Especialistas em Direito do trabalho defendem que o ministério da Educação deveria ter prevenido os efeitos da atual greve de professores, definindo atempadamente serviços mínimos que garantissem o direito à educação dos alunos.

O ministério da Educação (ME) anunciou na quarta-feira que pediu um parecer jurídico à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Centro de Competências Jurídicas do Estado sobre a legalidade da forma de execução das greves dos professores convocadas pelo STOP e pelo SIPE.

Entre as principais dúvidas destaca-se o facto de os sindicatos terem avançado com uma greve por tempo indeterminado e, agora, a possibilidade de se poder solicitar serviços mínimos que garantam o direito à educação.

Para a especialista em Direito do Trabalho, Rita Garcia Pereira, a greve dos professores não está ferida de ilegalidade, porque a atual legislação não define um tempo máximo de greve, ou seja, “podem existir greves que não têm prazos”.

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“Também não há dúvidas quanto à possibilidade de existirem greves parciais”, disse a especialista, acrescentando que “mesmo que existam eventuais abusos, isso seria um problema dos trabalhadores que os cometem e não da greve tal e qual como ela foi declarada”.

Já Fausto Leite considerou que a definição de uma greve por tempo indeterminado é “desproporcional”: “A educação das crianças é um direito fundamental que também não pode ser restringido”, disse.

“A greve é um direito, mas os alunos também têm direito à educação. Este direito tem de ser adequado e proporcional. Não me parece que estes dias todos elencados aqui (nos pré-avisos de greve dos sindicatos) satisfaçam esses princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade”, criticou Fausto Leite.

Apesar das diferentes visões, os dois especialistas são unânimes nas criticas ao ministério da Educação por não ter definido serviços mínimos que garantissem aos alunos o acesso à educação.

“Falhou o ministério porque deveria ter requerido previamente a prestação e fixação de serviços mínimos”, disse o especialista com mais de meio século de experiência na área laboral.

Também Rita Garcia Pereira defendeu que deveriam ter sido definidos serviços mínimos, mas lembrou que já foi ultrapassado o “timing legal” para o fazer.

Segundo a especialista, os serviços mínimos teriam de ter sido definidos até três dias após a entrega do pré-aviso de greve: “Eu tenho fundadas dúvidas jurídicas de que se possa pedir fora de tempo, com o pretexto de que a greve é por tempo indeterminado. Mas não tenho a menor dúvida, como cidadã, que é exatamente isso que vai acontecer”, disse.

Rita Garcia Pereira sublinhou, no entanto, que “serviços mínimos não são serviços máximos”, ou seja, não servem para garantir que todos os alunos têm todas as aulas.

Na opinião de Rita Garcia Pereira, os serviços mínimos serviam para garantir que “os alunos tinham aulas às cadeiras nucleares”, sendo preciso definir o que são as cadeiras nucleares de cada nível de ensino.

Houve uma altura que [o ministério] poderia ter feito tudo de forma legal, mas não o fez, porque penso que o Ministério não se apercebeu da dimensão desta greve. Quando saiu o pré-aviso poderia ter desencadeado todos os mecanismos, se haveria necessidade ou não de serviços mínimos”, disse Rita Garcia Pereira.

A Confederação Nacional das Associações de Pais defendeu que o Governo devia “com urgência decretar serviços mínimos” e, entretanto, a tutela pediu os dois pareceres jurídicos.

No entanto, António Garcia Pereira lembrou que estes são “pareceres jurídicos” e que apenas os tribunais podem definir se a greve é ou não ilícita.

Na opinião de António Garcia Pereira, a atual greve dos professores é legal e não permite a definição de serviços mínimos.

“O ministério está com os nervos em franja”, disse o especialista, acusando a tutela de querer “intimidar as pessoas que estão a lutar com a insinuação de que a greve será ilícita e que poderá haver consequências de haver faltas injustificadas e outras coisas do género”.

“Este tipo de pareceres pedidos a este tipo de entidades têm a curiosa singularidade de darem sempre razão a quem os encomenda“, acusou.

O Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP) iniciou em dezembro uma greve por tempo indeterminado, que deverá prolongar-se, pelo menos, até ao final do mês.

Também o Sindicato Independente dos Professores e Educadores (SIPE) convocou uma greve parcial ao primeiro tempo letivo até fevereiro, sendo que entre 16 de janeiro e 08 de fevereiro se realiza uma greve por distritos, convocada por oito estruturas sindicais, incluindo o SIPE e a Federação Nacional dos Professores (Fenprof).

Em causa estão problemas antigos relacionados com a carreira docente e condições gerais de trabalho, assim como propostas apresentadas pelo ministério sobre um novo regime de recrutamento e colocação, que ainda decorre.