O presidente da Câmara de Lisboa afirmou esta quarta-feira que não existe uma política de imigração digna em Portugal, falando a propósito da morte de dois imigrantes num incêndio num prédio na Mouraria, assumindo que “há responsabilidades de todos”.

“Há responsabilidades de todos, […] temos de olhar para o nosso país e pensar quais são as políticas que temos para ter uma política de imigração digna e hoje não temos uma política de imigração digna em Portugal“, declarou Carlos Moedas (PSD).

O autarca falava numa reunião pública descentralizada da Câmara Municipal de Lisboa, para audição de munícipes das freguesias de Santa Maria Maior, Santo António, São Vicente e Misericórdia, em que foi abordada a “tragédia” do incêndio num prédio na Mouraria, que provocou dois mortos e 14 feridos, e que expôs a falta de condições no acolhimento de imigrantes, inclusive a sobrelotação de habitações.

“Quando olhamos para países como a Alemanha, a Suécia e a Dinamarca, vemos exatamente o que é que são políticas de imigração dignas, que acompanham as pessoas que vêm para o país, e isso não acontece em Portugal, portanto isso é o primeiro ponto que temos, como sociedade, de pensar”, defendeu o presidente da Câmara de Lisboa.

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Carlos Moedas realçou que a população em Portugal e na Europa está a diminuir: “Precisamos de mais pessoas e precisamos desses imigrantes, mas têm de vir para os países com dignidade e têm de vir para os países com contratos de trabalho, não podem vir para os países sem terem nenhuma maneira de subsistir e estarem numa precariedade […] em situações horríveis”.

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O assunto foi levantado pela munícipe Maria Pinheiro Vargas, moradora da freguesia de Santa Maria Maior, que disse que “toda a gente sabe o que se passa naqueles bairros”, referindo-se ao acolhimento de imigrantes, que “é um negócio escuro”, em que “não há fiscalizações, compram-se prédios grandes, faz-se obras lá dentro, de um apartamento faz-se dois”, considerando que “é uma lástima, uma vergonha, um escândalo”.

Após a intervenção dos munícipes, o vereador do PS Pedro Anastácio lamentou a perda de vidas humanas no incêndio na Mouraria e criticou as declarações da vereadora da Habitação, Filipa Roseta (PSD), que questionou a intervenção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), considerando que foi “uma tentativa de sacudir a responsabilidade”,

O socialista propôs o levantamento das “condições de habitabilidade e salubridade” dos edifícios na Mouraria, referindo que “este é um problema que existia, mas que se tem vindo a agravar”, pelo que são necessárias novas soluções, admitindo que “o alojamento local pode ser um fator de risco”, mas a competência de fiscalização é repartida entre a câmara e a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

Indignado com o que se passou na Mouraria, o vereador do PCP João Ferreira contestou a intervenção pública de Filipa Roseta, porque “não dignificou a Câmara Municipal de Lisboa”, afirmando que “este é um problema que, mais do que um passa culpas, deve levar a um empenhamento sério na procura de soluções”.

O comunista disse que a falta de condições no acolhimento de imigrantes é “uma situação que se repete em muitos sítios por esta cidade” e afirmou que “a câmara não pode lavar as mãos como se nada tivesse a ver com o assunto”.

Também as vereações do BE e do Cidadãos Por Lisboa (eleito pela coligação PS/Livre) lamentaram as vítimas do incêndio e sublinharam que os imigrantes estão “em situação de vulnerabilidade muito grande”.

O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), responsável pelo território da Mouraria, reconheceu o “grande humanismo” do presidente da câmara que esteve no local do incêndio e defendeu que é preciso apurar o que aconteceu, afirmando que “é certo que há um pano de fundo muito negro sobre isto”.

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Não alinho neste histerismo que a culpa é dos imigrantes, não é, e ontem [terça-feira] a senhora vereadora [Filipa Roseta] abriu essa porta, porventura involuntariamente, quando pergunta o que é que fez o SEF”, apontou Miguel Coelho, frisando que o problema não são os imigrantes que cá estão, mas sim as condições em que são acolhidos.

Na terça-feira, na Assembleia Municipal de Lisboa, a vereadora da Habitação questionou a intervenção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Na noite de sábado, um incêndio deflagrou num prédio na Rua do Terreirinho, no bairro da Mouraria, provocando dois mortos, um homem de 30 anos e um jovem de 14, ambos de nacionalidade indiana, e 14 feridos, todos já com alta hospitalar.