Depois de apanhar um susto na última jornada da fase de grupos, chegando a estar virtualmente eliminada nos curtos instantes em que estava a perder com o Japão e a Costa Rica estava a vencer a Alemanha, Espanha defrontava Marrocos nos oitavos de final do Mundial — sabendo de antemão que, em caso de apuramento, cruza com Portugal se a Seleção Nacional eliminar a Suíça.

Contra uns marroquinos que surgiam na primeira ronda a eliminar claramente motivados pelo primeiro lugar conquistado num grupo onde também estavam Croácia e Bélgica, os espanhóis pretendiam prolongar as boas impressões deixadas essencialmente frente a Costa Rica e Alemanha e esquecer as dificuldades que ficaram evidentes com o Japão. Mas algo era certo: Luis Enrique não iria abdicar das ideias que tem para a equipa.

“Não vamos mudar a nossa ideia. Mas isso não quer dizer que temos de dominar os 90 minutos, porque jogamos contra seleções, jogadores e treinadores de alto nível. Não jogamos sozinhos. Vamos defrontar Marrocos, que é uma grande equipa, e em termos de motivação estamos muito bem. Se tiver de analisar o nosso rendimento neste Mundial, estivemos notáveis tirando em 10 minutos contra o Japão. Os adversários também jogam. Estou muito motivado e convencido de que podemos alcançar um bom resultado”, explicou o selecionador espanhol na antevisão, onde revelou também que pediu aos jogadores que cobrassem mil grandes penalidades antes do Campeonato do Mundo, já que Espanha já tinha sido eliminada das últimas duas grandes competições (Mundial 2018 e Euro 2020) na decisão por penáltis.

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Neste contexto, Luis Enrique promovia uma única novidade no onze inicial, lançando Marcos Llorente na direita da defesa e deixando tanto Carvajal como Azpilicueta no banco. Pedri, Busquets e Gavi eram os naturais donos do meio-campo e Asensio surgia no trio ofensivo acompanhado por Ferran Torres e Dani Olmo. Do outro lado, Walid Regragui não abdicava de Hakimi, Mazraoui, Ziyech, En-Nesyri e também Boufal e tinha Amrabat enquanto pêndulo absoluto de toda a equipa.

Numa primeira parte que terminou sem golos, Espanha teve quase sempre mais bola mas não conseguiu aproximar-se muitas vezes da baliza adversária, permitindo a Marrocos respirar e apostar essencialmente na transição rápida e na velocidade pelos corredores. Os marroquinos tiveram mesmo as melhores oportunidades até ao intervalo, com Mazraoui a rematar para defesa atenta de Unai Simón (33′) e Aguerd a cabecear por cima (42′), e os espanhóis só responderam por intermédio de Asensio, que atirou à malha lateral após ser lançado na esquerda (27′). Espanha ia tendo um jogo bem mais complexo e difícil do que o teoricamente expectável e Marrocos tinha todas as razões para acreditar no apuramento — nem que fosse pela exibição de Boufal, que ia dando a Llorente uma tarde para esquecer.

Nenhum dos treinadores fez alterações ao intervalo e a segunda parte desenrolou-se ao longo de períodos repartidos e alternados de domínio de parte: Espanha começou melhor, Marrocos recuperou o controlo à passagem da hora de jogo e os espanhóis voltaram a atuar nos últimos 30 metros no derradeiro quarto de hora do tempo regulamentar. As oportunidades, porém, escassearam — e nenhuma das equipas conseguiu quebrar o nulo e evitar o prolongamento. Na meia-hora extra, nada se alterou. E a decisão seguiu mesmo para as grandes penalidades.

E aí, a derrota espanhola não poderia ter sido maior: Sarabia falhou, Soler falhou, Busquets falhou. Espanha falhou os três penáltis que cobrou e sai do Campeonato do Mundo pela porta pequena e novamente eliminada nas grandes penalidades — pela terceira competição consecutiva. Por outro lado, Marrocos já alcançou a melhor participação de sempre num Mundial, já que nunca tinha ido além dos oitavos de final, e vai defrontar Portugal ou Suíça nos quartos.

A pérola

  • É impossível falar de Marrocos sem falar de Achraf Hakimi. O lateral do PSG, que passou pelo Real Madrid, pelo Borussia Dortmund e pelo Inter Milão antes de aterrar em Paris, é o capitão de equipa e o líder assumido de um grupo que acreditou no apuramento desde o primeiro segundo. Para além de ser genericamente o melhor jogador marroquino — não só pelo que joga mas também pelo que faz jogar –, assumiu a marcação da grande penalidade decisiva, bateu Unai Simón com uma espécie de Panenka e deixou claro que nem o peso da responsabilidade lhe retira a óbvia qualidade que nunca passa despercebida.

O joker

  • Obviamente, Yassine Bounou. Depois de ter sido decisivo várias vezes ao longo dos 120 minutos, com várias defesas importantes que prolongaram o empate e mantiveram o nulo, o guarda-redes do Sevilha parou os remates de Soler e Busquets e ainda viu o de Sarabia acertar no poste, garantindo o apuramento de Marrocos nas grandes penalidades. Num Mundial onde se tornou protagonista na antecâmara da partida contra a Bélgica, quando chegou a cantar o hino mas não jogou por ter sentido tonturas, Bounou assumiu novamente o papel principal e atirou a seleção marroquina para os quartos de final.

A sentença

  • Pela terceira vez consecutiva, Espanha foi eliminada de uma grande competição nas grandes penalidades. Tinha acontecido no Mundial 2018, tinha acontecido no Euro 2020, voltou a acontecer no Mundial 2022 — e aquilo que era apenas um dado estatístico parece cada vez mais ser um problema estrutural na seleção espanhola. Adicionalmente, os espanhóis voltam a falhar a final de um Europeu ou Mundial, estando arredados das grandes decisões desde que foram campeões europeus em 2012.

A mentira

  • Não, esta seleção marroquina não é apenas Hakimi, Ziyech e Mazraoui. Num dia em que Boufal esteve praticamente brilhante, em que Bounou foi crucial e em que Aguerd cumpriu uma exibição brutal, a equipa de Walid Regragui mostrou que é um caso sério e que pode perfeitamente provocar muitos problemas a Portugal nos quartos de final (caso a Seleção elimine a Suíça esta terça-feira).