela Couto se terão encontrado nas instalações da Câmara de Caminha, segundo a acusação. Terá sido naquela altura que acordaram que uma das empresas detidas por Manuela Couto começaria de imediato a prestar serviços de assessoria de comunicação à autarquia.

Assim, foram prestados serviços ao longo de julho de 2014 na comunicação dos eventos Art Beer Fest, Entre Margens e Feira Medieval, todos organizados pela Câmara de Caminha.

Da comunicação desses eventos, nasceram várias peças televisivas nas estações RTP e TVI que, segundo a empresa de Manuela Couto,  valeriam, se fossem “espaço publicitário televisivo, a ter sido pago enquanto tal” (o que não foi), cerca de 352.946 euros. Segundo os dados da empresa, Caminha e o seu presidente tinham aparecido “sete vezes” na televisão, “o que equivalia a mais de uma reportagem por semana”,

Mas só em março de 2015, após a insistência da empresa de Manuela Couto, é que foram abertos os procedimentos administrativos na autarquia que levaram à abertura de um processo de contratação pública. Primeiro, foi feita uma informação por uma funcionária (Gabriela Alves) a referir que o gabinete do presidente tinha “limitações de meios humanos a nível da comunicação”.

Isto “teria de ter como resultado a contratação da MIT e não a de qualquer outra empresa porque os serviços a cobrir pelo contrato celebrado já tinham tido o seu início de execução” e o mesmo contrato visava “remunerar retroativamente a empresa de Manuela Couto”, conforme combinado, lê-se na acusação.

Assim, foram pagos cerca de 44 mil euros, sendo o último pagamento de agosto de 2017.

Como tudo começou: suspeitas de financiamento partidário ilícito que não se comprovaram

O inquérito contra Miguel Alves começou por causa de uma denúncia anónima entrada a 3 de julho de 2019 no DIAP Regional do Porto. Mais tarde surgiria uma segunda denúncia na Polícia Judiciária. As denúncias tinham o mesmo objeto: os dois contratos com Manuela Couto através da Make It Happen.

As mesmas denúncias, segundo o despacho de acusação, teriam como objetivo a prestação de serviços fictícios com o fim de constituir “um saco azul para o pagamento de promessas eleitorais e serviços prestados em campanha eleitoral”, lê-se no despacho de acusação.

Contudo, a investigação da PJ do Porto e do DIAP Regional do Porto não confirmaram tais suspeitas, sendo certo que os serviços foram efetivamente prestados pela Make it Happen.

No sábado, o Observador revelou que o governante era arguido não apenas em um processo, mas em dois. No caso que diz respeito à Operação Teia, existem suspeitas de que a empresa de Manuela Couto tenha sido favorecida na adjudicação de vários contratos.

No centro da investigação está a sociedade Mit — Make it Happen, Lda. que realizou contratos com a Câmara Municipal de Caminha entre abril de 2015 e  julho de 2016.

A Operação Teia, que tem no seu centro Joaquim Couto, histórico ex-autarca socialista de Santo Tirso, e a sua mulher Manuela Couto, levou à extração de uma certidão. E esta teve como alvo da sua investigação, entre outros autarcas, Miguel Alves.

Outros autarcas da região norte, como Aires Pereira (Póvoa de Varzim), Nuno Fonseca (Felgueiras), Raul Cunha (Fafe) e Jorge Sequeira (São João Madeira) estão igualmente referenciados nos autos da Operação Teia como tendo sido contactados por Joaquim Couto com alegados pedidos para contratarem empresas da sua mulher, Manuela Couto. Há igualmente indícios de que tais contactos foram combinados entre o casal Couto.

Miguel Alves. Secretário de Estado adjunto de António Costa afinal é arguido não em um, mas em dois processos

Em 2017, Costa distinguiu estatuto de arguido do de acusado

Sublinhe-se que este caso nada tem que ver com o acordo feito por Miguel Alves, na qualidade de presidente da Câmara de Caminha, e um empresário para a construção de um centro de exposições. Nesse caso em concreto, revelado pelo jornal Público, o governante foi politicamente responsável por adiantar 300 mil euros a uma empresa para a construção do tal centro — que ainda não existe. Depois das informações tornadas públicas, o Ministério Público decidiu abrir um inquérito ao secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro.

Coisa diferente é o estatuto de arguido em dois processos — um relacionado com a Operação Éter e este relacionado com a Operação Teia. Esta quinta-feira, a ministra Mariana Vieira da Silva garantiu que nada tinha mudado em relação a Miguel Alves, negou qualquer dualidade de critérios em relação a outros elementos que saíram do governo no passado e desafiou os jornalistas a lerem os comunicados emitidos pelo Governo na altura.

O comunicado do primeiro-ministro a que Mariana Vieira da Silva se refere é relativo a 9 de julho de 2017 e surgiu quando os secretários de Estado envolvidos no “Galpgate” pediram a demissão. Nessa altura, António Costa decidiu “aceitar o pedido de exoneração, apesar de não ter sido deduzida pelo Ministério Público qualquer acusação, nem consequentemente uma eventual acusação ter sido validada por pronúncia judicial”. O primeiro-ministro fez, por isso, a distinção entre os dois estatutos — arguido e acusado.

Também esta quinta-feira, Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, saiu em defesa do seu colega de Governo usando o mesmo argumento. “Que eu saiba, o estatuto de arguido é um estatuto que existe para nós nos protegermos perante a Justiça. Tenho registado as interpretações que têm sido feitas sobre o conceito de arguido. Não é ser acusado ou condenado.”

Governo rejeita “atitude diferente” na avaliação do caso do Adjunto do primeiro-ministro