Num cenário que faz lembrar um videojogo ou um deserto cyberpunk, a história é inspirada na fábula inacabada do dramaturgo italiano Luigi Pirandello, “Os Gigantes da Montanha”. Em fuga da cidade, uma companhia de circo chega ao deserto, onde já se encontra um grupo de “azarentos” a viver — isolado e desiludido com o mundo. Depois de alguma resistência à entrada dos novos inquilinos, o grupo recebe a Companhia e, em pleno deserto, monta a “festa do circo” e desafia. É com esta premissa que o Circo de Natal está de volta ao Coliseu do Porto de 8 de dezembro a 8 de janeiro, e traz novas atuações e mais acessibilidade.

“Este foi o último texto que Luigi Pirandello escreveu em vida e interessa-me esta questão de alguém que deixa como sua última obra um hino à arte, aquilo que lhe parece ser o bem essencial para continuarmos vivos: a celebração, a festa, o estarmos todos juntos com alegria”, explica Rui Paixão, que este ano assume a função de diretor artístico, além de também fazer parte do elenco do circo, interpretando um palhaço que “quer muito ser vilão”.

A ideia, acrescenta o artista que foi também o primeiro português a integrar o Cirque du Soleil como criador original, é que o espetáculo “não se resuma apenas ao número que se está a apresentar”. “Um espetáculo de circo não se resume apenas a isso. Há todo o ambiente, toda a estética, todos os figurinos…tudo tem de ser pensado ao pormenor. A ideia é ‘engolir’ o público: quando entram no Coliseu, já estão a sentir que estão dentro de um deserto e, de repente, estão num ‘Mad Max’ para crianças e ali deixam-se estar”, acrescenta, sublinhando que “cada personagem tem uma micro-dramaturgia que a permite enquadrar-se dentro do espetáculo”.

O cenário mais tecnológico deste ano vai de encontro ao que Rui Paixão diz ser uma das grandes preocupações: respeitar o tradicional, mas também abraçar a mudança. Por isso, explica, o circo vai continuar “com as músicas do imaginário do circo tradicional e muitos dos números antigos”, mas aproveitando para “criar uma cenografia que parece que sai de um ecrã e que se estende como um videojogo, também para convencer os mais novos de que o circo é uma arte com futuro a que eles se podem conectar”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Estamos a falar de uma tradição de 81 anos e a mim continua a comover-me sempre que piso esta pista lembrar-me que o Marcel Marceau esteve aqui e tantos outros artistas. São 81 anos de histórias e para nós, mais do que tudo, é um privilégio. Há que não deixar morrer esta tradição e para não deixar morrer temos que continuar a inovar. Cair, errar e fazer melhor. Todos os anos”, acrescenta.

Este ano, o Circo de Natal do Coliseu do Porto conta com mais de 30 artistas e criadores oriundos de seis países. O protagonista da narrativa é um mago interpretado pelo ator Paulo Azevedo, que vai narrar toda a história e apresentar cada número. Daniel Gonçalves será o clown do espetáculo e o mágico Mário Daniel estará a cargo dos números de ilusionismo. De França, o luso-francês Nico Pires traz o diabolo, Dmitry Alexandrov vai mostrar a manipulação de formas e do Brasil chegam Alan Secades, na Roda Cyr, e Priscila Fernandes, com um número de suspensão capilar.

Há também espaço para a costa-riquenha Mau Jara fazer um número com os pinos e o equilibrista português Pedro Matias vai mostrar a técnica do Rolla Bolla. Na arriscada Roda da Morte vai estar a Trupe Peres e há ainda, durante todo o espetáculo, a contribuição dos alunos de teatro e dança do Balleteatro, estrutura artística em residência no Coliseu do Porto. Pela primeira vez, o Coliseu do Porto abriu também audições para encontrar novos artistas e encontrou Carolina Vasconcelos e Emília Parol, que serão “as gémeas”, inspiradas pela imagética clássica do circo.

Pelo terceiro ano consecutivo, o Circo de Natal vai contar com uma banda ao vivo em todas as sessões e este ano a banda sonora escolhida é uma homenagem ao Chapitô, instituição em Lisboa com décadas de dedicação e de investigação no circo, que em 1987 lançou um disco chamado “A Festa do Circo”, com músicas de Sérgio Godinho, Nino Rota, Rão Kyao ou António Victorino d’Almeida, e que vai agora ser de novo revelado ao vivo com novos arranjos do compositor Ramón Galarza, que gravou e editou este álbum há 35 anos.

Audiodescrição e espetáculos com Língua Gestual Portuguesa

Outra das novidades deste ano está relacionada com a acessibilidade: pela primeira vez, o Circo de Natal do Coliseu do Porto vai contar com serviços de Língua Gestual Portuguesa e com quatro sessões com audiodescrição para pessoas cegas ou com baixa visão. Todas as sessões do espetáculo serão ainda “sessões descontraídas”, que se adaptam a todas as pessoas e famílias num ambiente mais descontraído e que dispõe de uma Sala de Conforto, um espaço mais tranquilo para espectadores que estejam a sentir ansiedade ou necessitem de um momento de calma.

“Queremos melhorar do ponto de vista estético e narrativo do espetáculo, mas também nas condições de acessibilidade para o público. Há uma grande percentagem da população portuguesa que tem dificuldades no acesso aos equipamentos culturais, porque eles não estão preparados para receber todas as pessoas em condições de igualdade. O Coliseu tem de ser um exemplo: temos um equipamento que serve milhares de pessoas e um espetáculo que vai estar em cartaz o mês inteiro. Se o circo não tiver serviços de acessibilidade muitas pessoas ficam privadas da experiência”, explica Mónica Guerreiro, presidente do Coliseu do Porto.

Já sobre o desafio colocado na criação artística deste espetáculo, Mónica Guerreiro destaca que “o público vai ver que, apesar de já ter vindo muitas vezes, o circo continua a ser novo e continua a ter fatores de inovação”. “A dramaturgia e o lado narrativo é também algo que é diferenciador, porque a típica gala de circo procura fazer suceder habilidades e técnicas circenses, mas sem a preocupação de construir um sentido entre todos os números”, explica ainda, sublinhando que “há uma orientação narrativa que vai conduzir o do início ao fim do espetáculo”.

A ideia é corroborada por Rui Paixão: “Quando me desafiaram a fazer a direção artística deste espetáculo, o meu grande foco foi precisamente construir, talvez pela primeira vez, um espetáculo de teatro com circo e não um espetáculo de circo com teatro. Há uma preponderância muito grande na personagem principal, na história, no texto e nas personagens”.

Os bilhetes para o Circo de Natal do Coliseu do Porto custam entre 9 e 19 euros. As crianças até aos 3 anos têm 75% de desconto. Já estudantes têm 50% de desconto, e famílias com mais de três elementos têm 25% de desconto. A primeira sessão acontece esta sexta-feira, dia 9 de dezembro, às 21h.