Não era complicado perceber por antecipação quem iria ser galardoado numa grande cerimónia da France Football ou da FIFA. Não era, nunca foi, agora não é, no futuro não será. E não tem de haver necessariamente passagem de informação para fora, como também aconteceu em edições passadas – basta olhar para a lista de presenças confirmadas, analisar todo o contexto à volta desse prémio em específico e perceber a natureza humana com todas as suas virtudes e defeitos. Por tudo isto, o anúncio da atribuição do The Best a Lionel Messi pela segunda vez na carreira, tantas como Cristiano Ronaldo (2016 e 2017) ou Lewandowski (2020 e 2021), era mais do que anunciado. E nem mesmo o facto de não ter feito parte dos 30 melhores da Bola de Ouro de 2022 depois de ter ganho o troféu pela sétima vez em 2021 beliscou essa inevitabilidade.

Prémios The Best. Argentina ganha melhor jogador, treinador e guarda-redes (até adeptos), Cancelo no Melhor Onze sem Ronaldo

Como se sabia antes? Fácil: o todo poderoso Real Madrid, que juntou nos últimos meses o Mundial de Clubes e a Supertaça Europeia à Champions e à Liga espanhola, estaria representado apenas por Emilio Butrageño, o antigo craque que lidera hoje o departamento de Relações Internacionais dos merengues e que, para quem o conhece, é o melhor exemplo de cordialidade, educação e saber estar no mundo do futebol. De resto, nem as sombras. Nem Karim Benzema, o Bola de Ouro de 2022. Nem Thibaut Courtois, guarda-redes que fez uma exibição monstruosa na final da Champions. Nem Luka Modric, um indiscutível em qualquer melhor equipa que se forme. Nem Vinícius, um jogador estranhamente à parte do nível máximo a nível mundial apesar de continuar a evoluir a olhos vistos. Nem Carlo Ancelotti, vencedor da quarta Champions da carreira entre a carreira de jogador e a de treinador. Só mesmo Butrageño foi a Paris porque Paris era de Leo Messi.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O mundo nunca quis saber dele. Agora, o mundo é dele: Benzema, o bad boy que chegou à Bola de Ouro

Nem mesmo em casos como aquele que envolveu recentemente (e que continua a envolver) o antigo árbitro Enríquez Negreira e o Barcelona existe uma posição assumida em termos públicos pelo Real Madrid, neste caso, e como escrevia o El Mundo no fim de semana, porque existem outros valores que aconselham a maior prudência no choque com o rival catalão. No entanto, mesmo sem falar, o clube da capital consegue fazer sentir o seu desconforto. Mais uma vez, foi isso que aconteceu perante a reduzida comitiva que foi a França. Aqui, os merengues discordam sobretudo da relevância que a FIFA quis dar ao Campeonato do Mundo na atribuição de distinções, quase como se não tivesse existido antes uma temporada de 2021/22 que foi das melhores este século do clube. Até dezembro, Benzema, Ancelotti e Courtois seriam os vencedores incontestáveis das suas categorias; a partir daí, Messi, Scaloni e Emiliano Martínez passaram para a frente.

De acordo com a imprensa espanhola desta segunda-feira, ainda poderia haver dúvidas em relação ao The Best de Melhor Jogador masculino caso Benzema, que ganhou a Bola de Ouro com quase três vezes mais pontos do que o segundo classificado Sadio Mané, tivesse marcado presença no Mundial, algo que só não aconteceu porque o avançado foi apanhado pela “anormal” onda de lesões que afetou a seleção francesa. Se assim não fosse, se tivesse estado na caminhada do conjunto liderado por Didier Deschamps até à final como aconteceu com Kylian Mbappé, poderia um desempate nas grandes penalidades para atribuição do Mundial pesar assim tanto para a eleição de Messi? Ninguém sabe, provavelmente nunca ninguém saberá. Uma coisa é certa: a passagem da gala em Paris depois de dois anos de reunião virtual devido à pandemia para o final de fevereiro e não no início de janeiro estendeu a passadeira para a vitória do argentino.

Olhando para a temporada de 2021/22, aquela que normalmente premeia o vencedor da Bola de Ouro e do The Best (a FIFA quis colocar o prémio em janeiro para galardoar o ano e não a época mas os resultados mostram que essa ideia ficou pela teoria), Lionel Messi teve uma estreia discreta pelo PSG após duas décadas de Barcelona na escala de jogador estratosférico que é: 11 golos e 14 assistências em 34 jogos, a conquista da Ligue 1 que é quase um objetivo mínimo obrigatório do PSG, a vitória na Supertaça em agosto. Não passou dos oitavos da Champions, não entrou no Melhor Onze da Liga dos Campeões, não foi sequer nomeado para a Melhor Equipa da Ligue 1. No entanto, houve depois o Mundial. E foi isso que anulou os 44 golos e as 15 assistências de Benzema numa época em que ganhou a Champions, a Liga e a Supertaça antes de vencer ainda a Supertaça Europeia e o Mundial de Clubes. Ou seja, tudo menos a Taça de Espanha num ano…

Somando os jogos pelo PSG aos encontros na fase final do Campeonato do Mundo pela Argentina, o número 10 leva 30 golos e 20 assistências em 39 jogos, tendo ganho ainda o prémio individual de Melhor Jogador do Mundial numa caminhada que até começou com uma derrota frente à Arábia Saudita mas que terminou da melhor forma depois dos triunfos com México, Polónia, Austrália, Países Baixos, Croácia e França. Houve mais uma série de recordes alcançados, nomeadamente este fim de semana onde chegou aos 700 golos por clubes no Campeonato (Barcelona e PSG) em menos 103 partidas do que Ronaldo e superou o mítico registo de Puskas com a oitava temporada a conseguir 20 ou mais golos e 20 ou mais assistências, mas foi essa conquista do troféu que lhe faltava, curiosamente depois de ter quebrado também o jejum na Copa América e de ter ganho a Finalíssima, que lhe valeu a segunda distinção com o The Best depois de 2019.

De recordar que o prémio The Best foi entregue entre os anos de 2010 e 2015 em conjunto com a Bola de Ouro da France Football, o que faz com que este seja o sétimo troféu para o avançado argentino que ganhara antes em 2009, 2010, 2011, 2012 e 2015, além de 2019. Lionel Messi já tem sete Bolas de Ouro, as tais que se referem a 2009, 2010, 2011, 2012 e 2015 mais uma em 2019 e outra em 2021, ano em que foi Lewandowski o galardoado com o The Best. Agora, as contas inverteram-se. E, apesar de não ter entrado sequer na lista dos 30 finalistas à Bola de Ouro de 2022 ganha por Karim Benzema, bateu o francês e Mbappé no The Best, prolongando uma autêntica festa argentina em Paris que tocou ainda a Scaloni, Martínez e aos adeptos.

“É um prazer voltar a estar cá, voltar a estar com o Benzema que não está, com o Kylian [Mbappé], que teve um ano enorme. É uma honra para mim voltar a estar nesta gala e sair como vencedor. Quero agradecer aos meus companheiros. Está cá o Scaloni, o Dibu [Emiliano Martínez], sem eles não estaríamos cá. O prémio é parte desse reconhecimento. Agradeço a todo o grupo pelo que fizemos. Este ano foi uma loucura para mim. Consegui o meu sonho de poder ser campeão, depois de tanto lutar, de procurar e insistir. Acabou por chegar e foi o mais bonito que me aconteceu na minha carreira. Acredito que seja um sonho para qualquer jogador e felizmente consegui. Por último, quero agradecer à minha família, às gentes da Argentina por ter vivido da maneira que o fez este ano tão especial que vai ficar nas nossas recordações para o resto da vida”, destacou Lionel Messi no discurso de agradecimento muito focado na conquista do Mundial.